
Por Fabi Gennarini
Tensões entre Israel e Irã pressionam os preços globais de fertilizantes e elevam os custos da ureia no Brasil. Segundo Lucas Brunetti, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA, o aumento é reflexo da antecipação de compras e da interrupção temporária da produção no Egito.
Acordos entre China e Índia e a alta do enxofre, usado em fosfatados, aumentam o risco de um novo ciclo de alta nos insumos agrícolas.
Mundo Agro: De que forma o conflito entre Israel e Irã afetou diretamente o fornecimento e os preços da ureia no Brasil?
Lucas Brunetti: Esse ponto, diretamente, trouxe um aumento do estresse, da preocupação, e isso afetou os preços. Tivemos uma alta por causa das tensões, especificamente por conta do receio de uma disrupção no comércio ou na produção. Os mercados fizeram o chamado front running, ou seja, se anteciparam e compraram mais produtos. Com isso, o preço da ureia no mundo subiu — não só na região do Oriente Médio, mas globalmente, inclusive nos Estados Unidos e na Europa.
Esse é um impacto direto do conflito. Mas, em termos de produção, o que de fato foi afetado? Israel, preventivamente, fechou os campos de exploração de gás natural no mar Mediterrâneo. Esses campos produziam gás para consumo interno e também para exportação ao Egito.
O Egito, que importa esse gás natural para gerar energia elétrica e produzir ureia, viu o fornecimento cair. Como o país não tem muita produção própria de gás, depende das importações — e Israel é um dos principais fornecedores. Para garantir a geração de energia elétrica, o governo egípcio solicitou que as fábricas de ureia paralisassem suas operações, a fim de redirecionar o gás disponível para as usinas elétricas.
Aí, sim, tivemos um impacto direto na produção de ureia. Essa interrupção, aliás, não é inédita: já ocorreu outras vezes, com o fluxo de gás diminuindo e as autoridades priorizando a energia elétrica.
O Egito também exporta ureia para o Brasil, embora não seja um dos principais fornecedores. Seguimos recebendo produto de outros países, inclusive do Irã, que continuou exportando, já que o comércio internacional não foi interrompido.
Vale lembrar que a região do Oriente Médio responde por cerca de 40% a 45% do comércio internacional de ureia — países como Irã, Egito, Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos são grandes produtores, pois também são grandes produtores de gás natural e petróleo. Logo, há uma concentração importante nessa região, inclusive no fornecimento para o Brasil.
Portanto, apesar de não haver uma redução direta no volume de exportações para o Brasil, o conflito gerou uma pressão de preços, percebida aqui e no mundo todo.
Mundo Agro: A retomada da produção no Egito deve estabilizar os preços ou a demanda ainda pressiona?
Lucas Brunetti: A retomada da produção deve, sim, trazer algum alívio nos preços. A dúvida é quanto isso será suficiente, já que estamos em um cenário de demanda muito forte. Tanto o Brasil quanto a Índia estão importando bastante neste período do ano.
Temos certa dificuldade de enxergar um aumento efetivo na produção de ureia ou de amônia no curto prazo. O Brasil importa ureia diretamente, enquanto outros países importam mais amônia para converter em ureia localmente.
Apesar do preço do gás natural — principal insumo da produção de ureia — estar em queda, os preços da ureia ainda não cederam. Acreditamos que devam cair, sim, com a recuperação da produção e a queda do custo do gás, mas como a demanda está muito forte e a região produtora é relativamente concentrada, o cenário ainda é incerto.
Mundo Agro: Como os acordos entre China e Índia estão influenciando o mercado global de potássio?
Lucas Brunetti: Tivemos um grande acordo envolvendo a China e a Índia, com um contrato de longo prazo para fornecimento de um volume expressivo de potássio. O Brasil, porém, não é um grande importador de potássio da China. Nossa principal origem são a Rússia, Bielorrússia e Canadá.
Mas a Índia é, sim, um grande importador de fertilizantes — assim como o Brasil. Há até uma semelhança: ambos os países têm uma demanda alta e são altamente dependentes de importações. Mesmo a ureia produzida internamente na Índia depende de amônia importada. Ou seja, importam insumo para produzir ureia.
Esse acordo com a China é importante, mas não afeta diretamente o Brasil. No entanto, o fechamento de um contrato desse porte pressiona o mercado global, que já vinha em tendência de alta. Então, na margem, somos um pouco mais otimistas para preços, embora o impacto direto sobre o Brasil seja limitado.
Mundo Agro: O que está por trás da elevação no preço do ácido fosfórico, e como isso afeta o produtor rural brasileiro?
Lucas Brunetti: Estamos vendo uma alta significativa no preço do ácido fosfórico. Isso está diretamente ligado à elevação no preço do enxofre e seus derivados. O enxofre é insumo essencial na produção do ácido fosfórico, que, por sua vez, é fundamental para fabricar fertilizantes fosfatados.
A cadeia derivada do enxofre está inflacionada. Este ano, o preço internacional do enxofre subiu bastante. Era um insumo que vinha estável, que ninguém prestava muita atenção, mas que passou a ter peso. Essa alta no enxofre impacta o ácido fosfórico, encarece a produção do fertilizante DAP e, por consequência, afeta o preço dos fosfatados como DAP e MAP.
É um insumo que normalmente não olhamos diretamente, mas que tem grande influência na cadeia. E isso, sim, impacta o produtor rural brasileiro, ainda que de forma indireta.
Mundo Agro: O Brasil está preparado para enfrentar um novo ciclo de alta nos insumos agrícolas?
Lucas Brunetti: Na verdade, já estamos vivendo um ciclo de alta nos insumos. Os preços dos fertilizantes estão abaixo do pico de 2022 — no início da guerra entre Rússia e Ucrânia —, mas, em compensação, o preço das commodities agrícolas, principalmente os grãos, também caiu bastante.
Com isso, a relação de troca (quantas sacas de soja ou milho são necessárias para comprar fertilizantes) está em níveis semelhantes aos de 2022. Se houver uma nova alta dos insumos, essa relação pode se deteriorar ainda mais.
O produtor vai precisar de mais sacas de soja ou milho para comprar a mesma quantidade de fertilizante. Isso aperta a margem, que já está reduzida. Se os preços continuarem subindo, os produtores podem optar por pacotes tecnológicos menores — o que significa menos aplicação de insumos e, possivelmente, menor produtividade.
Esse cenário é mais arriscado. Um pacote tecnológico menor depende muito do clima, de menor incidência de pragas e de sorte. Já um pacote mais robusto protege melhor contra adversidades.
O problema é que, com margens apertadas e pouco capital disponível (diferente dos anos mais capitalizados pós-pandemia), o produtor pode não conseguir investir em tecnologia como antes.
Se enfrentarmos um novo ciclo de alta de insumos, a situação tende a piorar, especialmente se o clima não colaborar. Tivemos uma safra recorde de soja e, possivelmente, de milho safrinha em 2025 — o que deu algum alívio. Mas não sabemos se isso vai se repetir.
Portanto, sim, é preocupante. O produtor vem de dois anos difíceis, e, se os custos subirem novamente, entramos numa fase de “vacas magras” mais duradoura.
Fonte: R7