Na despedida da Raízen, um trimestre com sabor amargo para Mussa

Ricardo Mussa – Foto: Victor Affaro/Forbes

Por Italo Bertão Filho

Não foi exatamente a despedida esperada por Ricardo Mussa. Em sua última conferência com analistas na função de CEO da Raízen, cargo que ocupou por cinco anos, o executivo – que agora passa a atuar em nova frente na estrutura da controladora Cosan – sentiu o sabor amargo de um prejuízo no balanço e dos questionamentos sobre a estratégia da companhia.

Na manhã desta quarta-feira, dia 13 de novembro, ele falou de um trimestre agitado na maior companhia sucroenergética do País. Primeiro, em meados de agosto, veio o fogo das queimadas, que tomaram conta dos canaviais paulistas e afetaram 7% da cana a ser processada pela companhia, representando um total de quase 7 milhões de hectares.

Em paralelo, logo após, em setembro, a planta produtora de etanol de segunda geração, localizada em Bonfim, em Guariba (SP), que começou a operar há pouco mais de um ano, teve de interromper temporariamente suas atividades por algumas semanas por problemas na fundação da planta.

No fim de outubro, mais novidades, justamente com a dança das cadeiras no alto escalão do grupo de Rubens Ometto, que transportou Mussa para a presidência da Cosan Investimentos, braço responsável pela alocação de capital do grupo. Em seu lugar, assume Nelson Gomes, que comandava a Cosan desde janeiro passado. Assim, os resultados apresentados por Mussa foram agridoces, com os problemas pontuais limitando o número final.

A companhia registrou um prejuízo líquido ajustado de R$ 96,7 milhões no período, sob efeito de redução das margens dos negócios de Mobilidade e de Renováveis – na qual entra o etanol – e aumento de despesas contábeis. Já na receita líquida, houve um pequeno avanço de R$ 72,9 milhões, impulsionado pela aceleração do volume de comercialização de açúcar e etanol.

O Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado ficou em R$ 3,6 bilhões, recuo de 1,7% em relação ao mesmo período do ano passado, com os bons resultados do açúcar no trimestre comprometidos pelo desempenho mais fraco da área de mobilidade e renováveis.

O volume de vendas de açúcar avançou 53,6% no trimestre, para 5,017 milhões de toneladas, ante 3,266 milhões de toneladas no mesmo período do ano passado, enquanto que o de etanol cresceu 24,6% no período, passando a 1,749 milhão de metros cúbicos, ante 1,404 milhão de metros cúbicos há um ano.

No acumulado da safra até agora, a Raízen registrou uma moagem de 63,7 milhões de toneladas de cana, volume levemente menor que no mesmo período do ano passado, quando havia feito uma moagem de 64,3 milhões de toneladas. A produção de açúcar caiu 7,4% entre julho e setembro, a 4,257 milhões de toneladas, ante 4,595 milhões de toneladas há um ano, enquanto que a produção de etanol avançou 5,9%, atingindo 2,490 milhões de metros cúbicos.

O índice de produtividade da empresa, que calcula o quanto de ATR por hectare cultivado, ficou em 11,1 no trimestre, queda de 9,9% na comparação anual. O mix de produção no período ficou em 51% para açúcar e 49% para etanol. Há um ano, a proporção era de 55% e 45%, respectivamente. E o clima seco e as queimadas desafiaram a produtividade da cana no período.

“A qualidade mais baixa da cana gerou desafios à eficiência industrial e à cristalização do açúcar, afetando especialmente o mix de produção”, afirmou a companhia no relatório de apresentação dos resultados. A Raízen espera uma moagem entre 78,5 milhões de toneladas a 80 milhões de toneladas na safra 2024/2025. “Vale ressaltar que o mercado estima uma queda de 9% na indústria, o que evidencia a materialização dos investimentos realizados na renovação dos canaviais”, afirma.

