Tecnologia e ganho de produtividade fazem cair ocupação no agro

Trabalhador do campo precisa ser cada vez mais qualificado — Foto: Freepik

Por Camila Souza Ramos e Lucianne Carneiro

A agropecuária cresceu 3% por ano, em média, no Brasil na última década — bem acima do aumento de 0,86% da economia como um todo —, mas progressivamente reduziu o número de pessoas ocupadas “dentro das porteiras”. Em 2024 não foi diferente e a ocupação no setor caiu 3%, para 7,88 milhões de pessoas, o menor patamar ao menos desde 2012, quando começou a série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o terceiro ano seguido de queda. O desempenho foi no sentido contrário ao do mercado de trabalho nacional, já que o número total de trabalhadores no país cresceu 2,6% em 2024.

O movimento reflete um modelo de crescimento do agro pautado em tecnologia e ganhos de produtividade. Com isso, o setor vem empregando cada vez menos trabalhadores com baixa qualificação, substituídos por máquinas e tecnologia. Outro fator que contribui para esse cenário, apontam especialistas, é a concentração em atividades voltadas ao comércio exterior, como soja e milho, em que há mais uso do capital e menos do trabalho.

Ao mesmo tempo, é comum ouvir empresários e gestores de fazendas e empresas do setor reclamarem da dificuldade em encontrar mão de obra, principalmente para lidar com as inovações dentro das propriedades.

Perfil

As estatísticas mostram que há uma mudança no perfil do trabalhador do setor: recuou a participação daqueles de menor instrução e aumentou a parcela dos que têm escolaridade maior. No período mais recente, o bom momento do mercado de trabalho também aumenta a atratividade de outros setores para as pessoas de grau escolaridade menor, diante dos salários mais baixos no campo.

“O universo agro, para crescer como temos observado, o fez com incorporação de tecnologia, fazendo inovações”, observa Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV (FGV Agro). Com isso, há uma tendência de longo prazo de “liberação de mão de obra”, que é acentuada em épocas em que a margem dos produtores rurais diminui por causa de preços baixos ou custos altos, como foi na safra passada.

A produtividade do trabalho na agropecuária cresce mais que a média geral da economia desde 2022. Em 2024, as taxas foram de 1,6% no campo e 0,1% na economia como um todo, de acordo com dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). A diferença foi ainda maior em 2023: 22,3% no agro e 2,3% no país.

“A agropecuária é um setor dinâmico, com números muito fortes no PIB, mesmo com menos trabalhadores. Isso mostra ganho de produtividade. Há um outro perfil de trabalhador rural hoje: menos trabalhadores precários e mais trabalhadores qualificados”, aponta o economista do FGV Ibre Rodolpho Tobler.

Professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Nicole Rennó Castro destaca que a realidade do emprego no agronegócio é diferente quando se analisa apenas os dados dentro da porteira — como é o caso do indicador do IBGE — em comparação quando se inclui as informações sobre o trabalho além do campo.

“O trabalho no campo recua, mas se desloca para outras atividades. Há geração maior de empregos em serviços, como transporte e comercialização, a indústria de insumos tem gerado cada vez mais vagas, e também tem a indústria, embora com menor força”, afirma.

O Boletim Mercado de Trabalho do Agronegócio Brasileiro, publicação do Cepea e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), calcula em 28,424 milhões o total de trabalhadores no agronegócio, segundo o dado mais recente, do terceiro trimestre de 2024.

Desse total, são 10,3 milhões em atividades de serviços ao agro e 8 milhões na agropecuária (dentro da porteira). Há ainda trabalhadores nas áreas de insumos (319 mil), autoconsumo agrícola (5 milhões) e indústria (4,8 milhões).

“Embora a população ocupada na agropecuária tenha diminuído, essa retração vem sendo compensada pelo aumento das ocupações em setores correlatos, resultando em sucessivos recordes de emprego no agronegócio como um todo”, diz Isabel Mendes, assessora técnica da CNA.

Nos segmentos do agro que estão crescendo apenas mais recentemente, como de bioinsumos, ferramentas de tecnologia agrícola e fertirrigação, as empresas exigem não apenas mão de obra mais qualificada, mas com conhecimentos e habilidades difíceis de encontrar no mercado, avalia Sabrina Bittencourt, associada da empresa de recrutamento Wyser.

