Por Desirée Brandt*
Produtores rurais e da cadeia do agrobusiness têm observado com atenção as previsões meteorológicas considerando os impactos provocados pelas mudanças climáticas dos últimos tempos, que envolvem eventos além da atuação de fenômenos como El Niño e La Niña.
A safra de inverno já está transcorrendo em diversas regiões produtoras e, até que ocorra a colheita, as questões climáticas permanecem sob vigilância. Ao mesmo tempo, o setor já mira para o próximo período – a safra de verão – por proporcionar o grosso da produção agrícola brasileira. Por isso, ter o suporte de uma base substancial de dados é essencial para orientar projeções e preparativos no agronegócio.
A safra de inverno deste ano ocorre em meio a uma mudança relevante. O El Niño, que foi o fenômeno vigente desde maio de 2023, já perdeu sua configuração e, neste momento, está sob neutralidade climática, ou seja, sem El Niño e La Niña. Pelo último relatório da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), o La Niña deve se desenvolver ao longo do segundo semestre com maior probabilidade de consolidação de agosto a outubro.
Lembramos que tais fenômenos se manifestam pela mudança da temperatura das águas do Oceano Pacífico. Um deles, o El Niño, provoca o aquecimento das águas, e o outro, La Niña, ocorre pelo resfriamento. Sob o efeito das mudanças climáticas, os impactos de ambos têm sido, muitas vezes, potencializados. Esse contexto, em algumas safras, acentuou riscos à produção e prejuízos no campo.
O El Niño se caracteriza normalmente por períodos de chuvas irregulares no centro do Brasil. Sob a influência das mudanças climáticas, esse comportamento se mostrou mais pronunciado em sua última vigência. Ao divulgar previsões para a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas para 2024, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) atribuiu ao El Niño a redução de 2,4% da produção de soja, em relação ao ano passado.
Recentemente, áreas de sojicultura de vários Estados foram afetadas pelo excesso de chuvas no Sul. No Centro-Oeste e no Norte do país, o impacto se deu pela falta de chuvas regulares e por temperaturas elevadas.
A expectativa para este ano é que as áreas produtoras da safra de inverno contem com mais frio que em 2023. A queda das temperaturas será propícia para a produção de trigo, carro-chefe das culturas do período.
Essas lavouras já receberam a umidade necessária para o seu desenvolvimento e deverão ser eventualmente beneficiadas por temperaturas próximas de zero, muito bem-vindas para a sua produção. As condições para a triticultura são melhores que as verificadas no ano que passou, quando a estação foi amena e a cultura se ressentiu da falta de frio.
Como já mencionamos, o La Niña deverá se formar ao longo do segundo semestre, segundo as previsões da NOAA, órgão do governo norte-americano responsável pelo monitoramento do clima. O fenômeno normalmente favorece as condições de chuva mais persistente e abrangente por chuvas mais persistentes e abrangentes sobre o Sudeste e o Centro-Oeste brasileiro, onde estão boa parte das regiões de produção agrícola.
Com base em cálculos probabilísticos da NOAA, a expectativa é que o La Niña comece a se fazer presente em agosto. Já em setembro, os modelos meteorológicos apontam grande probabilidade de início das chuvas, que deverão se intensificar um pouco mais em outubro e novembro, quando há expectativa de melhores condições de precipitações.
Se a previsão se confirmar, poderão ser beneficiadas áreas produtoras de Goiás, Mato Grosso, Cerrado, Triângulo Mineiro e Noroeste paulista, entre outras. Quadro diferente do que assistimos no ano passado quando, sob influência do El Niño, houve atraso das chuvas até dezembro, e o restante do período úmido seguiu ainda com muita irregularidade e temperaturas elevadas.
Os modelos meteorológicos ainda não permitem antecipar expectativas em relação ao início de 2025. No entanto, considerando-se o comportamento de La Niña em suas manifestações anteriores, destacamos um ponto de atenção para o transcorrer da safra de verão. Em alguns anos, o La Niña favoreceu a formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um dos principais sistemas meteorológicos causadores de chuvas.
A ZCAS se caracteriza pela formação de corredor de nuvens que corta o Brasil, desde o sul da região Amazônica até o Oceano Atlântico, passando pela faixa central do país. Esse sistema costuma provocar chuva abrangente, volumosa e persistente, o que diminui a luminosidade ideal para o desenvolvimento das plantas e o excesso de umidade eleva o risco para o surgimento de doenças fúngicas nas lavouras. Tal cenário pode ainda prejudicar o manejo das culturas e afetar a colheita, provocando prejuízos.
Ainda estamos distantes do momento de iniciar o plantio da safra de verão, o que temos são as probabilidades em relação ao comportamento do clima. Informações como quando e com que intensidade La Niña se manifestará vão depender de um acompanhamento dia a dia da influência do resfriamento do Oceano Pacífico na atmosfera.
Também será preciso monitorar a influência das mudanças climáticas sobre La Niña, o que determinará o grau de intensidade desse fenômeno. Para o agronegócio, essas incógnitas poderão ser desvendadas com antecipação do suporte, por exemplo, da meteorologia.
*Sócia-executiva e meteorologista na Nottus.
Fonte: Globo Rural