A decisão do governo indiano, de avançar para uma mistura de 20% de etanol na gasolina vendida no país até 2026, pode criar oportunidades para o Brasil na produção adicional de açúcar e na exportação de etanol brasileiro para a Índia. Maior produtor e exportador de açúcar no mundo, a produção brasileira seria mais demandada mundialmente com a redução da oferta de açúcar do segundo maior produtor, a Índia, já que o país teria que direcionar parcela maior de cana para aumentar a produção de etanol e garantir a mistura definida pelo governo.
A produção doméstica de etanol na Índia não teria como avançar com a rapidez necessária para atender a mistura de 20%, o que abriria a possibilidade de crescimento na exportação de etanol brasileiro, até que a produção indiana cresça. Essas avaliações resultaram de uma troca de experiências na última sexta-feira (06/12) entre diretores da Usina Rio Verde (GO), Cássio e Humberto Bellintani Iplinsky – Cássio acaba de regressar de uma viagem à Índia, e o CEO da SCA Brasil, Martinho Seiiti Ono, que visitou o país em fevereiro deste ano.
“Eles cultivam a cana-de-açúcar como uma horta, em propriedades de meio hectare em média. Plantam couve e até crisântemos no meio da plantação de cana”, conta Cassio Bellintani Iplinsky, explicando a baixa tecnologia que presenciou no campo. “O agricultor corta a cana, amarra em um feiche e leva até a usina em um carro de boi. Imagine 500 carros de boi na porta da usina entregando cana. Foi o que vimos por lá”.
Lembrando sua própria experiência visitando a Índia, Ono citou o contraste entre o campo e a tecnologia em uso nas usinas. “No âmbito industrial, pode haver muita troca de tecnologias e processos, mas na área agrícola o Brasil está anos-luz à frente”, sintetisa. Nesse contexto, Cássio Bellintani Iplinsky citou que ao contrário das usinas brasileiras, as indianas utilizam um método de decantação para recuperar fermento resultando em adubo rico em nutrientes e citou o uso de biogás e calor residual, práticas menos comuns no Brasil, mesmo com as perspectivas de crescimento do biogás.
“Com essa demanda para o etanol, a Índia quer saber mais sobre a tecnologia do Brasil em relação ao etanol de caldo”, explica Cássio. Vale lembrar que até pouco tempo, o governo indiano não permitia a produção de etanol a partir do caldo de cana, que deveria ser usado exclusivamente para produzir açúcar. “O modelo agrícola indiano se assemelha ao de alguns países europeus com pequenas propriedades familiares, só que sem tecnologia. Se a Índia conseguir eficiência nesse modelo nos padrões europeus ou chineses, é possível que atinja suas metas para etanol no futuro, mas demora um pouco”, complementou Humberto, sem arriscar um prazo.
Para Martinho Ono, o quadro aponta para um mercado internacional de açúcar sem participação da Índia, consolidando a liderança do Brasil. “O consumo de açúcar no mundo cresce cerca de dois milhões de toneladas por ano, com 40% desse crescimento na própria Índia. A população jovem está saindo das áreas agrícolas em direção às urbanas, ampliando o consumo de produtos que usam o açúcar”, explica, comentando que qualquer desvio pelo governo indiano da produção de grãos para alimentar a população para a produção de energia é altamente improvável.
Na troca de impressões sobre a Índia, tanto Ono quanto os irmãos Bellintani Iplinsky constataram que a conjuntura indiana apresenta enormes desafios para aumentar a produção de etanol. Equacionar a pouca disponibilidade de terras agricultáveis e investimentos em infraestrutura de produção agrícola e industrial são alguns dos principais obstáculos. Mantido o compromisso do governo indiano com a mistura de 20% de etanol na gasolina, cresce a perspectiva de exportação de etanol brasileiro para a Índia, concluiu Ono.
Peculiaridades e Conjuntura
Entre os aspectos socioeconômicos e geográficos observados pelos irmãos Bellintani Iplinsky, chama atenção a área da Índia, que equivale a 38% do território brasileiro mas com densidade populacional sete vezes maior. O foco principal de atividade do agro visa a segurança alimentar de sua vasta população, superior a 1 bilhão e 400 milhões.
Tanto quanto os governos de Índia e Brasil, o principal interesse dos executivos nessas viagens é o intercâmbio. No dia seguinte ao diálogo entre os executivos da Usina Rio Verde e o CEO da SCA Brasil, uma comitiva comercial da Índia chegava ao país a convite da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), já que o país é um importante parceiro comercial do Brasil, com produtos agrícolas e de tecnologia.
Em 2023, segundo dados da APEX, as exportações brasileiras para a Índia alcançaram US$ 4,7 bilhões, com destaque para as vendas de gorduras e óleos vegetais, açúcares e melaços e óleos brutos. O fluxo comercial entre os países atingiu US$15,2 bilhões em 2022, um recorde, com crescimento de 31,4% em relação a 2021. A matriz energética indiana depende fortemente do carvão, responsável por quase 60% da capacidade de geração elétrica do país. A Índia tem grandes reservas de carvão, e a infraestrutura para geração de energia térmica baseada nesta fonte é bem estabelecida, matriz energética antagônica à sustentabilidade que a Índia busca com o aumento da mistura de etanol na gasolina.