Nova era do biodiesel no Brasil impõe desafios industriais e logísticos à cadeia da soja

Lavoura de soja — Foto: Wenderson Araújo/CNA

O Brasil deu um passo estratégico em direção a uma matriz energética mais limpa e sustentável com a sanção da Lei do Combustível do Futuro. A legislação estabelece metas ambiciosas para a inclusão de biocombustíveis no consumo nacional, com destaque para o aumento gradual da mistura obrigatória de biodiesel ao diesel fóssil, que deve atingir 20% (B20) até 2030. Embora a medida represente um avanço ambiental e econômico, ela impõe ao setor produtivo brasileiro, especialmente à cadeia da soja, um desafio sem precedentes de escala, investimento e infraestrutura.

Desde o dia 1º de agosto, o Brasil opera com a mistura B15, resultado de estudos técnicos, avaliações logísticas e da aprovação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). A decisão marca mais uma etapa na trajetória rumo ao B20, construída sobre critérios técnicos e sustentada por um amadurecimento regulatório que busca garantir segurança energética e previsibilidade ao setor.

Para Filipe Cunha, head de biodiesel da SCA Brasil, o avanço da mistura obrigatória aumenta significativamente a pressão sobre a principal matéria-prima do biodiesel brasileiro: o óleo de soja. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o óleo de soja respondeu por 75,1% de toda a produção de biodiesel no país durante o primeiro semestre de 2025. Esse protagonismo, porém, exige uma ampliação proporcional da capacidade de processamento da soja nacional, que hoje já opera em níveis expressivos.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2034 (PDE 2034), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de diesel deverá crescer 2,1% ao ano, totalizando 84 bilhões de litros em 2034. Apenas no primeiro semestre de 2025, o país comercializou 33,2 milhões de metros cúbicos de diesel, dos quais 4,53 milhões de metros cúbicos foram biodiesel — um crescimento de 6,2% em relação ao mesmo período de 2024.

O avanço foi impulsionado pela elevação da mistura obrigatória de B12 para B14, implementada em março de 2024, somada à crescente demanda por diesel no transporte e no agronegócio. A tendência é que, mantido o cronograma da nova legislação, o consumo de biodiesel alcance 15,2 bilhões de litros até 2030, um salto de 68% em comparação aos 9 bilhões registrados em 2024.

Essa escalada, no entanto, exige um esforço proporcional na oferta de óleo de soja. A SCA Brasil calcula que será necessário ampliar a produção do insumo de 6,6 bilhões de litros para 10,2 bilhões até o fim da década, o que representa uma alta de 54%. Como cada tonelada de soja esmagada rende, em média, 19% de óleo, será preciso adicionar 22,2 milhões de toneladas à capacidade de processamento da indústria nacional até 2030.

Na prática, isso significa modernizar fábricas, ampliar esmagadoras e investir em logística de transporte, armazenamento e distribuição. Atualmente, com a safra de soja estimada em 169,7 milhões de toneladas, o processamento nacional ainda gira em torno de 57,8 milhões, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). A matéria-prima existe, mas falta estrutura para convertê-la com a agilidade e a escala que o novo cenário demanda.

O Ministério de Minas e Energia estima que o aumento da mistura para B15 já deve movimentar cerca de R$ 5,2 bilhões em investimentos, gerar mais de 4 mil empregos diretos e indiretos e evitar a emissão de 1,2 milhão de toneladas de gases de efeito estufa por ano. A meta do B20, por sua vez, impõe uma necessidade ainda maior de capital.

Além dos desafios estruturais, o setor enfrenta agora os efeitos de novas barreiras comerciais internacionais. Uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros imposta pelos Estados Unidos entrou em vigor nesta quarta-feira, 6 de agosto, impactando diretamente 35,9% das exportações para o mercado norte-americano. A medida poderá alterar o fluxo comercial da soja e seus derivados, afetando preços internos e margens de exportação.

Segundo o presidente da Abiove, André Nassar, a guerra comercial entre Estados Unidos e China levou a uma maior procura da China pela soja brasileira em grão. A estratégia chinesa é clara: importar o grão para processá-lo internamente, fortalecendo sua segurança alimentar e incentivando a cadeia de proteína animal.

Com isso, as exportações brasileiras de soja em grão devem crescer 0,9% em 2025, totalizando 109 milhões de toneladas. Já as exportações de farelo de soja devem se manter estáveis, em 23,6 milhões de toneladas. As exportações de óleo de soja, por outro lado, devem cair 3,6%, chegando a 1,35 milhão de toneladas. Estima-se ainda que o Brasil precisará importar 100 mil toneladas de óleo e 500 mil toneladas de grãos para complementar a demanda interna.

Em um cenário de transformação energética global, a nova era do biodiesel brasileiro abre oportunidades de liderança e inovação, mas cobra planejamento e investimentos robustos. O futuro da matriz energética passa pela rotação eficiente entre campo, indústria e logística, com a soja no centro da engrenagem.

Fonte: Página 1 News