Na semana passada, o Itaú BBA organizou reunião com Mariangela Hungria, pesquisadora sênior da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-Soja). Com mais de quarenta anos de experiência em microbiologia, Hungria também é a única brasileira classificada entre os 100 melhores cientistas em Fitotecnia e Agronomia do mundo. Os principais temas de discussão incluíram o mercado de insumos biológicos, a importância da P&D para esse segmento e os desafios da produção agrícola.
Hungria, que está na Embrapa desde a década de 1980, lembrou que nunca antes havia visto um mercado tão crescente para o mercado de insumos biológicos. Até alguns anos atrás, a maioria das indústrias agrícolas precisavam estar convencidas da importância do segmento de produtos biológicos. Porém, a situação mudou significativamente e a Embrapa enfrenta dificuldades para acompanhar a demanda por produtos e manuais técnicos.
A pesquisadora citou as empresas Vittia, Simbiose e Agrocete como os principais players do mercado. Hungria também expressou alguma preocupação com o recente volume de transações de fusões e aquisições no setor, com alguns dos valores das transações parecendo excessivamente elevados do ponto de vista da comunidade científica. Embora haja amplo espaço para o desenvolvimento do mercado de produtos biológicos no Brasil, uma análise cuidadosa do portfólio de cada empresa é crucial.
A importância da P&D
Segundo Hungria, como a legislação brasileira não prevê proteção intelectual para produtos biológicos, é bastante fácil replicar produtos existentes. Quando um produto se torna popular e é replicado por diversas empresas, os preços podem cair significativamente. Foi o que aconteceu com o azospirillum, um tipo de bactéria usada para fixar o nitrogênio e promover o crescimento dos vegetais; o litro de azospirillum, que era vendido por R$ 25 há dez anos, agora é vendido por R$ 3.
Neste contexto, é vital que as empresas biológicas invistam em pesquisa e desenvolvimento e mantenham um pipeline sólido de novos produtos. Na verdade, o mercado brasileiro de produtos biológicos deverá crescer duas vezes mais rápido que o mercado global no médio prazo, sugerindo que a taxa de adoção doméstica será muito maior do que a dos pares internacionais. Este “retorno” do mercado é bastante relevante após o fraco desempenho de 2023, um ano bastante desafiador para os biológicos.
Os principais desafios para os novos participantes incluem a criação de relacionamentos duradouros (e lucrativos) com grandes grupos de revenda, o que é importante dado o aspecto técnico do processo de venda de produtos biológicos. Outro desafio está relacionado aos recursos humanos, dada a falta de microbiologistas especializados no segmento de biológicos no Brasil, o que significa que os novos entrantes (mas também os já estabelecidos) podem ter dificuldade em encontrar um coordenador de produção, por exemplo.
O desafio da produção on-farm, ou “na fazenda”
O consenso parece ser que, embora grandes grupos (como a SLC) possam ser capazes de superar o desafio relacionado com os recursos humanos e contratar microbiologistas capazes, porque têm recursos suficientes para o fazer, os pequenos agricultores provavelmente obterão resultados sub-ótimos na exploração e produção, no melhor cenário. Na pior das hipóteses, a contaminação poderia ter repercussões graves se fossem encontrados agentes patogénicos provenientes da produção agrícola nos produtos, especialmente nos de exportação. Hungria observou que cada produto tem um nível diferente de temperatura, agitação e meio de cultura (a proporção que é fornecida aos microrganismos), o que é bastante difícil de acertar na fazenda, mesmo em operações de alta escala. As operações industriais tendem a ter uma taxa de contaminação, algo em torno de 5%. A pesquisadora acredita que a produção agrícola não deverá representar mais de 20% do mercado total, no longo prazo.
Embrapa
A Embrapa, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), foi criada em 1973 para desenvolver a base tecnológica para um modelo de agricultura e pecuária genuinamente tropical. Garantir a segurança alimentar do Brasil e a posição de destaque do país no mercado internacional de commodities são desafios fundamentais, juntamente com a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social.
A Embrapa é internacionalmente conhecida pela excelência científica em pesquisa agropecuária. É também um dos poucos laboratórios do mundo que atua em toda a cadeia produtiva, com uma ampla gama de atividades que vão desde o mapeamento do genoma até o lançamento de produtos. Embora não realize efetivamente vendas, o instituto mantém um diálogo aberto com o setor produtivo, desenvolvendo produtos com as principais indústrias agrícolas do País.