Papo de roda: combustível do futuro?

Uso mais amplo do biodiesel depende de motor calibrado especialmente
e aditivos específicos – Foto: Reuters/Bazuki Muhammad

Por Boris Feldman*

Para entrar em sintonia com os compromissos de descarbonização do planeta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de sancionar a lei “Combustível do Futuro” que, entre outras medidas, aumenta o teor de etanol na gasolina e do biodiesel no diesel. Cria também programas de diesel verde, do SAF (combustível sustentável para aviação) e de biometano.

A legislação é pertinente, adequada e foi muito badalada pela imprensa, pois é um feito do governo a redução de emissões de CO2, um dos responsáveis pelo efeito estufa. Mas sua efetivação não é tão simples como parece, pois depende da solução de diversos problemas tecnológicos.

Etanol na gasolina

Em tese, para redução de emissões de CO2, quanto mais do derivado da cana, tanto melhor. A adição de etanol permitida à gasolina era de 18% a 28% até esta nova lei, que mudou os percentuais para 22% até 35%. Mas desde que “comprovada a viabilidade técnica” desta mistura.

Hoje, a gasolina recebe 27% do álcool, exceto a premium, que mantém o antigo percentual de 25%. A adição já foi testada até 30% pela Petrobrás, mas a nova lei – lembrando das tolerâncias – permitirá 37% de etanol.

Isso não será problema para os motores flex, que podem receber qualquer proporção de álcool. Mas será para o bolso do motorista, pois o carro vai rodar menos quilômetros por litro. E mais complexo nos motores a gasolina (os nacionais antes do flex e todos os carros importados), que não foram projetados para um percentual de quase 40% de etanol.

Solução: manter a gasolina premium com os atuais 25% de álcool, já utilizada pelos importados, mas problemática para os donos de carros nacionais mais antigos por seu custo bem superior (cerca de 30%) ao da gasolina comum. Afeta também um grande volume de motos, que não oferecem motores flex.

Biodiesel no diesel

Dentro da mesma ideia de substituir o combustível fóssil pelo “limpo”, quanto maior o percentual de biodiesel, tanto melhor. Desde março deste ano, ele está em 14% (B14) e já prejudica os motores. E a nova lei ainda o aumentaria em 1% ao ano até atingir 20% em 2030. E poderia ir além deste percentual.

Por ser higroscópico (absorver umidade), o biodiesel obtido a partir de vegetais (grãos) ou animais (sebo, gorduras) forma borra no fundo do tanque. E entope o que encontra pela frente: filtros, bomba, tubos, injetores.

O problema é que os produtores do biodiesel utilizam um método antigo, da transesterificação, da década de 1930. Mas se utilizam de todos os argumentos para defender seu produto (e faturamento…). Alegam que o biodiesel chega a 35% na Indonésia. Sem explicar que, lá, os motores diesel são obsoletos e não cumprem normas modernas de limite de emissões como as nossas.

Não divulgam que, em países do chamado “Primeiro Mundo”, há um consenso em limitar o percentual do biodiesel em 7%. Afirmam ser possível utilizá-lo até puro (B100), mas sem esclarecer que apenas sob condições especiais, com fornecimento imediato do produtor para o veículo. Com o motor calibrado especialmente e aditivos específicos.

E são quase insolúveis os problemas provocados em motores sem uso contínuo, como geradores de emergência, usinas termoelétricas, veículos das Forças Armadas, máquinas agrícolas na entressafra e tantos outros. Só jogando fora depois de algum tempo.

Solução: entre várias delas, a mais viável é o “Diesel Verde”, um óleo vegetal hidrotratado (HVO – Hydrotreated Vegetal Oil), também obtido de vegetais e animais, que tem a mesma molécula do diesel (ou até melhor…) e não causa nenhum problema no motor, por não conter oxigênio. É um hidrocarboneto puro e, além de mais estável, não emite CO2 e reduz outros poluentes como o particulado, hidrocarbonetos, CO e NOx.

O problema é que ainda custa o dobro que o diesel fóssil. Mas o biodiesel também tinha este custo, há dez anos, e hoje é apenas 20% maior. A maior dificuldade para a produção do HVO são os investimentos nos equipamentos para sua produção.

O próprio biodiesel pode ser uma solução, desde que tenha sua qualidade extremamente controlada. Por isso, o PMQBio (Programa de Monitoramento da Qualidade do Biodiesel), atribuído a laboratórios certificados para seu controle diretamente nos produtores. Já houve sensíveis melhorias, mas pelas dificuldades inerentes ao processo, é quase impossível garantir uma qualidade 100%.

E os motores diesel vão se entupindo pelas ruas e estradas, por maior que seja o cuidado tomado pelos motoristas e frotistas.

Resumo da ópera? Ninguém duvida de que o combustível de origem fóssil deva ser substituído por outros que reduzam sensivelmente a emissão de gases poluentes. Mas é um processo que exige tempo, tecnologia e investimentos. E não empurrado goela abaixo do consumidor…

*Jornalista especializado em automóveis desde 1966, produtor e apresentador do programa Autopapo.

Fonte: CNN Brasil