Por Eliane Silva
O Centro de Cana do IAC (Instituto Agronômico) em Ribeirão Preto (SP), que realiza pesquisas sobre cultivares e mantém um viveiro de mudas de cana com produção anual de 2,5 milhões a 3 milhões de unidades, também foi alvo dos incêndios que atingiram cerca de 50 cidades no Estado de São Paulo, queimaram milhares de hectares de cana, além de vegetação nativa, e provocaram interdição de rodovias.
Localizado na área em que se realiza a Agrishow todos os anos, o Centro de Cana viu queimar 120 dos seus 150 hectares, incluindo viveiros e áreas experimentais de teste e desenvolvimento de novas variedades da planta.
Marcos Landell, diretor do IAC que trabalha há 40 anos na pesquisa de cana, diz que o fogo vai atrasar pelo menos nove meses de pesquisas e retardar à chegada ao mercado de variedades que estavam prontas para serem lançadas, além de comprometer a demanda por mudas nos próximos três meses.
O melhorista do IAC Mauro Xavier, que mora no Centro de Cana, diz que o cenário no sábado à noite foi de guerra. O medo era que o fogo atingisse também as dez casas do centro, além de laboratórios, salas de brotação e a sede. “Tivemos que desocupar as casas e tentamos na medida do possível apagar o fogo com nosso caminhão-pipa, mas as chamas estavam muito altas, pulando os carreadores.”
Landell, que foi um dos “pais” da migração do corte de cana queimada manual para a colheita mecanizada sustentável nos anos 90 em São Paulo, diz que, no caso das lavouras comerciais queimadas, a colheita tem que ser feita o mais rápido possível para minimizar as perdas.
“O fogo permite a entrada de microrganismos na cana, que causam seu apodrecimento. A cada dia, a planta perde mais produtividade, aumentando os custos para produzir o mesmo quilo de açúcar ou litro de etanol. Então, deve haver uma corrida das usinas para tentar colher tudo o que foi queimado em dez dias no Estado.”
O especialista afirma que, além do prejuízo imediato, algumas variedades perdem a habilidade de brotar em casos de incêndio, gerando falhas e prejuízos nos canaviais.
Segundo o diretor do IAC, o produtor de cana não tem interesse nenhum em cana queimada. “Houve uma resistência nos primeiros anos, mas hoje ninguém quer voltar a queimar cana e perder nutrientes do solo e também produtividade. Há 40 anos, os canaviais de cana queimada permitiam três ou quatro cortes antes de terem de ser reformados. Hoje, já há cana de até dez cortes”.
Marcos Paulo Meloni, que tem 16 propriedades de cana nos municípios de Barrinha, Sertãozinho e Dumont, reforça que o fogo no canavial não interessa ao produtor. Ele conta que entre quinta e sábado, o fogo queimou 550 hectares em suas fazendas. Ele já tinha colhido a cana nos últimos 70 a 80 dias, mas as rebrotas queimaram tudo e a palha se foi, prejudicando a próxima safra. Ele já tinha enfrentado fogo em 2001, mas na época perdeu cana de 7 cortes que havia passado por três geadas e já precisava ser renovada.
“Agora foi tudo muito inesperado. Ainda vamos analisar o que fazer, mas creio que teremos que replantar tudo porque a brota estava muito fraca e a cana que nascer certamente terá pouca produtividade. O problema é que não temos dinheiro para fazer isso e ainda temos que pagar arrendamento de 100 hectares. Vou replantar uma parte, pedir financiamento, sei lá”, diz o produtor. Na região dele, a reforma de um hectare de cana custa cerca de R$ 10 mil.
Meloni, que esteve na linha de frente do combate ao fogo com dois caminhões pipa, diz que no sábado não conseguia ver um palmo à frente do caminhão. “Foi desesperador, muitas áreas queimando ao mesmo tempo. Não tinha o que fazer: ou sai ou morre queimado.”
Na fazenda Guaraciaba, que pertence a Adriana Marchio Ribeiro da Silva e fica entre Batatais e Altinópolis, o fogo atingiu 139 hectares. “Só conseguimos salvar a sede”, diz Adriana, que também já tinha colhido a cana, cortado as soqueiras para evitar pragas e passado herbicida pré-emergente.
“Nosso problema vai ser a falta da palhada para o próximo ciclo. Fico chateada quando ouço notícias de que são os produtores colocando fogo. Toda vez que temos cana queimada perdemos muito: perdemos peso de cana, perdemos matéria biológica e perdemos qualidade de solo que levamos anos para criar. É uma tragédia para a gente!”
A Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil), que representa mais de 12 mil produtores de cana-de-açúcar, estimou que entre sexta-feira (23) e sábado (24) foram identificados mais de 2,1 mil focos de incêndios, que resultaram em cerca de 59 mil hectares queimados em áreas de cana-de-açúcar e áreas de rebrota de cana, com um prejuízo estimado de R$ 350 milhões.
O CEO da Orplana, José Guilherme Nogueira, disse que o prejuízo foi muito grande na cana em produção, na cana em pé e também na cana que estava em processo de brotação, que queimou a palhada. “Percebemos uma redução na produtividade na ordem de 50%, até por essa perda de biomassa que acabou sendo incendiada. Com isso, já temos impactos diretos nos preços do etanol e do açúcar e no canavial do próximo ciclo.”
Fonte: Globo Rural