Por Paula Carvalho Pereda*
O setor de transporte marítimo é responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs), comparáveis às emissões de países como Alemanha e Japão. As emissões de GEEs deste setor, assim como as emissões da aviação civil, não foram abordadas no Acordo de Paris, o que levou a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), agência da ONU para o setor, a assumir um papel regulador.
Em razão da significativa contribuição do transporte marítimo para as emissões globais, os países-membros da IMO adotaram em 2018 a chamada “estratégia inicial”, que estabeleceu metas de redução das emissões absolutas de GEEs em 50% até 2050, em comparação com os níveis de 2008. No entanto, em 2023 os países revisaram essa estratégia para uma ambição ainda maior, de atingir emissões líquidas zero de GEEs do transporte marítimo internacional até 2050. Essa meta mais ambiciosa envolve o compromisso de garantir a adoção de combustíveis alternativos com baixas emissões e de medidas baseadas em mercado, como os mecanismos de precificação de carbono.
Medidas afetarão custos do transporte marítimo. A IMO também prevê, em sua estratégia, a avaliação de impacto preliminar como parte integrante de suas medidas e metas. As avaliações de impacto buscam analisar e quantificar os possíveis impactos econômicos, sociais e ambientais das medidas propostas no setor marítimo e para cada país. Embora haja o reconhecimento da importância da avaliação de impacto completa das medidas em discussão, algumas decisões foram tomadas sem a finalização da avaliação completa.
Este foi o caso do Índice de Eficiência Energética Existente (EEXI) e do Indicador de Intensidade de Carbono (CII). Desde novembro de 2022, os navios devem calcular seu EEXI e iniciar a coleta de dados para seu CII, com o objetivo de reduzir a intensidade de carbono em 40% até 2030. Os navios são classificados com base em seu desempenho relativo de intensidade de carbono e devem atingir a meta para não sofrerem penalidades. Os navios podem atender a regulação por meio da implementação de várias práticas e tecnologias, tais como: utilização de tecnologias de propulsão mais eficientes (motores de combustão mais limpos, motores elétricos ou sistemas híbridos); propulsão assistida por vela; melhoria do design dos cascos dos navios para reduzir a resistência à água; otimização das rotas de navegação e velocidade econômica para minimizar o consumo de combustível; entre outras. Essas medidas exigem investimentos significativos em tecnologia e infraestrutura, bem como cooperação internacional para garantir a conformidade e a eficácia global. Por causa dos investimentos necessários (tanto de capital quanto operacional), o custo do transporte marítimo foi (e tem sido) afetado.
Impacto negativo na economia. Por causa da nova meta de zerar as emissões líquidas até 2050, a discussão atual da IMO foca em adotar medidas baseadas em mercado e para a promoção de combustíveis mais limpos aliadas às medidas já existentes. Num estudo que coordenei na Universidade de São Paulo (USP), avaliamos a implementação de um imposto sobre o carbono no setor marítimo de US$ 50 por tonelada de GEE, considerada uma medida baseada em mercado. Mostramos que, embora a política tributária tenha o potencial de reduzir as emissões globais do transporte marítimo internacional em 7%, observa-se, também, um impacto negativo de 0,20% nas exportações globais. O impacto nas exportações é bastante heterogêneo por região, sendo os países do sul global os mais negativamente afetados. Entre os setores mais impactados por tal precificação de carbono destacam-se os de energia, agricultura e produtos minerais, com impactos relevantes sobre os preços de alimentos. Produtos importantes da pauta de exportação brasileira, como soja, óleo e farelo, fazem parte da lista.
Após considerarmos os efeitos de substituição (de parceiros comerciais e de produção doméstica) que podem decorrer do aumento de custos decorrente da aplicação do imposto, algumas regiões experimentaram impactos positivos no PIB, enquanto outras sofreram impactos negativos. Por exemplo, se excluirmos os países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o efeito do imposto sobre o carbono proposto resultará numa diminuição de 0,13% no PIB. O efeito sobre a economia de um imposto sobre o mercado se dá por causa do potencial aumento no custo de transporte, o que vai penalizar mais os mercados internacionais que estão afastados dos mercados de consumo, que transportam mercadorias com baixo valor agregado (commodities) e que não têm infraestrutura física para as adaptações necessárias nos navios para que eles se tornem mais eficientes. Nosso estudo estima um aumento de custo médio do transporte marítimo de, aproximadamente, 16,6%. A América do Sul está entre as regiões mais impactadas, assim como a Ásia Central e a África.
Brasil pode se tornar fornecedor de combustíveis limpos. O Brasil, por ser grande exportador de commodities, como o minério de ferro, derivados de petróleo e produtos agrícolas, e por estar distante dos mercados consumidores, vai sofrer grande impacto com as medidas de mercado que estão em discussão. No entanto, o Brasil pode desempenhar um papel importante na descarbonização do setor, por meio do uso de combustíveis mais limpos. Os biocombustíveis brasileiros aparecem como uma solução de baixo carbono para tecnologias existentes e custo-efetiva. Segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda mundial por biocombustíveis em 2022 atingiu um recorde de 170 bilhões de litros, superando os níveis observados antes da pandemia de covid-19.
O etanol brasileiro de cana-de-açúcar e milho foi responsável por 18,2% da produção de biocombustíveis que atendeu essa demanda. No entanto, estima-se que seja necessário um aumento na produção de biocombustíveis para ser uma possibilidade de oferta de forma segura ao setor de transporte marítimo internacional. A Empresa de Pesquisa Energética projeta que a produção de etanol no Brasil crescerá 4,1% ao ano até 2032.
O setor marítimo enfrenta desafios significativos em sua descarbonização. As medidas implementadas e em discussão são promissoras, mas também apresentam desafios econômicos para o Brasil e outros países em desenvolvimento. O Brasil, apesar dos desafios, pode se antecipar às mudanças e fomentar alternativas energéticas como os biocombustíveis e outras energias renováveis (como solar e eólica) para encontrar soluções eficazes e equitativas para a descarbonização do transporte marítimo. Essas iniciativas são fundamentais para enfrentar a crise climática global e garantir um futuro sustentável para o setor e para o País.
*Professora titular do Departamento de Economia da USP
Fonte: Estadão