Transição energética no transporte pede mais cooperação internacional para superar barreiras ao etanol

Evento ocorreu no dia 29 de dezembro, no Auditório da FAPESP
Foto: Daniel Antônio/Agência Fapesp

Por José Tadeu Arantes

Na 10ª Conferência FAPESP 2024, o pesquisador Luiz Augusto Horta Nogueira destacou as virtudes dos veículos híbridos, que combinam eletricidade e biocombustíveis. E disse que o Brasil tem um papel estratégico no processo José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A transição energética ainda não ocorreu no setor de transportes.

Em uma década, de 2011 a 2021, o segmento renovável no consumo energético do transporte global sobre pneus evoluiu de 2,6% para apenas 3,9%. Em um contexto de crise climática, que exige respostas urgentes e ousadas, um aumento dessa ordem pode ser considerado irrisório, para não dizer vergonhoso.

“O transporte permanece atavicamente vinculado ao petróleo”, disse o pesquisador Luiz Augusto Horta Nogueira na 10ª Conferência FAPESP 2024 . Ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Horta Nogueira é professor de sistemas energéticos na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) e consultor em agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e de bancos de desenvolvimento.

Sua conferência, que tratou do tema “O Futuro dos Combustíveis para a Mobilidade no Brasil”, foi a última deste ano. Ele enfatizou a necessidade de soluções sustentáveis para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Circulam atualmente pelo mundo cerca de 1,4 bilhão de veículos. No Brasil, são aproximadamente 100 milhões de veículos registrados – o que dá uma média de quase um veículo para cada duas pessoas.

A necessidade de descarbonização do setor é premente. Para isso, Horta Nogueira defendeu uma solução híbrida, que conjugue as virtudes da eletricidade e dos biocombustíveis. “A ideia de que o motor a combustão interna será completamente substituído em pouco tempo não é realista. Em vez disso, precisamos olhar para soluções intermediárias, como os veículos híbridos, que unem o melhor de dois mundos”, argumentou.

O carro elétrico tem um grande torque de partida, que possibilita transitar rapidamente da velocidade zero à velocidade de cruzeiro. E tem frenagem regenerativa, que possibilita gerar eletricidade e recarregar a bateria com a energia cinética subtraída das rodas. Já os biocombustíveis permitem gerar eletricidade no próprio veículo, reduzindo drasticamente o tamanho e o peso das baterias e agilizando o processo de recarga. “Os veículos híbridos são mais econômicos, produzem menor impacto ambiental no ciclo de vida e oferecem maior autonomia em comparação aos veículos elétricos puros”, afirmou Horta Nogueira.

E destacou como solução ideal os híbridos plug-in, que combinam motor elétrico e motor a combustão e podem ser recarregados tanto internamente, a partir do funcionamento do motor a combustão, quanto externamente, em tomadas ou estações de carregamento. “Com o uso de etanol como combustível, esses veículos permitem reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa”, falou.

Além das baixas emissões, Horta Nogueira destacou outras vantagens do etanol em comparação com a gasolina, especialmente em motores de ciclo Atkinson, utilizados em veículos híbridos. Ele explicou que o etanol tem maior resistência à detonação e permite maior eficiência térmica nos motores, o que resulta em desempenho superior. “Hoje, como combustível puro ou adicionado à gasolina, o etanol é usado em mais de 70 países, e o Brasil tem um papel de liderança nesse mercado. Nossa experiência com motores flex e nossa tecnologia avançada nos colocam em posição privilegiada para liderar a transição global para biocombustíveis”, enfatizou.

Outro tópico destacado foi o impacto social e econômico da bioenergia. “A produção de etanol gera até seis vezes mais empregos por unidade de energia em comparação aos combustíveis fósseis. Além disso, contribui para fixar as populações no campo e desenvolver as regiões produtoras”, ressaltou. Apesar das vantagens, Horta Nogueira alertou para os desafios que ainda precisam ser enfrentados. Entre eles, destacou a distribuição desigual do etanol, tanto no Brasil quanto no mundo, a dependência de fertilizantes importados na produção agrícola e a competição com combustíveis sintéticos em mercados como a Europa. Além disso, criticou políticas públicas que favorecem veículos elétricos puros sem considerar o ciclo de vida completo, desde a produção até o descarte das baterias.

“Precisamos de políticas públicas que reconheçam as vantagens do etanol e incentivem seu uso, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A hibridação é o caminho mais racional para reduzir as emissões no transporte”, falou. Horta Nogueira também mencionou o potencial de países da África Subsaariana e da América Latina para expandir a produção de biocombustíveis de forma sustentável. E argumentou que uma maior cooperação internacional é essencial para superar barreiras políticas e econômicas que impedem o uso mais amplo do etanol. “É um paradoxo que países como a Guatemala, que é grande exportadora de etanol, não utilizem esse combustível em sua matriz interna. Isso reflete a necessidade de maior esclarecimento, dados objetivos e políticas coerentes”, disse.

O pesquisador ponderou que o etanol, associado a veículos híbridos, não é apenas uma solução para o Brasil, mas uma resposta global à crise climática e à necessidade de mobilidade sustentável. Ele informou que o país já possui instrumentos importantes, como o RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis, para certificar a sustentabilidade da produção e consolidar sua liderança no mercado de biocombustíveis. “O futuro da mobilidade está em nossas mãos, e o Brasil tem todas as condições de ser protagonista nessa transformação”, finalizou.

A 10ª Conferência FAPESP 2024 foi aberta por Carmino Antonio de Souza, vice-presidente da FAPESP, representando o presidente, Marco Antonio Zago. Teve a participação do professor Fernando Ferreira Costa, coordenador da Comissão Organizadora das Conferências FAPESP e Escolas FAPESP. E foi moderada pelos professores Rubens Maciel Filho, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Ciro Antonio Rosolem, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Fonte: Agência Fapesp