Filipi Cardoso (StoneX): “Avanço do etanol de milho altera a dinâmica das sucroenergéticas”

Filipi Cardoso

Por Gabrielle Rumor Koster

O etanol de milho está em franco crescimento no setor brasileiro de combustíveis. Tendo começado sua história em Mato Grosso, o produto já se expande para os estados vizinhos do Centro-Oeste, e também para o Sul e o Sudeste.

Só em julho deste ano, a Inpasa anunciou que irá investir R$ 5 bilhões em duas novas usinas de etanol de milho, bem como na expansão das plantas já existentes. Já a ALD Bioenergia Deciolândia divulgou que vai aportar US$ 175 milhões (cerca de R$ 900 milhões) para triplicar sua produção.

Conforme o diretor da Czarnikow no Brasil, Tiago Medeiros, a produção do biocombustível vindo do grão poderá mais que dobrar em cinco anos, para cerca de 14 bilhões de litros, com a demanda crescente por açúcar incentivando as usinas de cana a desviarem mais matéria-prima para fazer o adoçante.

Para falar deste produto em evolução, suas vantagens e os desafios no mercado nacional, o especialista de inteligência de mercado da Stonex, Filipi Cardoso, está entre os palestrantes confirmados da Conferência NovaCana 2024. O evento acontece nos dias 9 e 10 de setembro, em São Paulo (SP).

Cardoso é formado em engenharia ambiental e sanitária pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem mestrados em engenharia, biocombustíveis, bioenergia e biotecnologia pela mesma universidade.

Em sua palestra, “A evolução do etanol de milho”, ele trará temas como: projeções do mercado de etanol a partir do grão, a ampliação do mercado de grãos secos de destilaria (DDG), usinas que aliam a produção da cana e do milho, novos investimentos, e muito mais.

A programação completa da Conferência NovaCana já está disponível. Você pode se inscrever clicando aqui.

Filipi Cardoso conversou com o NovaCana e trouxe algumas visões sobre os temas relacionados ao etanol de milho, seu mercado e seus diferenciais, além de vantagens e desvantagens do produto. A seguir, confira a entrevista completa.

Muitas sucroenergéticas, como Cerradinho e São Martinho, vem investindo nas usinas de etanol de milho. Além disso, empresas como Inpasa e FS, com processamento apenas de milho, também estão crescendo. Qual é a perspectiva da StoneX quanto a essa evolução? Usinas de cana que não investem no milho podem sair perdendo?

O avanço da produção de etanol de milho tem alterado a dinâmica do setor sucroenergético. Há alguns anos, a sazonalidade da safra de cana-de-açúcar e a dinâmica entre os produtos da cana eram determinantes para as variações nos preços do etanol. No entanto, com o fornecimento contínuo e crescente do biocombustível produzido a partir do grão, que mantém o mercado abastecido nos meses de entressafra das usinas de cana do Centro-Sul, a precificação começa a apresentar uma nova dinâmica. Apesar do otimismo do setor com o mercado de etanol, devido às perspectivas de aumento na mistura de anidro na gasolina e ao potencial uso de etanol como matéria-prima para biocombustíveis avançados, as oportunidades para as usinas de cana-de-açúcar não se limitam apenas ao mercado de etanol. O aumento na oferta de etanol de milho permite que as usinas de cana direcionem um maior volume de biomassa para a produção de açúcar. O mercado dessa commodity segue valorizado internacionalmente, e, dadas as perspectivas para outros importantes produtores, como a Índia, o Brasil pode aproveitar essas oportunidades. Além disso, as usinas sucroenergéticas já estão explorando outros biocombustíveis, como o biogás.

Quais são as mudanças no mercado que vem ocorrendo por conta da expansão do etanol de milho?

Desde o final de 2022, percebemos um aumento nos investimentos em capacidade de cristalização. É um crescimento de 1,5 milhão de toneladas por safra, especialmente por conta do etanol de milho. Principalmente na região Centro-Oeste, vemos destilarias que antes só faziam etanol a partir da cana, fazendo fábricas de açúcar, justamente por causa dessa migração.

