Por Nayara Machado
A aprovação do projeto de lei do Combustível do Futuro, que estabelece um marco legal para o uso de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês) no Brasil, é o ponto mais importante para viabilizar a produção em larga escala e a preços competitivos, afirma a presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro.
“É ele que vai viabilizar um ambiente regulatório, um ambiente jurídico de segurança para que a gente tenha investimento e chegue a uma produção volumétrica suficiente para atender as metas setoriais”, explicou em entrevista à agência EPBR.
De autoria do governo federal, o PL 4.516/2023 tramita em regime de urgência na Câmara e pode ser votado na próxima semana, como parte da pauta verde do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O relator, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), apresentou seu parecer no início desta semana, com alterações nos artigos que tratam de mandatos de biodiesel, etanol e diesel verde, além de criar um programa para o biometano e definir novas obrigações para estocagem de carbono.
A diversidade dos temas desviou a atenção dos combustíveis sustentáveis de aviação, cuja matéria está mais consensuada.
Na parte do SAF, a proposta segue a mesma: os operadores aéreos deverão reduzir as emissões de CO2 em 1%, no mínimo, a partir de 1º de janeiro de 2027, em voos domésticos, usando SAF misturado ao querosene fóssil.
Meta setorial
A aviação civil internacional responde por algo entre 2% e 3% dos gases de efeito estufa na atmosfera e tem um acordo setorial para descarbonizar suas operações – o Corsia, do qual o Brasil é signatário.
Pelo acordo, a partir de 2027, as emissões internacionais de operadores brasileiros, acima dos níveis observados na média entre 2019 e 2020, deverão ser compensadas com a aquisição de créditos de carbono ou por meio do uso de combustíveis sustentáveis.
“Como já temos uma meta estabelecida, precisamos encontrar os mecanismos para o cumprimento delas. E um desses mecanismos, que a gente chama de longo prazo, é o uso do combustível sustentável”, explica a presidente da Abear.
Texto possível
Para Monteiro, a proposta do Combustível do Futuro para a aviação é “equilibrada”, na medida em que dá um primeiro passo para um ambiente jurídico seguro.
“Ele é um texto ideal? Eu diria para você que ele é um texto possível, porque foi fruto de um debate muito extenso. Todo o setor participou, não só as empresas aéreas, mas os distribuidores, os produtores, as fabricantes de aeronaves, para que se construísse um texto equilibrado”, afirma.
Na visão da executiva, em um texto ideal, não seria necessário colocar metas, porque o setor já determinou o seu compromisso. Mas considera um avanço a opção por um mandato de redução de emissões ao invés de volume de SAF, como ocorre no mercado de biodiesel e etanol.
“A meta de redução de emissões dialoga com as métricas do Corsia. Então, estamos evoluindo em um ambiente jurídico e regulatório alinhado às práticas internacionais e possíveis para as companhias aéreas”, explica.
Ela ainda observa que é preciso ter um olhar atento durante as discussões que acompanham a votação do PL, para evitar mudanças de última hora que prejudiquem o texto.
Custo competitivo
Segundo Monteiro, o principal objetivo do setor é “continuar crescendo e democratizando o transporte aéreo no Brasil”, que hoje atende cerca de 115 milhões de passageiros.
“Para a aviação crescer, a gente vai consumir mais combustível e ele não pode ser inviável do ponto de vista do custo. Esse equilíbrio entre continuar com o nosso grande desafio de crescimento do transporte aéreo e ter um custo operacional viável no Brasil é o que vai ser calibrado nas discussões da regulamentação desse programa [em uma segunda fase]”, afirma.
Hoje, o preço do combustível de aviação responde por mais de 20% do custo da viagem aérea e é um tema que também está em discussão no governo federal, que busca reduzir os valores das passagens.
Como o SAF ainda não ganhou escala, e depende de insumos mais caros, como hidrogênio verde, ele chega a ser duas a quatro vezes mais caro que o querosene fóssil. Por isso, uma das preocupações é viabilizar um combustível sustentável competitivo.
A presidente da Abear reconhece que, em um primeiro momento, é natural que o SAF tenha um preço um pouco maior que o derivado de petróleo, mas acredita que o Brasil tem capacidade para baratear o produto.
“Talvez o processo de introdução do SAF no Brasil tenha inicialmente um custo equivalente ao que a gente tem hoje, um ponto acima, mas ele tem que, com o tempo, se aproximar ou até mesmo chegar a percentuais menores do que o QAV, para a aviação continuar sendo viável”, coloca.
A visão é que o Brasil tem potencial de suprir a demanda doméstica e exportar, mas precisa garantir um volume e um custo competitivo para o consumidor doméstico.
Questão de “timing”
Da decisão de investimento em uma biorrefinaria para produzir SAF e diesel verde até o início do fornecimento, são cerca de cinco anos.
A Petrobras, por exemplo, estima que os dois projetos mais avançados de biorrefino poderão atender até 30% da demanda brasileira pelo querosene de aviação tradicional, mas o produto só deve começar a ser vendido depois de 2028.
“[O Combustível do Futuro] é um texto que precisa ser aprovado rapidamente para dar as condições de se criarem os incentivos de produção. O SAF não é o único caminho, mas é o caminho mais representativo. Ele contribui com 65% do programa de descarbonização no longo prazo. Para chegarmos a isso, a uma produção em volume suficiente, temos que correr contra o tempo”, afirma Monteiro.
Fonte: EPBR