Por Fernando Canzian
O turco Fatih Birol, 65, diretor-executivo da AIE (Agência Internacional de Energia), afirma que o Brasil é um dos países que mais prometem retornos a investidores locais e internacionais em projetos de energia renovável.
Segundo ele, o país é um dos mais bem posicionados no mundo para tirar vantagens desse mercado, que vem passando por um boom nos últimos anos.
Os investimentos na área devem triplicar até 2030 a capacidade de geração de energia limpa em 130 países, gerando 3.700 GW adicionais. Energias solar e eólica —as mais promissoras no Brasil— serão responsáveis por 95% da expansão global.
Na área de biocombustíveis, que representa metade da matriz renovável global, Birol enxerga grandes oportunidades para o etanol brasileiro, sobretudo nas áreas de aviação e transporte marítimo.
“Como dizemos na Turquia, os investidores não vão a um país apenas por causa da bela cor dos seus olhos. Eles querem obter retornos, retornos altos. E o Brasil, com todo o seu potencial de recursos em bioenergia, solar, eólica e hidrocarbonetos, promete altos retornos”, afirma.
O sr. esteve no Brasil no início de fevereiro. Como foram as conversas com o presidente Lula e como a AIE apoiará a presidência do Brasil no G20 e na COP30? Além disso, como a agência pode ajudar para a que a transição energética seja justa e inclusiva?
Tive uma recepção muito calorosa do presidente Lula e de seus ministros. Para ser honesto, quando se trata de discutir questões globais de energia, clima e desenvolvimento, me senti em casa. Porque minhas visões estão muito alinhadas com o que o Brasil gostaria de alcançar.
Como disse ao presidente Lula, acredito que os próximos dois anos, este ano e o próximo, serão uma oportunidade incrível para o mundo ver que o Brasil está de volta ao centro dos assuntos internacionais para energia, clima, geopolítica e relações exteriores. Com a presidência do G20 em primeiro lugar, seguido pela COP30.
Há áreas críticas, e sugeri que três delas são importantes. Primeiro, como podemos construir um mecanismo inovador para que o financiamento da energia limpa nos países em desenvolvimento seja apoiado por instituições internacionais modernizadas e reformadas e pelos países ricos. Essa é uma área em que o Brasil pode desempenhar um papel muito importante.
A segunda área é que a bioenergia é uma parte muito importante de nossas formas de abordar as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, é um ponto cego no debate global sobre energia e clima. Quando tratamos, por exemplo, de energia renovável, todo o mundo fala sobre solar e eólica.
Mas, quando olhamos para os números de hoje, de toda a produção global de energia renovável, 50% são bioenergia; e 50% são solar mais eólica, hidrelétrica, geotérmica. Mesmo com 50% em bioenergia, ela não recebe o reconhecimento que merece.
Vamos trabalhar juntos para identificar e criar novas oportunidades de mercado para bioenergia e para biocombustíveis globalmente. E, ao mesmo tempo, trabalhar juntos para criar um consenso científico internacional sobre os critérios de sustentabilidade da bioenergia.
O terceiro é um problema humanitário, em que milhões de pessoas não têm acesso a cozinha limpa. Elas usam madeira e resíduos agrícolas para cozinhar. Especialmente na África, isso é um grande problema para as mulheres, porque causa doenças respiratórias enquanto cozinham, o que é uma das duas principais razões para morte prematura de mulheres. Vamos trabalhar nisso. Estas são as três linhas gerais: financiamento, bioenergia e energia para pessoas pobres.
O sr. mencionou os biocombustíveis. Como o Brasil poderia expandir suas vendas externas de etanol para o resto do mundo? O sr. enxerga um mercado global para o etanol se formando?
Sim, há uma enorme oportunidade. E acreditamos que os biocombustíveis possam desempenhar um papel importante nas próximas décadas, especialmente na aviação e na indústria marítima, porque essa é a solução mais importante para abordar os esforços de descarbonização para aviação e navegação. Mas, para fazer isso, precisamos de duas duas coisas.
Primeiro, criar novos mercados. Eu esperaria, por exemplo, do G20 e da COP30, que haja sinais fortes dos governos para que haja alguns mandatos [metas de descarbonização] para a indústria da aviação, bem como para a indústria de navegação, para garantir que usem bioenergia.
Em alguns países, os benefícios de sustentabilidade da bioenergia são questionados. E precisamos trabalhar juntos para obter um consenso científico sobre isso. E temos algumas sugestões, planos que estamos compartilhando com o governo brasileiro, e também trabalhando com o governo indiano. A Índia também coloca muita ênfase na bioenergia.
Mas vejo que essa é uma via muito importante para o Brasil exportar mais bioenergia no futuro. E, pelo fato de o espaço para o transporte rodoviário estar diminuindo para a bioenergia [por causa dos veículos elétricos], é preciso olhar para aviação e navegação.
Nossos números mostram que podemos ver um aumento de até dez vezes nos próximos cinco anos nas exportações de bioenergia do Brasil se conseguirmos resolver esses dois pontos. Ou seja, criar mercados por meio de mandatos, novos mercados no mundo e em setores, e, em segundo lugar, ter um consenso científico sobre os benefícios da sustentabilidade.
