Os produtores de etanol do país alertam para um prejuízo de R$ 10 bilhões devido à manutenção artificial do preço da gasolina pela Petrobras há 7 meses e destacam o risco de quebra de empresas no setor. Presidente da Novabio, Renato Cunha frisa que as indústrias sucroalcooleiras do Nordeste são as mais vulneráveis nesse cenário de desestímulo ao combustível verde.
Isso decorre, segundo ele, dos custos maiores gerados pela topografia mais acidentada em algumas regiões, como a Zona da Mata pernambucana. É um quadro que torna a cadeia regional dos biocombustíveis – liderada por Alagoas e Pernambuco – mais sensível a panoramas de mercado adversos como o atual. A região responde por 10% da produção do segmento no país.
Renato Cunha, que também é presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco, afirma que, com essa política de preços para a energia automotiva, o Brasil está na contramão do mundo, ao estimular o uso de combustíveis fósseis em meio aos esforços globais para descarbonização da economia.
O último reajuste da gasolina foi em outubro do ano passado e a defasagem acumulada em relação ao mercado internacional já chega a 21%.
Com a gasolina artificialmente baixa e mais competitiva, os consumidores são incentivados a abastecer seus veículos com o derivado de petróleo.
Brasil despreza bônus ambiental, dizem produtores de etanol
Renato Cunha classifica o impacto da política da Petrobras como “brutal”. “É algo que acarreta vários desequilíbrios. Além disso, registra uma desconsideração do país com o abastecimento de biocombustíveis que garantem bônus ambiental ao Brasil”, critica.
Ele vê esse quadro como uma sinalização ruim para a transição energética no mercado brasileiro.
“É um prenúncio de que a competitividade do etanol, no processo de descarbonização no Brasil, continuará imprevisível, o que prejudica a redução das emissões de dióxido de carbono e afeta a oferta de empregos em nossa indústria”, sustenta.
Entidades do setor tentam reverter desvantagem
A Novabio vem atuando em uma frente junto com outras entidades que representam a cadeia – como a Única, Copersúcar e Feplana – para tentar reverter a situação atual, desfavorável ao etanol.
Esse grupo tem buscado estabelecer canais de negociação com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) e os ministérios da Agricultura e Pecuária (Mapa) e de Minas e Energia (MME) para solucionar o desequilíbrio gerado pela Petrobras. Até o momento, não houve progresso nas conversas.
Sobre o relacionamento com a companhia, Renato Cunha diz que “a petrolífera não compra nem vende etanol e está distante do segmento há 30 anos”.
“Recentemente, aceitamos um convite da Petrobras para integrar uma agenda técnica sobre transição energética, incluindo o hidrogênio verde a partir de etanol, SAF [combustível sustentável de aviação] e outros biocombustíveis. Esperamos que a empresa avance junto conosco”, complementa.
Produtores de etanol se baseiam em estudo da SCA Brasil
A base para a advertência da Novabio em relação ao impacto negativo do congelamento da gasolina é um estudo recém-concluído pela SCA Brasil, uma das maiores empresas de biocombustíveis do país.
De acordo com o levantamento, a defasagem do preço da gasolina comercializada no país em relação ao mercado internacional está na casa de R$ 0,50 o litro.
“A manutenção dessa política, de não acompanhamento das cotações internacionais pela Petrobras, aponta para uma redução de receita dos produtores de etanol, na safra 2024-2025. Essa queda pode superar os R$ 10 bilhões“, ressalta o CEO da SCA Brasil, Martinho Seiiti Ono.
Produtores de etanol privilegiam produção de açúcar
O executivo explica que, diante do incentivo ao consumo de gasolina, o setor tenta reduzir o prejuízo, privilegiando a produção de açúcar. “Essa commodity vem apresentando larga vantagem em termos de remuneração quando comparada ao etanol”, analisa.
De acordo com Martinho Seiiti, algumas usinas, para diminuir as perdas, estão partindo para alternativas mais drásticas, como investimentos para adaptar destilarias de álcool à produção de açúcar. “Muitas unidades vêm fazendo reformas e ajustes para aumentar a capacidade de fabricação do insumo alimentício, em detrimento do etanol”, acrescenta.
Ele frisa que, nos últimos três anos, houve aportes do segmento em novas operações de açúcar e adaptação de destilarias, migração que se acentuou nos últimos meses.
“Restam pouquíssimas unidades voltadas exclusivamente para o etanol. Estamos, portanto, muito próximos do limite da capacidade de fabricação açucareira na indústria sucroenergética brasileira, como resultado de uma política que desestimula o biocombustível”, avalia.
O que dizem ANP, Petrobras e governo?
Procurada sobre o desequilíbrio na competitividade da energia automotiva, a ANP respondeu, por meio de nota, que “a agência não tem participação na formação dos preços dos combustíveis, não fiscaliza nem comenta variações de preços.”. A reportagem aguarda posicionamento da Petrobras e do MME. O conteúdo será atualizado assim que a companhia e o ministério se manifestarem.