Descumprimento no RenovaBio: crime, concorrência desleal e insegurança jurídica

Ao instituir o RenovaBio por meio da Lei 13.576/2017, o legislador buscou criar um mercado de créditos fundamentado em metas individuais de descarbonização de cumprimento obrigatório pelas distribuidoras de combustíveis. Segundo esse programa, cada distribuidora de combustíveis assume obrigação legal de adquirir créditos de descarbonização (CBIOs) correspondentes à sua participação no mercado de combustíveis fósseis.

Entretanto, o RenovaBio vem sendo alvo constante de ataques. Temos assistido a uma verdadeira enxurrada de ações judiciais movidas pelas distribuidoras inadimplentes contra a ANP e a União, por meio das quais obtiveram decisões liminares que flexibilizaram o cumprimento das obrigações e/ou suspenderam a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento do programa.

Estamos diante de um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade, qual seja, ver a inadimplência ser tratada como debate econômico, acreditando-se ingenuamente no argumento das distribuidoras inadimplentes de que “não conseguiu cumprir a meta” porque “o mercado de CBIOs é volátil” ou porque haveria “insuficiência de créditos para serem adquiridos”.

A incapacidade ou muitas vezes a deliberada recusa de algumas distribuidoras em cumprir suas obrigações regulatórias, incluindo metas de descarbonização estabelecidas no RenovaBio, não pode ser analisada como uma dificuldade econômica momentânea. Trata-se, na maioria dos casos, de estrutura empresarial operada por organizações criminosas com o intuito de ocultar ilícitos tributários, lavar dinheiro, corroer a concorrência e cometer fraudes regulatórias.

Sob a perspectiva penal, tais condutas podem caracterizar organização criminosa, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal qualificada.

Do ponto de vista do direito penal ambiental, o não atendimento às metas individuais pelas distribuidoras de combustíveis fósseis enquadra-se como crime ambiental passível de sanção de acordo com a Lei 15.082/2024 e com o artigo 68 da Lei 9.605/1998, por deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental.

Sob o aspecto concorrencial, a conduta das distribuidoras inadimplentes infringe o princípio da isonomia e afeta severamente o mercado como mencionado acima, pois além de desestimular o cumprimento do programa, gera uma distorção de preços dos combustíveis, já que as inadimplentes conseguem repassar custos menores e, assim, ofertar produtos com preços menores.

Com efeito, nos últimos anos, uma série de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público demonstrou que o setor de combustíveis é historicamente vulnerável à infiltração de grupos criminosos e a forma de operação é conhecida pela criação sucessiva de distribuidoras formalmente regulares, porém economicamente inviáveis. A Operação Carbono Oculto, por exemplo, escancarou a utilização de empresas do setor para simulação de operações e ocultação de valores multimilionários sob o discurso da “complexidade regulatória”.

É nesse contexto que a inadimplência com o RenovaBio deve ser analisada. O programa, ao exigir comprovação anual de metas de descarbonização, introduziu um marco de rastreabilidade e responsabilidade econômica que distingue empresas regulares de estruturas criminosas. O agente que opera com finalidade espúria e que historicamente se vale de distribuidoras “de passagem”, sem lastro financeiro, simplesmente deixa de cumprir a meta, acumula dívidas regulatórias, não recolhe tributos ou faz de modo irregular e desaparece antes das cobranças administrativas ou judiciais.

A resposta adequada da sociedade e do Judiciário não é anistia e nem adiamento do cumprimento de obrigações. A resposta correta e única compatível com a Constituição Federal, com a integridade regulatória e com o dever do Estado de proteger o interesse público, é dar às inadimplentes tratamento criminal com a realização de investigação profunda e aplicação rigorosa das sanções administrativas e penais cabíveis.

Ver o Judiciário dando guarida aos inadimplentes contumazes, por meio da flexibilização de metas, prazos e sanções tem significado premiar o crime organizado.

O RenovaBio é uma política pública séria, moderna e tecnicamente sólida e permitir que seja sequestrada por estruturas criminosas travestidas de distribuidoras é um crime contra o setor energético e contra o próprio Estado brasileiro.

Por Alberto Zacharias Toron

Fonte: JOTA