Açúcar e etanol sobem com incertezas do clima

Por Marcos Fava Neves*, Vinicius Cambaúva** e Beatriz Papa Casagrande***

Na cana, a moagem acumulada na safra 2024-25, até 01/10, atingiu 505,1 mi de t, um crescimento de 2,3% em relação ao ciclo anterior (493,5 mi de t). No entanto, na 2ª quinzena de setembro, a moagem foi de 38,8 mi de t, uma queda de 13,6% em comparação com o mesmo período da safra passada (44,9 mi de t), de acordo com dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia (Unica).

Na última metade de setembro, 258 unidades produtoras estavam em operação na região Centro-Sul (eram 261 em 2023), sendo 239 dedicadas ao processamento de cana-de-açúcar, 9 à produção de etanol a partir do milho e 10 eram usinas flex.

A qualidade da matéria-prima, medida pelo ATR (Açúcares Totais Recuperáveis), foi de 160,0 kg/t na 2ª quinzena de setembro, registrando alta de 3,7% em relação ao ciclo anterior (154,3 kg/t). No acumulado da safra, o ATR está em 141,0 kg/t (+0,6%).

Já o mix de produção acumulado, desde abril até 01/10, ficou em 48,85% para o açúcar (queda) e 51,15% para o etanol (alta). Os mesmos movimentos ocorreram na última metade de setembro com 47,79% sendo alocado para o adoçante e 52,21% para o biocombustível. Esses números refletem a volatilidade e grandes desafios que o setor enfrenta diante da seca observada neste ano e os incêndios dos últimos meses.

A preocupação com a próxima temporada (2025/26) aumentou com a seca prolongada e queimadas que impactaram grandes áreas canavieiras. Desenhar perspectivas para a próxima safra ainda é incerto, principalmente com uma probabilidade de 70% de ocorrência do fenômeno La Niña, o que gera dúvidas sobre as chuvas no Centro-Sul, mas um levantamento inicial da NovaCana indicou que as estimativas para o ciclo 2025/26 variam entre 581,0 mi e 620,0 mi de t.

No açúcar, a produção na 2ª metade de setembro foi de 2,8 mi de t, registrando queda de 16,2% se comparado ao mesmo período do ciclo anterior (3,4 mi de t). Porém, no acumulado da safra, a produção totalizou 33,1 mi de t, um aumento de 1,5% em relação ao ciclo anterior. Os dados também são da Unica.

Nas exportações, o Brasil foi responsável por enviar 3,9 mi de t (+24,0%) de açúcar ao exterior, o equivalente a US$ 1,8 bi (+12,0%) em receita. Esse cenário ocorreu apesar da queda de 9,7% no preço médio de exportação, por conta principalmente do grande volume ofertado pelo país na histórica safra 2023/24 (45,7 mi de t). No ciclo atual 2024/25, a projeção é de um novo recorde, somando quase 46,0 mi de t, de acordo com dados da plataforma Agrostat do Mapa.

A demanda global por açúcar bruto pode ser menor após os grandes volumes observados neste ano, segundo relatório da Czarnikow. A queda no prêmio do açúcar branco e a redução no tempo de espera dos navios para carregar açúcar nos portos brasileiros indicam esse enfraquecimento. Além disso, refinarias no Oriente Médio estão enfrentando maior concorrência da União Europeia, que reportou uma safra abundante. Com os estoques globais em baixa, um desafio para o futuro é a pouca flexibilidade para mudanças significativas na demanda.

Pela primeira vez, o Vietnã liderou a produtividade de cana-de-açúcar entre os países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), superando Tailândia, Indonésia e Filipinas. Na safra 2023-24, o rendimento chegou a 6,8 t/ha, impulsionado por medidas comerciais e pela digitalização na gestão dos engenhos. Com isso, a produção de cana aumentou 166% e a de açúcar 161%. A expectativa é de crescimento contínuo em 2024-25, com foco no fortalecimento produtivo, rastreabilidade e combate a fraudes, de acordo com informações da TV Brics.

O mercado global de açúcar deve enfrentar um déficit de quase 2 mi de t nesta temporada, devido às condições climáticas adversas que afetam a safra do Brasil, segundo a Sucres et Denrées (Sucden). A produção de açúcar bruto na região Centro-Sul pode ser cerca de 40% menor no 4º trimestre de 2024 e no 1º trimestre de 2025, em relação ao ano anterior. No hemisfério Norte, a produção de cana e beterraba teve bom desempenho graças aos altos preços do açúcar e ao clima favorável em 2023, mas esses fatores não serão suficientes para compensar as perdas brasileiras. Além disso, a possibilidade de a Índia aumentar suas exportações de açúcar e aliviar o mercado global é limitada.

Em Nova York, os preços do açúcar voltaram a crescer em vista da previsão de redução nas chuvas no Centro-Sul, somado, ainda, aos impactos recentes das secas. No fechamento da nossa coluna, o contrato de mar/25 estava cotado em 22,21 centavos de dólar por libra-peso; e o de mai/25 em 20,51 cents/lb. Em Londres, o açúcar branco estava em US$ 568,20/t para dez/24 e em US$ 567,90/t para mar/24. No Brasil, o Cristal Branco São Paulo (Cepea/Esalq) estava em R$ 155,30/sc (50kg), alta mensal de 6,2%.

No etanol, a fabricação registrou 2,2 bi de litros nos últimos 15 dias de setembro, sendo 1,4 bi de litros de etanol hidratado (+3,3%) e 792,4 mi de litros de anidro (-4,9%). Desde o início da safra até 1º de outubro, a produção acumulada foi de 25,2 bi de litros (+7,4%), com destaque para o hidratado, que alcançou 16,1 bi de litros (+16,4%), enquanto o anidro apresentou queda de 5,5%, totalizando 9,1 bi de litros.