O sr. enfatizou que precisamos, é claro, de investimentos para expandir o mercado. Mas o ambiente macroeconômico no Brasil às vezes é difícil. Grandes déficits orçamentários, alta dívida pública, taxas de juros elevadas e riscos cambiais. Isso pode limitar os investimentos estrangeiros?
Sou o chefe da AIE, mas também presidente do Conselho da Indústria de Energia e Clima do Fórum Econômico Mundial de Davos. Consigo facilmente estimar o que a indústria de energia e os investidores estão pensando. Acredito que o Brasil, com o novo governo, está construindo uma confiança significativa, tanto em termos de estabilidade macroeconômica quanto em termos de estabilidade política.
Vemos taxas de juro altas em todo o mundo. Não acho que isso seja um problema estrutural. É uma questão técnica, e não acredito que será motivo para afugentar investidores, porque o potencial é enorme.
Como dizemos na Turquia, os investidores não vão a um país apenas por causa da bela cor dos seus olhos. Eles querem obter retornos, retornos altos. E o Brasil, com todo o seu potencial de recursos em bioenergia, solar, eólica e hidrocarbonetos, promete altos retornos.
Dito isso, também existem desafios que o governo brasileiro precisa enfrentar, especialmente para minimizar as etapas burocráticas para que os investidores tenham um ambiente mais amigável. Mas, no geral, vejo o Brasil como um país primordial para investimentos em energia nos próximos anos.
O mais recente relatório da AIE sobre energia renovável mostra um aumento nos investimentos e na capacidade de geração [3.700 gigawatts adicionais até 2030]. Mas o maior gargalo é a transmissão. Como superar esse desafio, já que os projetos de geração geralmente são privados, e os investimentos em transmissão, estatais?
Ao redor do mundo, muitos governos dão um grande incentivo às energias renováveis, especialmente solar e eólica. E temos uma enorme quantidade de nova capacidade renovável chegando. Mas eles se esqueceram de uma coisa. Como essa energia renovável chegará aos clientes, às residências, à indústria. E isso está criando um grande gargalo.
Em 2023, tivemos uma adição recorde de capacidade renovável, mais de 500 gigawatts. Mas há três vezes isso, 1.500 gigawatts, em projetos renováveis prontos. Mas, como não temos capacidade suficiente para a transmissão e a distribuição, eles não conseguem se conectar à rede. Isso é criminoso economicamente, porque é algo como você fabricar o carro mais bonito do mundo, sustentável, muito rápido, confortável, mas se esquece de construir as estradas para esse carro.
Construímos muitas energias renováveis, mas os governos ao redor do mundo não construíram a rede. Mas as pessoas estão acordando, e o Brasil é um dos países que acordaram muito rapidamente. Vocês tiveram o grande leilão em 2023 [com previsão de investimentos de R$ 21,7 bilhões em transmissão], e me foi dito que planejam outro este ano, por volta de março. Acredito que os leilões sejam mecanismos-chave para atrair investimentos nos países emergentes.
Acho que o Brasil pode ser visto como um exemplo de boas práticas para coordenar investimentos públicos e privados. Não podemos deixar tudo para o setor público. A abertura do Brasil para a participação público-privada resultou em um maior envolvimento do setor privado do que em muitos outros países emergentes. O Brasil está indo na direção certa.
Como o sr. encara as perspectivas para a produção de hidrogênio verde? O relatório da AIE afirma que, de todos os projetos anunciados, apenas 7% das capacidades de geração renovável propostas devem entrar em operação em 2030. Qual é a dificuldade na área?
Falo com todos os governos ao redor do mundo. E, normalmente, quando falo sobre diferentes tópicos de energia, petróleo, renováveis, nuclear, hidrogênio, captura de carbono, sempre existem visões diferentes. Mas, quando se trata de hidrogênio, vejo que todo o mundo ama o hidrogênio.
Então, isso é um pouco incomum, para ser honesto. Mas, ao mesmo tempo, anunciar projetos de hidrogênio não significa que teremos o hidrogênio tão rapidamente como parte de nossa matriz energética. Estou dizendo a muitos governos, líderes governamentais na Europa ou Ásia, América Latina, que não devemos esperar que o hidrogênio, a curto e médio prazos, tenha uma participação significativa.
Porque precisamos criar uma demanda para desenvolver o hidrogênio. Isso é um ponto. O segundo é que seu custo ainda é significativamente mais alto do que as alternativas. Portanto, há uma necessidade de os governos —e muitos deles já começaram— anunciarem programas de apoio. O hidrogênio verde não fará parte de nossa matriz energética em um curto período de tempo. Os custos ainda terão de diminuir significativamente.
Nascido em Ancara, na Turquia, é especialista em energia e atua desde 2015 como diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE). Preside o Conselho da Indústria de Energia e Clima do Fórum Econômico Mundial de Davos. É formado em engenharia de energia pela Universidade Técnica de Istambul e obteve mestrado e doutorado em economia de energia pela Universidade Técnica de Viena.
Fonte: Folha de S.Paulo