“Mesmo as cooperativas têm dificuldade de encontrar assistente de vendas de biológicos, porque em geral são profissionais que vêm da venda de químicos, e a vaga exige que pessoa conheça os produtos biológicos de forma mais minuciosa”, diz.

Já para essa população menos qualificada que está sendo expulsa do mercado de trabalho do agro, o grande desafio é garantir a reinserção em outras posições, reconhece Mendes, da CNA. “É um debate que passa tanto pela educação formal no Brasil quanto pelo fortalecimento do ensino técnico e da capacitação profissional.”

Na avaliação do economista da LCA 4intelligence Bruno Imaizumi, especialista em mercado de trabalho, o tipo de ocupação analisada pelo IBGE mostra essa transformação. Enquanto avançou a fatia dos trabalhadores no setor privado, com ou sem carteira assinada, recuou a participação do trabalhador por conta própria ou familiar auxiliar — que trabalha em um negócio da família sem remuneração.

A mudança no perfil da agricultura, com mais mecanização e grandes propriedades, reduz o número desses trabalhadores. Enquanto os proprietários de terra procuram trabalhadores mais qualificados, as famílias perdem espaço para os fazendeiros. E aí resta aos mais jovens a migração para as cidades”, afirma Bruno Imaizumi.

Em 2012, 62% dos trabalhadores do agronegócio não tinham instrução ou cursaram apenas o ensino fundamental, parcela que caiu para 44,6% no terceiro trimestre de 2024, segundo dados do Cepea/CNA. Por outro lado, os trabalhadores com ensino médio e superior eram 38% do total em 2012 e se tornaram maioria em 2024 (55,4%).

Renda no campo

O aumento do uso de tecnologias na agropecuária e a crescente demanda por trabalhadores com maior qualificação — em detrimento daqueles com menor instrução — também levaram a um aumento da renda média no setor no Brasil.

Segundo Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV (FGV Agro), a renda média cresceu 7,5% nos últimos quatro anos, uma prova dessa nova dinâmica. Na média do país, o rendimento da agropecuária ainda é o menor de todos os setores da economia, mas no Centro-Oeste, já superou o rendimento na indústria.

Esse crescimento, no entanto, ainda ficou abaixo da inflação acumulada no período, de 27,7%, segundo o IPCA-IBGE. Para a média dos trabalhadores da agropecuária, os baixos salários em comparação com o de outros serviços ainda são um importante fator de expulsão do campo.

Para Gabriel Bezerra, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (CONTAR), os baixos salários da agropecuária, em comparação com os outros setores, são o principal fator que empurra os trabalhadores para fora das fazendas, além da falta de boas condições de trabalho de maneira geral.

“Se você olhar a fruticultura, há uma procura altíssima por trabalhadores, mas os trabalhadores têm buscado outras opções por causa dos baixos salários, e estão indo para o Uber, para aplicativos”, afirma.

Na avaliação de Bezerra, a reforma trabalhista agravou a situação ao eliminar a remuneração referente ao tempo de deslocamento dos trabalhadores do campo. “Nas áreas rurais, os trabalhadores precisam de um tempo de deslocamento maior. Se não tem [remuneração das] horas viajadas, procuram trabalho no meio urbano”, acrescenta.

Enquanto isso, outros setores da economia passaram a ser mais atrativos para os trabalhadores, e não só pela questão financeira. Segundo Sabrina Bittencourt, da recrutadora Wyser, desde a pandemia, ficou mais difícil deslocar mão de obra especializada dos grandes centros para o interior principalmente de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. Mesmo após a contratação, a evasão também é grande. “No curto prazo, a pessoa entrega, mas no longo prazo não, porque ela sente saudades da família”.

Leandro Trindade, consultor de recursos humanos para empresas do agro especializado em psicologia do trabalho, diz que a taxa de rotatividade no campo ainda é muito alta. “Na suinocultura, a taxa está em torno de 40%, sendo que o saudável seria estar em no máximo 15%”, afirma.

Para ele, outros setores da economia vêm melhorando as condições que mantém os trabalhadores em suas vagas para além da renda, como garantia de relações interpessoais no trabalho, perspectiva de crescimento na empresa e propósito.

Fonte: Globo Rural