Por Rafael Walendorff
O discurso de posse e as primeiras medidas anunciadas pelo presidente norte-americano Donald Trump aumentaram as incertezas sobre potenciais efeitos do segundo mandato dele sobre o agronegócio brasileiro. Analistas ouvidos pela reportagem dizem que haverá mudanças, principalmente no comércio global com o aumento tarifário pretendido, mas que o impacto disso ainda é uma “incógnita”.
As mudanças na aplicação de tarifas pelos Estados Unidos ainda não foram definidas, mas irão ocorrer em breve, salientou Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global. Três modelos têm sido avaliados pela equipe de Trump e cada um pode ter efeitos diferentes no cenário mundial e para o Brasil, especificamente.
As hipóteses são aumentar rapidamente as tarifas sobre países específicos, como México, Canadá e China, a exemplo do que já ocorreu em 2017 em relação aos chineses, na primeira passagem de Trump pela Casa Branca, o que gerou uma retaliação de Pequim contra produtos do agronegócio norte-americano e abriu espaço para o Brasil ampliar as exportações para a China, em especial de soja.
A segunda alternativa é se basear em reciprocidade, com medidas aplicadas sobre países ou produtos específicos, em desacordo com as regras do comércio mundial, para as quais Trump dá de ombros, comentou Jank. Por último, a estratégia pode ser investir em negociações bilaterais com determinados parceiros ao invés de aumentar as tarifas de forma generalizada.
“É cedo para comemorar uma guerra comercial. Aliás, ninguém deve comemorar, pois isso gera ações e reações de todos os países e pode ter uma nova espiral protecionista”, apontou Jank.
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), é cauteloso. Ele não vê grandes impactos para o agronegócio brasileiro neste momento. Como o país importa mais do que exporta para os Estados Unidos, não deve ser afetado pelo pacote tarifário de Trump para reduzir o déficit comercial norte-americano.
“Mas não sabemos qual será entendimento sobre a China. Trump viajará a Pequim nos primeiros dias de governo. Precisamos ver se vai haver alguma combinação na área agrícola (…) A rigor, o Brasil na área agrícola não deveria ser afetado. Como tem grande exportação para a China, dependendo das medidas, pode ser que haja efeito indireto sobre o Brasil”, comentou à reportagem.
“Hoje, penso que o agro brasileiro será pouco afetado. Temos nossos canais de comercialização. Não antecipo nada grave”, completou Barbosa.
Marcos Jank lembrou um movimento “parecido” feito pelos EUA em 1930, com a Smoot-Hawley Tariff Act, lei que dobrou as tarifas e desencadeou episódios que vão desde a recessão econômica até a Segunda Guerra Mundial.
“Se eles dobrarem a tarifa, será ruim para o mundo inteiro. Os EUA são o maior mercado de produtos do mundo. Pode haver ganhos de curto prazo a depender de como for feito, mas tenho muito medo dos efeitos colaterais que isso pode causar. E fico preocupado que não haja mais regras”, apontou.
Jank disse que o Brasil deve ser impactado de forma secundária, com reflexos do que for aplicado contra a China, por exemplo. “Não há dúvidas de que algum dos modelos será aplicado. Trump colocou a questão das tarifas no centro da agenda e tem poder no Congresso e no seu governo para fazer essa mexida que rompe com regras internacionais de comércio. Vai voltar a lei das selvas em que cada país torce para não ser atingido”, afirmou.
Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações, disse que será preciso observar os detalhes dos desdobramentos de cada medida nas próximas semanas. “Em relação ao agro brasileiro, teremos que ver a possibilidade de a China e os EUA chegarem a algum acordo bilateral que tenha objetivo de aumentar o comércio agrícola entre eles. É uma preocupação de fundo que precisa estar presente”, disse.
Segundo ela, momentos como esse reforçam a necessidade de ampliar a presença física do Brasil na China e de fortalecer as ferramentas de interlocução com os chineses, principais clientes do agronegócio brasileiro. Ela também não vê ameaças diretas de Trump ao Brasil.
“O Brasil tem uma relação saudável com os EUA. O Brasil é comprador de produtos de maior valor agregado dos EUA, é destino de investimentos de empresas norte-americanas. Não tem motivo para Brasil ser alvo, mas indiretamente podemos acabar tendo impactos por conta da China”, ressaltou.
Meio ambiente
O anúncio da saída dos EUA do Acordo de Paris, que completa dez anos em 2025, também aumentará a pressão sobre o Brasil e a sua capacidade de organizar uma COP que gere, efetivamente, resultados práticos.
Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura, disse que Trump torna o ambiente ainda mais difícil, mas salientou que o Brasil precisa definir com clareza qual será sua “rota” no tema ambiental.
O embaixador Rubens Barbosa disse que a postura do presidente norte-americano aumenta a pressão sobre o Brasil em termos de política externa, como a coordenação da reunião da cúpula dos BRICS (grupo formado por Rússia, Índia, China e África do Sul) e a organização da COP 30, em Belém, no fim deste ano.
“O Brasil tem que ter atitude pragmática, não ideológica na defesa dos nossos interesses, sem alinhamento automático com ninguém. A saída dos EUA do Acordo de Paris terá efeito sobre as negociações da COP 30”, opinou.
Para Marcos Jank, a postura de Trump enfraquece as iniciativas globais de adaptação às mudanças climáticas e de redução de emissão de gases do efeito estufa a nível de governo, mas aposta que as empresas privadas vão manter a agenda nesse segmento.
“Espero que consigamos trazer as agendas positivas, da agricultura sustentável e da produção de bioenergia na COP, e não ficar só pedrada na questão do desmatamento ilegal, que é nosso teto de vidro”, resumiu Jank.
Camargo Neto apontou ainda possíveis impactos das ações de Trump sobre o agro norte-americano, que apoiou o presidente na eleição, mas está alerta com o “pacote tarifário” e possíveis portas fechadas aos seus produtos.
“O maior mercado do agro brasileiro é a China, que até pode ser beneficiado, mas Trump é uma incógnita. O agro norte-americano, que votou nele, pode ser prejudicado neste conflito com a China e na questão do trabalhador imigrante”, afirmou. “O agro norte-americano também está em compasso de espera”, concluiu Marcos Jank.
Fonte: Globo Rural