Por Nayara Machado
Para alinhar sua matriz energética ao objetivo global de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C, o Brasil deverá perseguir uma redução de 42% no consumo interno de combustíveis fósseis entre 2022 e 2035 e interromper a aprovação de novos campos de petróleo e gás ou exploração de carvão mineral, defendem organizações ambientais em um documento (.pdf) divulgado nesta segunda (26/8).
No mesmo dia em que o governo Lula (PT) lançou sua Política Nacional de Transição Energética, o Observatório do Clima (OC) apresentou uma proposta para a atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil ao Acordo de Paris. O OC, grupo que reúne organizações ambientais e do setor de energia, lista uma série de ações que permitiram ao país cortar suas emissões em pelo menos 92% até 2035.
Esta é a quantidade de gases de efeito estufa que as organizações apontam ser preciso eliminar em relação a 2005 (quando o Brasil emitiu 2.440 milhões de toneladas de CO2 equivalente), se quiser “liderar pelo exemplo o combate à crise do clima”, como tem propagandeado o presidente Lula.
Embora a maior parte da mitigação venha de uso da terra e agropecuária – onde buscar desmatamento zero é o foco – na área de energia, o OC considera o compromisso firmado na COP28, em dezembro de 2023, de transição para longe dos combustíveis fósseis, e propõe que o Brasil substitua 80% do carvão mineral, 38% dos derivados de petróleo e 42% do gás fóssil. Como? Etanol, biodiesel, diesel verde e eletrificação da frota, hidrogênio para indústria e transportes pesados, além de expansão da geração renovável.
“Em 2022, o consumo de barris de petróleo para suprir a demanda doméstica foi de 1,9 milhão de barris/dia (Mbep/d). A NDC do OC mostra que essa demanda anual pode cair para 1,3 Mbep/d em 2035, um decrescimento de 30%. A demanda acumulada entre 2023 e 2035 seria de pouco mais de 20 Mbep/d”, estima Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).
À agência epbr ele explica que, nesse ritmo de queda, as reservas já em exploração no Brasil seriam suficientes para abastecer o mercado interno para além de 2040.
“Apesar dessa NDC do OC não se propor a projetar a demanda para períodos posteriores a 2035, é possível estimar que, se o ritmo de queda da demanda interna por óleo aumentar nesse novo período, as reservas brasileiras poderiam durar até mais que isso. Dessa maneira, a abertura de novas fronteiras de petróleo não se justifica em um cenário ambicioso de transição energética”, completa Barcellos.
NDC de energia e indústria
O objetivo é reduzir em 21% as emissões do setor de energia até 2035, tendo como base 2005 (de 318 MtCO2e para 250 MtCO2e), enquanto as de processos industriais poderão aumentar em até 26% (de 76 MtCO2e para 100 MtCO2e) – único setor onde o OC ainda vislumbra aumento de emissões líquidas.
Considerando um crescimento anual médio do PIB de 2,1% entre 2022 e 2035, a proposta de NDC traz sugestões ousadas como a substituição total da gasolina por biocombustíveis e eletricidade nos veículos leves.
Isso levaria o consumo de etanol a um crescimento de 78% até 2035, em relação a 2022, alcançando 53 bilhões de litros. Enquanto os eletrificados, incluindo os híbridos e célula a hidrogênio, conquistariam cerca de 48% da participação nas vendas de carros novos no período.
Eletrificação e célula a hidrogênio também teriam um papel importante na frota de caminhões, inclusive para o frete de longa distância. A proposta indica que o Brasil poderia ter como ambição chegar a 22% das vendas de caminhões novos em 2035 sendo atendida por elétricos a bateria ou hidrogênio, e 57% dos ônibus elétricos.
O restante da descarbonização viria de biocombustíveis, com a oferta de diesel verde chegando a 3,5 bilhões de litros em 2035, e a de biodiesel, de 11 bilhões de litros no mesmo ano, com a mistura B20 (20% de biodiesel adicionado ao óleo diesel comercial). Melhorar a mobilidade urbana para reduzir o número de carros nas ruas e desligar todas as termelétricas a carvão mineral em 2027 são outras propostas.
O documento aponta a necessidade de construção de 4 mil quilômetros em vias dedicadas a sistemas BRT (bus rapid transit), mil em trilhos de metrô e outros 95 mil quilômetros em ciclovias. “Com isso, o crescimento da quilometragem percorrida por automóveis será limitado a até 15% entre 2015 e 2035, enquanto aquela trafegada por ônibus urbanos mais do que dobrará no mesmo período”, diz.
Além do fim das térmicas a carvão, o gás natural também poderia ir perdendo relevância, na medida em que a capacidade instalada de geração de eletricidade por usinas solares fotovoltaicas e eólicas cresceriam para 95 GW e 70 GW até 2035, respectivamente. Já a geração de eletricidade usando biomassa chegaria a 61 TWh até 2035, o dobro do que foi gerado por essa fonte no ano de 2022.
Hidrogênio verde. Nada de CCS
Além de ser utilizado nos transportes, o hidrogênio terá um importante papel na descarbonização da indústria. Barcellos aponta que o Brasil chegaria a 2035 com uma demanda entre 250 e 300 mil toneladas do energético, sendo 30% para os transportes e o restante para a indústria. “Esses números representarão 0,2% da matriz energética de transporte e 0,5% da industrial em 2035”, observa.
As projeções consideram exclusivamente a rota da eletrólise de energia renovável. Segundo o pesquisador do Iema, a reforma do gás natural com captura de carbono (CCS, em inglês), também conhecido como hidrogênio azul, não entrou na proposta porque seria uma forma de expandir a demanda fóssil.
“O gás e o carvão são combustíveis fósseis que emitem CO2. Permanecer utilizando isso, mesmo com CCS, de alguma maneira alimentaria a indústria fóssil. O CCS não está sendo considerado em nenhum cenário. Ele também demanda muita eletricidade, então indiretamente ele vai aumentar a demanda por fósseis para produzir essa eletricidade”, comenta Barcellos. A reforma do etanol também ficou de fora, mas por motivos diferentes: o OC enxerga toda a produção sendo direcionada para substituir a gasolina nos veículos leves.
Fonte: EPBR