
para Agricultura Sustentável – Foto: Divulgação/INCT NanoAgro
Um estudo inédito no Brasil poderá elevar o status de um dos maiores poluentes da cadeia produtiva de cana-de-açúcar: a vinhaça. Este subproduto líquido é altamente corrosivo, possui baixo pH e alta demanda bioquímica de oxigênio (DBO), exigindo manejo adequado para evitar a contaminação de solos e águas.
Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro) desenvolveram uma solução de nanotecnologia que não apenas resolve o problema ambiental, mas transforma o poluente em um produto de alto valor agregado.
A pesquisa inédita conseguiu converter a vinhaça em pontos de carbono (BioC-dots), nanomateriais com aplicações promissoras em diversas indústrias. Clique aqui e confira a publicação científica deste estudo.
A solução do problema não é por menos. A produção de etanol no Brasil, que supera os 30 bilhões de litros por safra, gera um desafio ambiental na mesma escala com a vinhaça. Com um volume que chega a 15 litros de vinhaça para cada litro de etanol produzido, a destinação sustentável do resíduo é fundamental.
Síntese verde e eficiência quântica
A conversão da vinhaça em BioC-dots foi realizada através de um processo sustentável conhecido como síntese verde. Essa prática elimina ou reduz o uso de substâncias tóxicas, minimizando o impacto ambiental.
Os testes laboratoriais comprovaram a eficiência do processo, resultando em nanomateriais luminescentes com bom desempenho. Eles apresentaram um rendimento quântico entre 2,5% e 19%, um indicador que mede a eficácia da emissão de luz após a absorção de energia.
A estabilidade térmica dos materiais também foi confirmada, identificando grupos funcionais de superfície que lhes conferem propriedades únicas.
Aplicação inédita: sensores de íons metálicos
A aplicação mais promissora e inédita dos BioC-dots derivados da vinhaça reside na detecção de íons metálicos em ambientes aquosos. Os nanomateriais demonstraram eficácia como sensores de cobalto e zinco, atingindo limites de detecção de 13,57 e 18,22 mmol L⁻¹, respectivamente.
Esta capacidade abre novos caminhos para usos ambientais e industriais do resíduo, indo além das aplicações já conhecidas dos BioC-dots em áreas como energia e sistemas de liberação de fármacos.
O avanço, detalhado na publicação científica ACS Ômega, reforça o potencial brasileiro em unir nanotecnologia e sustentabilidade.
Monitoramento ambiental e segurança hídrica
A detecção de íons metálicos através dos BioC-dots tem implicações diretas e importantes para a saúde pública e para os ecossistemas, conforme explica o Prof. Dr. Adriano de Siqueira, líder do trabalho.
“Essa inovação nos permite monitorar e prevenir a contaminação de rios, lagos e águas subterrâneas, garantindo a saúde de ecossistemas e das populações; contribui para a segurança da água potável e industrial, identificando metais potencialmente tóxicos; [e] auxilia no controle de efluentes industriais,” destaca o pesquisador.
A tecnologia brasileira oferece, assim, uma ferramenta avançada para auxiliar empresas no cumprimento de normas ambientais rigorosas, além de dar suporte a pesquisas sobre a interação de metais em ecossistemas e o desenvolvimento de novas tecnologias de tratamento e remediação.
Protagonismo brasileiro com a nanotecnologia para o agro
O desenvolvimento dos BioC-dots está alinhado à missão do INCT NanoAgro de qualificar recursos humanos para promover avanços na fronteira do conhecimento em nanotecnologia para Agricultura Sustentável.
O Instituto, sediado no campus da Unesp, em Sorocaba (SP), trabalha no desenvolvimento de sistemas integrados que utilizam componentes da biodiversidade brasileira para aumentar a produtividade agrícola, sem negligenciar a segurança ambiental e a saúde humana.
A utilização de um resíduo poluente como a vinhaça para criar um sensor de alta tecnologia reafirma o papel de protagonismo do Brasil no cenário mundial da nanotecnologia aplicada ao agronegócio e ao meio ambiente, gerando valor econômico a partir de práticas circulares.
Por Fábio Moitinho
Fonte: Forbes