O açúcar está mais rentável faz um tempo e a perspectiva é que o preço não deva cair, pelo menos no médio ou longo prazos, com a situação da Índia e de outros players. Vemos o setor de cana migrando, só que essa migração só é possível por causa do crescimento do etanol de milho. Temos algumas usinas de cana que devem continuar passando por desafios, principalmente pela questão de custo; o etanol de milho acaba trazendo competitividade e colocando o preço um pouco mais baixo. Além disso, o preço do etanol sofre muita influência da política no país, então, o valor da gasolina ainda é um determinante. Mas vemos que, principalmente para exportação, o etanol de cana acaba sendo mais valorizado em programas de SAF europeus, então o biocombustível de milho deve preencher domesticamente este espaço e as usinas acabam tendo oportunidades de outras formas.

As usinas flex tem a vantagem de contar com a biomassa de cana, sem necessidade de buscar outros produtos para queima. Quais outras sinergias são favoráveis e como as usinas podem se beneficiar disso?

O uso da biomassa do bagaço como fonte de energia elétrica é uma das principais vantagens para uma usina flex, mas não é a única. Outro aspecto significativo é a capacidade da usina de continuar oferecendo biocombustível durante os períodos de entressafra da cana-de-açúcar. Como o milho pode ser estocado, a usina pode adquiri-lo no momento mais vantajoso em termos de preço, armazená-lo e processá-lo quando o período de processamento da cana termina, utilizando assim o bagaço produzido durante os meses de moagem da cana como combustível para a geração de energia elétrica. Além disso, o processamento do milho gera coprodutos, DG [grãos de destilaria] e o óleo de milho, que se tornam uma nova fonte de receita para a usina.

Quais outras biomassas as usinas de milho vêm procurando para a queima nas caldeiras? Elas são vantajosas?

A produção de etanol de milho depende de um input energético externo. Atualmente, utiliza-se biomassa resultante da produção florestal, majoritariamente eucalipto e pinus. Existem outras possibilidades sendo exploradas pelo setor, como o uso do bagaço da cana-de-açúcar – no entanto, seu fornecimento é inconstante ao longo do ano, tornando-se um risco para a produção de etanol de milho. Além disso, também é possível notar o uso de bambu, resíduos do setor moveleiro, casca de arroz e resíduos de açaí.

Em geral, apenas o milho safrinha é usado na produção de etanol, reduzindo a pegada de carbono e saindo da discussão “food versus fuel”. Quais outros fatores promovem esta redução?

Isso. O milho safrinha é produzido em rotação com a soja. Por ser plantado na mesma área, o cultivo da segunda safra do grão não ocupa um espaço que poderia ser utilizado para o cultivo de produtos destinados à alimentação humana. Além disso, as áreas de milho reaproveitam o manejo do solo, reduzindo o consumo de insumos agroindustriais e a exploração de novas áreas, diminuindo possíveis desmatamentos. Dois fatores adicionais são relevantes para reduzir as emissões do etanol de milho de segunda safra. Primeiro, o processo de fabricação resulta nos coprodutos para alimentação animal, ricos em nutrientes, denominados DGs, que reduzem a demanda por milho e soja para ração e disponibilizam insumos para a intensificação da pecuária. Segundo, o excedente de bioeletricidade gerado pela usina, por meio do uso de biomassa, é revertido para a rede elétrica, reduzindo a demanda por outras fontes de energia.

Pode faltar matéria-prima, considerando a constante evolução produtiva das usinas brasileiras de etanol de milho?

O desempenho das safras de milho, assim como o das demais commodities agrícolas, é fortemente dependente das condições climáticas. Dessa forma, pode haver safras com uma oferta um pouco mais apertada, mas ainda assim haverá volume suficiente para o abastecimento doméstico. Além disso, não podemos subestimar a capacidade de crescimento do milho no Brasil. As estimativas da StoneX apontam para uma produção de 121,2 milhões de toneladas na safra 2023/24 – um crescimento de 21% em comparação com o volume de cinco anos atrás e de 52,5% ante dez anos atrás. Esses números evidenciam a evolução do setor, que mantém perspectivas positivas para médio e longo prazos.

Como você mencionou, o DDG é um coproduto relevante para diluição dos custos e aumento da margem, mas também é algo novo no mercado nacional. Há dificuldades para ele entrar no segmento de proteínas animais?

