Motta trava projeto que combate crime organizado e deputados apontam para influência de Ciro

Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), mantém parado há mais de um mês o projeto de lei que pune o chamado devedor contumaz — empresas que reiteradamente deixam de pagar impostos como parte do próprio modelo de negócio. Desde que o texto chegou da aprovação no Senado, não houve qualquer movimentação para que seja pautado ou discutido, apesar da pressão de técnicos da Receita Federal e do Ministério da Fazenda.

A proposta é considerada essencial para combater esquemas de sonegação e concorrência desleal no setor de combustíveis, desvendados pela Operação Carbono Oculto. O texto cria mecanismos para enquadrar empresas que transformam a inadimplência em vantagem competitiva, prevendo desde regimes especiais de fiscalização até o cancelamento da inscrição e interdição das atividades.

Nos bastidores, parlamentares afirmam que o engavetamento atende a interesses de grupos econômicos poderosos, entre eles a Refit (antiga Refinaria de Manguinhos), controlada por Ricardo Magro. A empresa é considerada a maior devedora de ICMS do país, com dívidas bilionárias em São Paulo e no Rio de Janeiro, e é citada em investigações por condutas típicas de devedor contumaz. A Refit foi alvo da Operação Carbono Oculto e chegou a ser interditada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em um dos desdobramentos da investigação.

A relação entre Hugo Motta e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil e líder do Centrão, ajuda a explicar o controle político sobre a tramitação. Ciro e Motta são próximos e mantêm diálogo frequente sobre as pautas estratégicas da Câmara. Nos bastidores, Ciro atua como conselheiro informal de Motta e do presidente anterior da Casa, Arthur Lira (PP-AL), influenciando decisões de impacto econômico e político. Nogueira foi um dos principais articuladores da eleição de Motta para a presidência da Câmara no início do ano.

Em entrevista à Folha de S.Paulo no mês passado, Ricardo Magro reconheceu publicamente sua proximidade com Ciro Nogueira: “Ele é um amigo que eu tenho fora da política. Claro que a gente fala de política, claro que eu me aconselho com ele, mas não temos uma relação promíscua desse tipo.”

O projeto aprovado no Senado após as revelações da Carbono Oculto é apontado por especialistas da Receita e do Ministério da Fazenda como o instrumento mais robusto já proposto para coibir empresas que lucram com a inadimplência sistemática. Caso seja aprovado, atingirá diretamente distribuidoras e refinarias com passivos fiscais desproporcionais ao patrimônio e que, em muitos casos, servem de base para esquemas do crime organizado — entre elas, a própria Refit.

O alerta do Instituto Combustível Legal

No início da semana, o Instituto Combustível Legal fez um alerta apontando que a demora na aprovação do projeto do devedor contumaz e da monofasia da nafta mantém brechas que favorecem a sonegação e a concorrência desleal no setor de combustíveis. 

Segundo a entidade, o impasse legislativo causa perdas bilionárias anuais aos cofres públicos e enfraquece o combate ao crime organizado, que utiliza o segmento para lavagem de dinheiro.

Enquanto isso, o texto segue travado sob comando de Hugo Motta, sem previsão de análise ou votação. Fontes do governo afirmam que o Centrão tenta evitar o avanço de medidas que atinjam grupos econômicos próximos de suas lideranças, e que o projeto dificilmente sairá do papel enquanto persistir essa resistência política na Câmara.

Por Cleber Lourenço

Fonte: ICL Notícias