Por Frances Jones
Não é apenas o setor produtivo que se mobiliza em torno do combustível sustentável de aviação. O insumo também atrai o interesse da academia. Uma das principais iniciativas na área foi a criação no ano passado do “Hub de SAF” na E-Renova, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) voltada à inovação em energias renováveis, abrigada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“A ideia é colocar em uma mesma mesa todos os atores envolvidos na produção e uso do SAF, entre empresas que detêm a tecnologia, universidades que estudam rotas tecnológicas, companhias aéreas, Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis]”, afirma o engenheiro químico Rubens Maciel Filho, coordenador da E-Renova e professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.
Maciel sustenta que o Brasil é o país com a maior capacidade de fabricação do combustível alternativo. “Devemos produzir aqui para não precisarmos exportar etanol e depois comprarmos o biocombustível de aviação”, diz o pesquisador, membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa em Bionergia (Bioen).
O Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), é outro centro brasileiro que se dedica, entre outros temas, à pesquisa do SAF. Lá são realizados estudos em duas frentes, ambas com apoio da Fapesp.
Em uma delas, os pesquisadores avaliam os impactos de sustentabilidade das rotas que já se encontram mais maduras, observando, por exemplo, o potencial de determinada biomassa para atender a uma demanda regional ou global de SAF, considerando os efeitos da mudança de uso da terra e priorizando áreas com baixo risco de emissões.
Em uma segunda frente, busca-se desenvolver novas tecnologias 100% brasileiras. Em artigo publicado em 2023 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, a física Leticia Zanphorlin, pesquisadora do LNBR/CNPEM, e colegas descreveram uma enzima capaz de substituir catalisadores químicos tradicionais usados em vias termoquímicas para transformar ácidos graxos em hidrocarbonetos.
“É uma enzima interessante porque ela consegue fazer essa conversão e, ao mesmo tempo, é capaz de desoxigenar a molécula”, explica o engenheiro químico Edvaldo Morais, líder da divisão de biorrefinarias e recursos naturais do LNBR. “Em um processo convencional, é preciso uma etapa de reação a mais, com o uso de hidrogênio para retirar o oxigênio das moléculas provenientes da biomassa”.
Outros dois artigos sobre as pesquisas realizadas no CNPEM foram divulgados nas revistas Chemical Engineering Journal e Resources, Conservation and Recycling no ano passado.
Na Unicamp, outro projeto financiado pela Fapesp investiga, por meio de simulações computacionais, a viabilidade econômica de biorrefinarias usando a rota ATJ a partir de dois insumos: etanol de segunda geração da cana-energia (variedade com mais fibra e mais resistente a pragas) e hidrogênio sustentável gerado a partir de um produto do lixo urbano, o combustível derivado de resíduos (CDR).
“A ideia é boa na ótica da sustentabilidade, mas ainda precisamos avaliar se é economicamente viável”, diz o engenheiro químico Adriano Mariano, responsável pelo projeto, da FEQ-Unicamp.
O papel do hidrogênio
O hidrogênio é um insumo vital para a produção do SAF. É ele que reage com o dióxido de carbono (CO2), gerando os hidrocarbonetos de cadeia longa semelhantes aos do querosene de aviação.
O Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído com recursos da Fapesp e da Shell, e o Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), da Universidade de São Paulo (USP), desenvolvem um projeto para estimar o potencial de produção de hidrogênio por diferentes rotas pelo setor sucroalcooleiro. Os pesquisadores vão analisar os dados das quase 400 usinas produtoras de etanol no país.
“O hidrogênio verde é essencial para todas as rotas de produção de SAF”, pondera a analista de relações internacionais Laís Forti Thomaz, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão de assessoramento da Presidência da República.
“As duas rotas das quais podemos aproveitar mais pela abundância de matérias-primas são a ATJ, em relação ao etanol, e a Hefa, que usa soja, óleo de cozinha reutilizável ou gordura bovina. Já temos uma cadeia do biodiesel muito forte que pode ajudar na produção das matérias-primas”, sustenta Thomaz, destacando que o ideal é que não se aposte em apenas uma via. “O melhor é promover o desenvolvimento de todas as rotas”.
Três perguntas sobre o combustível sustentável:
De que é feito o SAF?
Combustível líquido alternativo ao de origem fóssil, ele é produzido a partir de resíduos agrícolas e florestais, oleaginosas, resíduos sólidos urbanos, óleo de cozinha usado, entre outros insumos. Também pode ser sintetizado a partir de um processo de captura de dióxido carbono (CO2) na atmosfera. Misturado ao querosene de petróleo ou puro, dispensa modificações nas aeronaves atuais e na infraestrutura de abastecimento.
Qual é a principal vantagem do SAF?
Como a estrutura química do SAF é igual à do querosene de aviação, ele também libera CO2 quando queimado. Analisando seu ciclo de vida, porém, gera uma emissão menor de gases de efeito estufa (GEE). Dependendo da rota tecnológica e da matéria-prima empregada, pode reduzir em até 80% as emissões de GEE.
Quais são as vias tecnológicas para a produção de SAF?
Oito rotas já foram homologadas pela Sociedade Americana de Testes e Materiais e aprovadas pela ANP. As principais são:
Hefa (Hydro-processing of Esteres and Fatty Acids): rota mais madura, foi certificada em 2011. A produção se dá pelo hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos. Utiliza como matérias-primas óleos vegetais (soja, palma, macaúba, babaçu, algodão, mamona, girassol, entre outros), óleo de cozinha usado e gordura animal, como sebo bovino. Demanda grande quantidade de hidrogênio no processo de produção.
ATJ (Alcohol-to-Jet): certificada em 2016, emprega amidos, açúcares e biomassa celulósica. O etanol de cana-de-açúcar ou de milho pode ser matéria-prima. Também há elevado consumo de hidrogênio.
FT (Fischer-Tropsch): Certificada em 2009, usa biomassa proveniente de resíduos urbanos e agrícolas e florestais (cana, eucalipto e outros). Durante o processo, a matéria-prima é gaseificada, transformada em monóxido de carbono e hidrogênio (gás de síntese), que depois é convertido no biocombustível.
Fonte: Fapesp