“Não há uma crise generalizada no agronegócio”

“…baixas vendas antecipadas sem capacidade estática de armazenagem representaram um equívoco estratégico…” – Carlos Cogo é diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, membro do Comitê Gestor Interministerial do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis do MAPA, professor convidado na Fundação Dom Cabral e na Escola de Negócios Atitus Educação.

Cogo é formado em medicina veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pós-graduação em agronegócios pela Universidade Federal do Paraná.

AgriBrasilis – O agro brasileiro está passando por uma crise?

Carlos Cogo – Embora o país enfrente desafios, não há uma crise generalizada no agronegócio. A agricultura brasileira é altamente produtiva. Mesmo com uma área de plantio menor do que a produção total, o uso intensivo de tecnologia, como defensivos, fertilizantes e inteligência artificial, permite que o Brasil alcance altos rendimentos.

O Brasil planta 78 milhões de hectares de grãos, mas utiliza apenas 52 milhões de hectares. Isso ocorre porque muitas áreas são usadas duas a três vezes no mesmo ano (milho segunda safra, feijão terceira safra, algodão de segunda safra etc.). Como resultado, o setor registrou saltos de 5% ao ano.

Em 2023, houve uma safra recorde de mais de 320 milhões de toneladas. No entanto, a falta de planejamento dos agricultores para comercializar essa safra gerou desafios. Os preços internacionais das commodities agrícolas caíram, e a valorização do Real frente ao Dólar também impactou o setor. Em 2024, a estratégia se repetiu: baixas vendas antecipadas sem capacidade estática de armazenagem representaram um equívoco estratégico, que culminou em pressão de baixa sobre os preços e recuo das margens. Isso acabou sendo amplificado pelas quebras na safra de soja.

AgriBrasilis – Por que há tanta discordância sobre crise no setor e em relação à quebra de safra?

Carlos Cogo – Os produtores não entenderam como a quebra de safra na soja não provocou alta dos preços. A metodologia do governo e das grandes consultorias do País não mudou: é a mesma hoje do que a utilizada quando a soja valia mais do que R$ 200 por saca. Não há motivos para desconfianças e acusações de manipulações. Apesar das quebras climáticas, o Brasil ainda deverá ter a segunda maior safra de soja da história em 2024, entre 145 milhões e 147 milhões de toneladas, ficando atrás apenas das 154,6 milhões de toneladas colhidas em 2023.

O produtor brasileiro esperava que os preços futuros subissem devido à provável redução da oferta nacional de grãos. No entanto, a produção argentina é um fator importante nesse cenário, com previsão de atingir 52 milhões de toneladas, 30 milhões de toneladas a mais do que na temporada anterior. E a safra da América do Sul deve atingir um recorde de 218 milhões de toneladas. Isso mais do que compensa as quebras no Brasil.

AgriBrasilis – A margem líquida da soja no Cerrado “é a pior da história”. Quais serão as consequências? O sojicultor vai ter dificuldade de pagar as contas?

Carlos Cogo – A margem atual é a pior da nossa série histórica iniciada em 2009/2010. A rentabilidade do produtor caiu muito este ano, mas foi muito boa em anos anteriores. Agora, se os resultados positivos (e muito) das safras anteriores desapareceram e não há estoque de capital e ativos para viabilizar a passagem por um ciclo com resultados negativos, há um erro de gestão. Dificuldades de pagar contas devem ser negociadas de forma consensual com os credores e agentes financeiros.

AgriBrasilis – Qual é sua avaliação sobre o aumento das recuperações judiciais?

Carlos Cogo – Não há razões econômicas para justificar pedidos de recuperação judicial de produtores rurais. Os agentes de mercado da soja podem encontrar soluções para os produtores que tiveram quebra de safra por questões climáticas, viabilizando a recuperação nas safras futuras, sem necessidade de judicialização.

Os produtores que estão optando pela recuperação judicial não têm justificativas econômicas, patrimoniais e contábeis que justifiquem essa decisão. Vale lembrar que o Congresso aprimorou a lei da CPR [Cédula de Produtor Rural]. Se financiada a produção, vendida a safra futura de forma antecipada e sendo essa transação executada por meio de uma CPR física, ou seja, representando a produção, tal produção está excluída da recuperação judicial do produtor rural. Mesmo com pedido de recuperação judicial (RJ) aceito, a lei define que a produção vendida via CPR precisa ser entregue ao comprador. Essa mudança legal ajudou a reduzir as inseguranças associadas à RJ, dando transparência à negociação entre partes. Em muitos casos, a RJ está sendo oferecida como mecanismo de renegociação. O total de recuperação judicial, apontada no relatório de março/2024 da Serasa Experian representa 0,00032% do universo dos produtores rurais. Esse número é insignificante. O que está ecoando é que as RJs cresceram 535%. De uma base quase zerada, qualquer aumento se torna estatisticamente grandioso.

AgriBrasilis – Qual é o impacto das quebras da safra 2023/24 de soja e milho?

Carlos Cogo – Os impactos são: perda de divisas para o Brasil, redução das exportações, queda da rentabilidade, forte redução de novos investimentos em maquinário, silos e irrigação.

AgriBrasilis – “Houve uma perda de 30% no preço da soja na safra passada por erro de estratégia”. Por quê? Os preços da soja devem piorar no curto prazo?

Carlos Cogo – Os prêmios nos portos brasileiros estão negativos devido às baixas vendas antecipadas da atual safra. Sem capacidade estática de armazenagem suficiente no Brasil, o produtor precisa deslocar a soja para o porto, pressionando o Basis [diferença entre o preço físico praticado em determinada região local e o preço no mercado futuro de uma mesma commodity].

Apesar das quebras climáticas, o Brasil ainda deverá ter a segunda maior safra de soja da história em 2024, entre 145 milhões e 147 milhões de toneladas, ficando atrás apenas das 154,6 milhões de toneladas colhidas em 2023. O produtor brasileiro esperava que os preços futuros subissem devido à provável redução da oferta nacional de grãos. No entanto, a produção argentina é um fator importante no cenário atual, com previsão de atingir 52 milhões de toneladas, 30 milhões de toneladas a mais do que na temporada anterior. E a safra da América do Sul deve atingir recorde de 218 milhões de toneladas. Isso mais do que compensa as quebras no Brasil. Os preços da soja devem subir nos próximos meses, com os prêmios melhorando gradualmente nos portos.

AgriBrasilis – O que podemos esperar para a safra 2024/25?

Carlos Cogo – Custos de produção estáveis ante a safra atual, recuperação da produtividade e da produção. A precificação do risco do La Niña deverá gerar momentos interessantes para o saldo da safra atual e para fixações e vendas antecipadas da safra 2024/2025. Será um ano para recuperar a safra e deixar a safra atual para trás.

Fonte: AgriBrasilis