O etanol produzido a partir do milho somou 329,8 mi de litros na 2ª metade de setembro, um aumento de 38,3% em relação ao mesmo período da safra anterior. No acumulado da safra, a produção do biocombustível de milho atingiu 3,8 bi de litros, um crescimento de quase 27,0% na comparação anual.

Em termos de vendas, o etanol comercializado em setembro totalizou 2,9 bi de litros (+6,2%). As vendas de etanol hidratado no mercado interno foram de 1,7 bi de litros (+4,3%), enquanto o anidro somou 1,0 bi de litros (+10,7%). Já olhando para o acumulado da safra, a comercialização somou 17,8 bi de litros (+16,2%), sendo 11,6 bi de litros hidratado (+30,7%) e 6,2 bi de litros anidro (-3,6%). Esse cenário corrobora o ritmo aquecido das vendas de etanol hidratado desde o começo de 2024, refletindo a competitividade do biocombustível nos postos, o qual tem apresentado paridade abaixo de 73,0% do valor da gasolina em estados como São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná.

No mercado de CBios, até 08/10 foram emitidos 32,3 mi de créditos, dos quais 28,9 mi estão disponíveis para negociação. Esse montante já representa mais de 90,0% da meta de descarbonização estabelecida para 2024.

A Unica e o Ministério das Relações Exteriores, com apoio da Embaixada do Brasil no Japão, realizaram um seminário em Tóquio para discutir a descarbonização do setor aéreo, com foco no etanol brasileiro como matéria-prima para o combustível sustentável da aviação (SAF). O seminário abordou o potencial da rota Alcohol-to-Jet (ATJ) para reduzir as emissões no setor aéreo, destacando as oportunidades de colaboração entre Brasil e Japão.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou dois financiamentos de R$ 500 milhões para a construção de usinas de etanol de milho. A Coamo Agroindustrial Cooperativa usará o recurso para erguer uma planta com capacidade de processar 1,7 mil t de milho, resultando em 765,0 mil litros de etanol, 510,0 t de grãos secos de destilaria (DDGS) e 34,0 t de óleo de milho diariamente. Já a Alvorada Bioenergia, destinará o financiamento à implantação de uma usina com capacidade de produzir anualmente até 222,0 mi de litros de etanol, além de 147,0 mil t de DDG e 8 mil t de óleo bruto, contribuindo para a redução da emissão de gases de efeito estufa.

Segundo dados da SCA Brasil, o preço do etanol hidratado, com impostos, no município de Ribeirão Preto (SP) estava em R$ 3,080/l em 18 de outubro, uma alta de 13 centavos por litro no comparativo mensal. Já o anidro estava em R$ 2,990/l, 1 centavo a menos do que o preço do mês anterior, demonstrando o incentivo recente ao consumo do hidratado.

Valor do ATR: em setembro, o Açúcar Total Recuperável (ATR), divulgado pelo Consecana, fechou o mês com preços em R$ 1,1507/kg, queda mensal de 2,0% ou 2,3 centavos a menos. No histórico da safra atual, os preços mês a mês são: abr/24, R$ 1,1879/kg; mai/24, R$ 1,1684/kg; jun/24, R$ 1,1635; jul/24, R$ 1,1759/kg; ago/24, R$ 1,1730/kg; e agora em setembro caímos para R$ 1,1507/kg. Na visão do acumulado, estamos em R$ 1,1662/kg, leve baixa mensal. Até o final do ciclo, acreditamos em preços entre R$ 1,17/kg e R$ 1,19/kg, especialmente com a tendência recente de recuperação no açúcar e no etanol. Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em novembro na cadeia da cana:

Previsão climática para os próximos meses na região Centro-Sul. Neste momento, é essencial que a distribuição seja positiva, visando o desenvolvimento da cana para 2025/26, especialmente nas áreas afetadas pelas queimadas.

No açúcar, apesar da alta recente motivada pelas preocupações com o clima, algumas previsões recentes indicam demanda global mais fraca em 2025. Vamos avaliar o cenário em nossos principais concorrentes. O Vietnã, por exemplo, deve registrar a maior produtividade entre os países do continente neste ciclo.

Observar o consumo do etanol hidratado com as recentes valorizações dos preços. A gasolina tem permanecido estável na média nacional (R$ 6,09/L), o que deixa o consumo do etanol (R$ 4,02/L) vantajoso em oito estados e no Distrito Federal, segundo análise da ANP.

A instabilidade no Oriente Médio segue trazendo grandes incertezas para o mercado de combustíveis. Em outubro, o barril do WTI Crude oscilou de US$ 67,79 a US$ 77,14, fechando em US$ 70,57 no fechamento da nossa coluna. No Brent, a variação foi de US$ 71,09/barril a US$ 80,03/barril, fechando em US$ 74,26/barril. Acompanhar diariamente os conflitos na região é essencial para avaliar os impactos nos preços da gasolina/etanol e nos custos de produção.

Por fim, acompanhar o câmbio, elemento-chave na precificação do setor. Desde o início de outubro, o dólar tem acumulado altas, saindo de R$ 5,42 em 01/10 para R$ 5,70 em 21/10, no fechamento da coluna.

*Professor Titular das Faculdades de Administração da USP e especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio.

**Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto – SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP, mestre e doutorando em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.

***Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio. 

Fonte: Jornal da Bioenergia