Apesar do crescimento significativo na produção de etanol de milho e na oferta de grãos de destilaria nos últimos anos, o mercado de DGs no Brasil ainda está se estruturando. Eles são usados como alternativa ao farelo de soja, que é uma das principais fontes proteicas nas rações. Mas, como sua oferta é bem inferior à de farelo, ainda não é possível vermos mudanças significativas no mercado de insumos para ração e sua precificação ainda é baseada na soja. Os DGs têm potencial na alimentação animal, com frangos de corte absorvendo grande parte da demanda devido ao tamanho do rebanho e à aceitação pelas empresas de ovos, por conta da coloração atrativa. Bovinos aceitam bem os DGs devido à concentração de fibras, mas a demanda é limitada pela predominância da pecuária extensiva. No entanto, o confinamento bovino está crescendo. Em suínos, os DGs podem ser incluídos em até 15% da dieta, devido à elevada digestibilidade.

Também há um crescimento da exportação do DDG. Como você visualiza este mercado?

As exportações são recentes no mercado brasileiro, pois, se comparados com o consumo doméstico, os embarques ainda são pouco relevantes. Nos últimos dois anos, com o aumento da oferta, os despachos passaram a crescer gradativamente, um cenário que deve se manter nos próximos anos; porém o consumo doméstico deve permanecer com uma maior participação. Tanto no mercado interno quanto na exportação, os DGs têm um potencial grande de crescer. Apesar de não termos uma destinação tão forte para o gado pela forma que ele é criado no Brasil, mais solto, temos uma perspectiva grande de incremento dos DGs na ração animal para frango e porco. Os Estados Unidos são um potencial destino para o DG brasileiro, conforme a produção de etanol de milho cresce. Segundo análise da StoneX, no acumulado de 2024, 35% do DG brasileiro foi exportado para o Vietnã; 19,1% para a Turquia; 17,9% para a Nova Zelândia; 15,3% para a Indonésia; 9,3% para a Espanha; e 3,4% para outros destinos.

O custo de produção do etanol de milho tende a ser mais baixo do que o de cana, melhorando as margens para o produto. Este cenário deve continuar? O etanol de milho deve ganhar ainda mais espaço no Brasil?

No que diz respeito ao custo de produção, a comparação varia bastante conforme a região das usinas e a tecnologia empregada. Analisando o processo produtivo, o custo industrial do etanol de milho tende a ser mais elevado, pois exige uma etapa adicional de sacarificação – processo de conversão do amido em açúcares, etapa desnecessária no processamento da cana, uma vez que a sacarose já está disponível na biomassa. No entanto, em algumas regiões, o etanol de milho se torna mais competitivo do que a produção de biocombustível a partir da cana. Além disso, a principal vantagem do cereal reside na diluição dos custos com os coprodutos, como DG, podendo ser seco ou úmido e óleo, que são utilizados na dieta animal e estão ganhando espaço tanto no mercado interno quanto nas exportações brasileiras, promovendo, assim, um aumento na rentabilidade do negócio.

Qual é a sua visão para o mercado de óleo de milho?

Ele é pouco explorado, pois o de destilaria não pode ser destinado ao consumo humano; tem uma restrição grande. Ele é destinado a outros biocombustíveis, como o biodiesel, ou até para ração animal, mas também é pouco explorado pelo baixo rendimento. Existe um custo de operação maior para obtenção do óleo, não é um processo muito bem fundamentado. Por isso não temos perspectiva de mercado, se isso vai evoluir ou não. Hoje em dia, é mais destinado para a ração animal, junto dos DGs.

Mesmo com a baixa no preço do etanol, o biocombustível vindo do milho segue em alta. Há perspectiva de os valores subirem? O que mais estimula a evolução do produto vindo do grão?

