Por Karina Souza
A agricultura brasileira continua desafiando a capacidade de leitura dos principais players do setor — notadamente para quem lida com insumos agrícolas.
Ás vésperas do fim da safra 2023/23, a Lavoro cortou pela segunda vez o guidance divulgado ao mercado, reduzindo pela metade as expectativas de Ebitda em relação à versão anterior.
O indicador operacional agora está estimado em um intervalo de US$ 46 milhões a US$ 55 milhões para toda a safra 2023/24, um corte de pelo menos 31% sobre a projeção anterior (US$ 80 milhões a US$ 110 milhões).
Na versão original, do início da safra, a companhia falava em no mínimo US$ 135 milhões de Ebitda, o que mostra a impressionante deterioração das expectativas que, a bem da verdade, atingiu todos os players. AgroAmazônia e Agrogalaxy não deixam mentir.
Em teleconferência com analistas nesta segunda-feira, Ruy Cunha, CEO da Lavoro, disse que a maior parte do efeito de redução de Ebitda está relacionada ao atraso de compras de produtores, refletindo a compressão de margens relacionada ao preço das commodities e o consequente comportamento de deixar as compras de insumos para a última hora.
“A curva de pedidos para a safra 2024/25, até o fim de abril, está em 17% do total, comparado a 27% no mesmo período do ano passado. Consequentemente, uma porção dos pedidos que seriam enviados no quarto trimestre fiscal deve ficar para os primeiros três meses do ano fiscal de 2025”, afirmou.
O comportamento mais cauteloso do produtor também foi uma figura importante nos resultados do trimestre encerrado em março. No período, a companhia viu um crescimento discreto, de um dígito baixo, na receita líquida de insumos vendidos no Brasil, somando US$ 450 milhões. O crescimento das vendas, aliás, só foi sustentado pelos M&As recentes, sem os quais as vendas cairiam.
No trimestre, a exceção foi a CropCare, a menor divisão em vendas mas a de melhor margem graças ao portfólio de especialidades — biológicos e fertilizantes foliares. No trimestre, a receita desse negócio aumentou em 30% na comparação anual, atingindo US$ 22 milhões.
No consolidado, a margem bruta caiu três pontos percentuais em relação ao mesmo período da safra anterior, marcando 11,7%. O Ebitda ajustado encolheu 85%, para US$ 3,7 milhões. Com as vendas minguadas, o prejuízo passou de US$ 7,9 milhões para US$ 62,7 milhões.
Crédito ao produtor
Além de vendas mais fracas, um outro fator importante para a redução da projeção de Ebitda está relacionada ao crédito ao produtor.
Novamente, os efeitos combinados do El Niño com preços baixos das commodities trouxeram atrasos de pagamentos. Apesar de declarar ser menos afetada do que o resto da indústria, a Lavoro ainda foi impactada por atrasos nos três primeiros meses do ano, reconheceu o CEO na teleconferência.
No trimestre encerrado em 31 de março, a Lavoro fez uma provisão para perdas com crédito de mais R$ 40 milhões (em relação aos três meses imediatamente anteriores), totalizando R$ 299 milhões no acumulado da safra 2023/24.
“Para lidar com esse cenário, em muitos casos, nós optamos por fazer extensões de pagamento de curto prazo para uma parte de nossos clientes de longa data. Nós fizemos isso para fortalecer esse relacionamento e ganhar share of wallet ao longo do tempo”, explicou Cunha.
Ao dar mais prazo para os produtores, a Lavoro evita uma escalada maior da inadimplência, mas também alonga o ciclo de pagamento, pressionando o capital de giro. De dezembro para março, o caixa da rede de revendas saiu de R$ 693,8 milhões para R$ 394,3 milhões, uma queima de quase R$ 300 milhões.
Renegociações da Lavoro
Embora tenha se engajado nas renegociações, a Lavoro não o faz a qualquer custo. A política de crédito da companhia exige que a companhia receba por produtos já entregues antes de enviar novos insumos vendidos a crédito ao cliente.
A Lavoro não detalhou o volume de renegociações, mas uma análise dos vencimentos da companhia nos últimos dois trimestres mostra que a quantidade de recebíveis vencidos entre 61 e 180 dias diminuiu 60% entre um período e outro, para R$ 80 milhões. Enquanto isso, a proporção de recebíveis não vencidos aumentou 32%, para R$ 5 bilhões.
Ainda que não seja uma combinação perfeita de prazos, esses números dão um dimensão das renegociações. Nessa dinâmica, um crédito que estava vencido passa a constar como um recebível ainda a vencer.
A próxima safra
Na teleconferência, o deslocamento da receitas esperada pela Lavoro da safra 2023/24 para a temporada 2024/25 chamou atenção dos analistas, que perguntaram se a companhia está mesmo segura em relação aos atrasos e as vendas vindouras.
“Não se trata de receita perdida. São pedidos que constam na nossa carteira no momento. Nós só precisamos nos sentir confortáveis com todo o processo de documentação e garantias para vendas a prazo. Então, é apenas uma questão de tempo”, assegurou Cunha.
O executivo citou projeções de mercado que apontam para uma queda de aproximadamente 10% em receita no próximo ano para todo o setor de varejo no agronegócio, principalmente influenciada pelas quedas de preço que aconteceram neste ano. Os volumes devem crescer em um dígito baixo. Listada na Nasdaq, a Lavoro está avaliada em US$ 679 milhões.
Fonte: The AgriBiz