Vem mais maldade por aí

Foto: Freepik

Por Arnaldo Luiz Corrêa*

Após uma movimentação inesperada que elevou os preços em 521 pontos em apenas 15 dias, o mercado futuro de açúcar em Nova York, que chegou a 23,71 centavos de dólar por libra-peso na quinta-feira, encerrou a semana em 22,80 centavos de dólar por libra-peso. Apesar dessa queda, o mercado ainda acumulou um pequeno ganho de 11 pontos (equivalente a 2,40 dólares por tonelada) em comparação com o fechamento da sexta-feira anterior.

Foram os fundos especuladores os responsáveis por esse movimento que assustou as casas comerciais vendidas à descoberto, impulsionando a alta do mercado? Ou foram as próprias casas comerciais que, ao se cobrirem de suas posições vendidas, elevaram o mercado a níveis técnicos, acionando os gatilhos de compra dos fundos? Essa é a clássica questão do “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha”.

De acordo com o relatório COT (Commitment of Traders) divulgado na sexta-feira pela CFTC (Commodity Futures Trading Commission), a agência reguladora do mercado de commodities dos EUA, os fundos não indexados estavam comprados em 56.438 lotes com base na posição da última terça-feira. No entanto, um corretor de futuros experiente estima que essa posição já tenha crescido para 70.000 lotes comprados.

A próxima semana promete ainda mais volatilidade. A posição em aberto para o contrato de outubro/24, que expira na próxima segunda-feira, sugere que poderemos ter uma entrega física de açúcar entre 1,2 e 1,5 milhão de toneladas. No mercado físico, há uma crença de que o vendedor/entregador não possui o açúcar disponível, o que elevou o basis do açúcar para entrega em outubro, que, segundo fontes de mercado, estava operando entre 50 e 90 pontos de prêmio.

Se essa hipótese for verdadeira, o “pé trocado” no mercado físico por parte do(s) entregador(es), de acordo com um trader experiente, pode ter gerado um prejuízo de até 40 milhões de dólares. São apenas rumores que circulam e alimentam as conversas — e, dependendo de qual lado do mercado você está, essas histórias podem divertir as rodas nos happy hours.

Mercados com grandes oscilações, como as que estamos vendo agora, e que lembram o que aconteceu no final do ano passado, mas na direção oposta, são o pesadelo de qualquer fluxo de caixa. Para se ter uma ideia, 10 mil toneladas de açúcar fixadas antes dessa alta exigiram margens de mais de US$ 1 milhão — o suficiente para fazer qualquer departamento financeiro suar frio e perder algumas noites de sono. Quem precisa de filme de terror quando se tem um mercado desses….

Acreditamos que o mercado de açúcar tem fundamentos positivos, mas subiu rápido demais, impulsionado pelos fundos e pelo ajuste apressado nos livros de um grande player que, como mencionamos na semana passada, estava do lado errado da estrada. Uma vez que as posições se ajustam, é normal que o mercado dê aquela respirada e volte para níveis mais “civilizados” (algo em torno de 21,50 centavos de dólar por libra-peso para o contrato de março/25).

Porém, fique de olho nos próximos relatórios da UNICA, que devem confirmar uma redução ainda maior no mix de açúcar. Claro, isso se os fundos não resolverem se empolgar e jogar mais lenha na fogueira… aí a história muda de novo. À conferir!

O fato é que o longo intervalo entre o vencimento do contrato de outubro/24, nesta segunda-feira, e o contrato futuro de março/25 cria o cenário perfeito para volatilidade e incertezas. Como um executivo do mercado disse: “tudo quanto é maldade, vai acontecer aí”. Ou seja, a palavra de ordem é preparação.

Os consumidores industriais tiveram uma oportunidade de ouro para fixar suas compras de matéria-prima quando o mercado estava em 17,50 centavos de dólar por libra-peso — mas agora esse preço parece coisa de lenda. Claro, nenhum mercado está livre de turbulências e surpresas. Para dar um toque extra de emoção, um real mais forte frente ao dólar e um petróleo que não consegue se manter acima de 75 dólares por barril abrem duas possibilidades interessantes: um possível corte no preço da gasolina pela Petrobras (que hoje poderia, em tese, reduzir o preço em R$ 0,25 por litro), o que por si só já colocaria pressão sobre o etanol; e, quem sabe, a Índia aproveitando os bons preços do açúcar e liberando cotas de exportação para abril em diante — pura especulação nossa.

O mercado de petróleo anda tão fraco que nem os conflitos geopolíticos conseguem levantar o preço. A média do WTI este ano está em 77,50 dólares por barril, mas a média deste semestre é ainda pior, dois dólares a menos, e a tendência é continuar descendo a ladeira.

Enquanto isso, o setor sucroalcooleiro segue com sua própria novela: ninguém sabe ao certo o tamanho da safra de cana, a produção total de açúcar ou até onde a seca e os incêndios vão detonar a safra 25/26. Fragilidade é pouco para descrever a situação. E como incerteza é o combustível favorito da volatilidade, a volatilidade histórica do açúcar anualizada de 20 dias disparou de 25% para 35% em apenas 20 pregões. O que isso significa? Mais gente correndo para se proteger das oscilações de preço — uma festa para quem gosta de vender opções e embolsar aqueles prêmios gordos.

E já começam a aparecer as primeiras estimativas para a próxima safra. Um show de futurologia, como dissemos na semana passada. Se mal conseguimos estimar o volume final da safra que está acontecendo agora, imagina prever a próxima, que depende de uma lista infinita de variáveis. É como tentar adivinhar a previsão do tempo para daqui a seis meses — pura aventura!

Os números da UNICA mostraram uma redução do mix de açúcar na primeira quinzena de setembro para 47.86%. O consenso é que esse percentual vai piorar mais adiante. Houve uma pequena redução na produção de açúcar comparativamente ao mesmo período do ano passado, e uma variação positiva de 27% na produção de hidratado, comprovando que a qualidade ruim da cana no período impediu a produção de açúcar favorecendo o etanol.   

Análise Técnica: Nos últimos 14 pregões, o contrato de outubro de 2024 subiu 29% (+117 USD por tonelada), negociando na máxima do ano a 23.71 centavos de dólar por libra-peso. Durante esse rally, o spread entre outubro de 2024 e março de 2025 passou de um carrego de -40 pontos para uma inversão de +20 pontos. O contrato de outubro de 2024 expirará na próxima segunda-feira, dia 30 de setembro, com o mercado estimando uma entrega entre 1.50 e 2.00 milhões de toneladas. No curto prazo, o próximo vencimento, março de 2025 (que, no mesmo período, subiu 26% e negociou na máxima do ano a 23.64 centavos de dólar por libra-peso), encontra suporte em 22.53 centavos de dólar por libra-peso, com um espaço vazio até os 20.32 e 19.50 centavos de dólar por libra-peso. Com mais uma entrega considerável prevista para a próxima segunda-feira, é provável que fundos e especuladores, junto com o “entregador” do produto, empurrem os preços para a faixa de 20.00 a 19.50 centavos de dólar por libra-peso para atrair nova demanda.

*Gestor de Risco para o mercado agrícola de commodities e sócio-diretor da Archer Consulting.

Fonte: Archer Consulting