A precificação do etanol está diretamente relacionada com a dinâmica entre oferta e demanda, sendo esta última influenciada pela paridade energética entre a gasolina e o etanol hidratado. Desde 2022, o etanol hidratado tem enfrentado pressões devido às conjunturas do mercado. Naquela época, o biocombustível foi prejudicado pela isenção de impostos, fator que favoreceu a competitividade da gasolina. Em 2023, a elevada oferta, resultante do recorde de processamento de cana-de-açúcar no Centro-Sul, continuou pressionando os preços. No entanto, desde meados de 2023, com a relação entre os preços da gasolina e do etanol abaixo de 70% nos principais estados consumidores, a demanda pelo biocombustível começou a crescer e, ao longo da safra 2024/25, o mercado já observa o etanol retornando a patamares mais confortáveis de precificação. Contudo, o setor ainda é muito influenciado pelas movimentações políticas no mercado de combustíveis, uma vez que reduções no preço da gasolina tendem a pressionar as negociações do etanol.

O etanol de milho também pode ser matéria-prima para o combustível sustentável de aviação (SAF). Quais desafios você enxerga para a evolução destes projetos? Os custos elevados de produção são um impasse?

Quando se pensa no mercado de biocombustíveis avançados, como o SAF, é possível identificar o potencial brasileiro nesse segmento, não só como um possível produtor, mas principalmente como fornecedor de matéria-prima, em especial o etanol. As usinas brasileiras, sejam de etanol de milho ou de cana, conseguem se destacar em relação às unidades dos Estados Unidos no quesito emissões, pois as empresas dos EUA usam gás natural como fonte de energia para suas indústrias. Dessa forma, o Brasil apresenta um processo mais limpo, uma vez que o milho utilizado não compete com culturas alimentícias e o uso de biomassa para geração de energia elétrica aumenta a sustentabilidade do setor. Assim, no curto prazo, o setor já observa fortes investimentos das usinas em ampliar o seu fornecimento de etanol para os mercados produtores. Exemplos disso são as unidades buscando certificações e os investimentos em etanol de segunda geração. Dessa forma, o Brasil deve se posicionar como protagonista no fornecimento do renovável para o mercado global.

Como as usinas trabalham com as flutuações no preço do milho?

A matéria-prima é o principal custo das usinas de etanol de milho e a estratégia de hedge é uma vantagem em relação a cana. É possível armazenar essa matéria-prima e, eventualmente, se o milho acabar subindo muito no mercado internacional e o etanol estiver desvantajoso, tem como vender o milho novamente no mercado. Portanto, a matéria-prima acaba tirando os riscos existentes com a aquisição. Os grandes grupos têm um planejamento de até dois anos de compra de matéria-prima, o que acaba dando uma flexibilidade e conforto maiores. Além disso, comparando com o etanol de cana, a produção de DG e óleo de milho é fonte de receita para a usina, enquanto na parte de cana, se a usina é só uma destilaria, o único produto que ela tem é o etanol. Até tem o excesso de energia elétrica com o bagaço, mas isso acaba não sendo tão representativo como aos coprodutos do milho.

Como a localização impacta nesse sentido?

Vemos que as empresas acabam se complementando pela localização. Não devemos ter um crescimento do etanol de milho muito expressivo em São Paulo, que é onde ficam as usinas de cana, majoritariamente, e vemos um crescimento indo para o Nordeste, que é onde precisa de uma oferta maior, para crescer o consumo de etanol, principalmente de hidratado. Apesar de ser o mesmo produto e ter a competição no preço e custo, onde as plantas estão se localizando no país será uma forma complementar no setor. Minha perspectiva é que temos combustíveis avançados que vão usar etanol como matéria-prima, então, precisamos aumentar essa oferta para fazer isso. No longo prazo, o mercado vai se equilibrando e eles vão se complementando de forma que as duas usinas vão ter uma participação bem legal na matriz energética.

Quais são as suas expectativas gerais para o etanol?

As perspectivas para o mercado de etanol permanecem otimistas, tanto no Brasil quanto no mundo. O uso do biocombustível deve ganhar cada vez mais espaço na matriz energética global, colocando o Brasil como um player-chave nesse desenvolvimento. Dessa forma, é importante entender que as usinas de cana e de milho não são concorrentes, mas sim complementares, uma vez que o avanço do etanol de milho permite ao Brasil aproveitar também as oportunidades no mercado de açúcar, que apresenta um cenário igualmente positivo para o país.

Fonte: NovaCana