Por Paulo Guerra*
Para garantir um futuro sustentável, a humanidade precisa enfrentar o desafio das mudanças climáticas. O transporte de pessoas e produtos é responsável por 23% das emissões anuais globais e os veículos rodoviários representam 16,5% do total. Para tornar a situação ainda mais crítica, até 2050, o transporte
de passageiros deve crescer 79% e o de mercadorias 100%.
Nesse contexto, o desenvolvimento de tecnologias para o setor automobilístico tem recebido especial atenção e, atualmente, a moda são os carros elétricos. Embora utilizem uma tecnologia que já foi tentada três vezes na história automobilística e fracassou, os elétricos nunca estiveram tão em alta. Prova disso é que as aquisições desses modelos cresceram 91% em 2023, e eles já representam 10% do total de vendas de veículos no Brasil.
Mas por que estamos focados em adotar uma tecnologia que vem de fora ao invés de valorizar e incentivar aquela que nasceu aqui? Em todo o país, mais de 76% da frota é flex e dos 58,6 bilhões de litros de combustível que serão utilizados em 2024, 31 bilhões são de etanol. Será que nossa tecnologia é tão ruim assim que vale mais a pena importar a de outros?
De maneira direta e objetiva, não. A tecnologia do etanol é boa e traz uma série de benefícios. Estamos falando de um biocombustível que movimenta US$ 13,4 bilhões, emprega diretamente 705 mil pessoas e possui uma cadeia de fornecedores composta por mais de 70 mil empreendimentos. Além disso, o
etanol ajuda a iluminar 9.3 milhões de casas por ano. O problema claramente não é técnico, mas sim de estratégia ou de falta dela.
As crises do petróleo, o declínio do etanol pelo crescimento do preço do açúcar, e o apagão elétrico de 2001 já deixaram claro que quando o assunto é energia, o caminho único é sempre o pior. Então, não se trata de investir apenas no álcool ou no elétrico. Os modelos híbridos apresentam maior capacidade de adaptação à mudança, mas, no Brasil, apenas duas fabricantes combinam o motor elétrico com sistemas de combustão a etanol e nenhuma delas apresenta o sistema híbrido mais robusto.
Sim, nem todo carro híbrido é igual. Existem três diferentes tecnologias: a MHEV ou híbrido leve utiliza um pequeno motor elétrico para auxiliar o motor a combustão, mas é incapaz de mover o carro sozinho. A HEV ou híbrido convencional possui motores elétricos que podem mover o carro em trajetos curtos e de baixa velocidade, mas não podem ser carregados na tomada e possuem baixa autonomia no motor elétrico. E por fim, temos a PHEV ou híbrido plug-in que permite maior autonomia elétrica e pode ser recarregado em uma tomada.
O que está acontecendo por aqui é que os híbridos disponíveis privilegiam a gasolina ao invés do etanol, devido à importação de tecnologias que podem fazer sentido em outros países, mas que são prejudiciais ao Brasil.
Para a China, por exemplo, os carros elétricos fazem sentido, uma vez que eles não possuem a tecnologia flex e importam cerca de 70% de todo o combustível necessário.
Ao contrário do que muitos pensam, a tecnologia do etanol não parou nos anos 80. O etanol de segunda geração e o etanol de milho são dois excelentes exemplos disso. Se o etanol de primeira geração é sustentável por compensar, durante o crescimento da cana, a maior parte do CO2 emitido, o de segunda geração é ainda mais, pois possui uma pegada de carbono 30% menor e é produzido a partir de resíduos vegetais que seriam descartados, o que contribui para a economia circular.
Talvez esteja na hora de parar de olhar para aquilo que é bom para os outros e começar a mirar naquilo que é bom para o Brasil. Sem dúvida, as mudanças climáticas impõem diversos riscos, mas não falta no país capacidade de entregar bons resultados diante dos desafios.
*Colunista do jornal Estado de Minas.
Fonte: Estado de Minas