Mas as chuvas das últimas semanas trouxeram alívio para a Raízen, segundo disse Mussa em teleconferência com analistas. “A gente está otimista agora para o ano que vem, porque está chovendo na hora certa, na hora que tinha que chover”, disse Mussa. Com a chuva, há menor produção de açúcar e etanol no curto prazo, segundo o executivo. “Isso mostra que a gente deve ter preços melhores, construtivos, tanto para o etanol e também para o açúcar nesse entressafra”, diz.

Em paralelo aos resultados, a companhia fechou a venda de 900 mil toneladas de cana, no valor de R$ 381 milhões, para a Usina Alta Mogiana, em São Joaquim da Barra (SP). Mussa afirmou que a transação vai trazer redução de custos para unidades da Raízen localizadas no “cluster” de Ribeirão Preto: as usinas Santa Elisa, em Sertãozinho, e Vale do Rosário e MB, ambas em Morro Agudo. Essa última, inclusive, entrará em processo de hibernação. Ele explica que as unidades são usinas de “calda”, menores, com menor sinergia e que não têm planos de investimento em etanol de segunda geração por não terem volume suficiente de produção para esse tipo de combustível.

“Vamos melhorar a rentabilidade da Vale do Rosário e da Santa Elisa de forma significativa. Esse é um projeto que vai ter impacto acima de R$ 500 milhões de reais na geração de caixa, porque vai ter o benefício da venda da usina e o benefício da redução do custo do canavial”, afirmou.

Reação do mercado

O mercado, acostumado a ouvir números positivos de Mussa, reagiu mal ao novo relatório. Por volta das 13h10, os papeis da companhia na B3 apresentavam queda de 4,53%, cotados a R$ 2,53, ante R$ 2,65 no fechamento anterior. Para a XP Investimentos, em relatório assinado por Leonardo Alencar, Pedro Fonseca e Samuel Isaak, os resultados foram mistos, sob impulso “principalmente por maiores vendas de etanol, embora permaneçam posicionados para capturar melhores oportunidades na entressafra, juntamente com desempenhos positivos no açúcar, especialmente no trading.”

A casa destaca que o recuo do Ebtida ajustado também esteve relacionado ao etanol, com “mix pior entre hidratado/anidro vs. usos especiais e exportações”. O BTG Pactual também concluiu que os resultados foram mistos, em relatório após a divulgação dos resultados, assinado por Thiago Duarte, Pedro Soares e Henrique Pérez.

Para a instituição, a queda da produtividade da cana indica que os custos unitários de caixa ainda estão altos neste ano, mas os maiores preços realizados de açúcar (aumento de 6% a/a no trimestre) conseguiram garantir uma margem de açúcar muito melhor”, afirma o BTG. Já em relação à margem do etanol, o BTG espera que os preços melhorem “à medida que nos aproximamos da temporada de entressafra.”

Etanol de segunda geração

A Raízen também reportou um aumento expressivo de produção de etanol de segunda geração (E2G), um dos principais legados da gestão Mussa, passando de 8,6 milhões de metros cúbicos há um ano para 15 milhões de metros cúbicos entre julho a setembro deste ano. No acumulado entre abril e setembro, o volume foi de 31,2 milhões de metros cúbicos, ante 16,3 milhões de metros cúbicos no mesmo período do ano. No período, entrou em operação a unidade de Bonfim – localizada na cidade de Guariba (SP) e que começou a produzir em outubro do ano passado. É a segunda do grupo para a produção de E2G, ao lado da planta Costa Pinto, localizada em Piracicaba (SP).

No meio do caminho, porém, houve um pequeno engasgo na nova planta: em setembro passado, a unidade ficou parada durante 22 dias para um reforço estrutural, mas já retomou suas atividades. “A gente não previa ter um problema na fundação civil de um tanque e isso é um erro nosso. Isso prejudica a produtividade, então, temos que ter certeza que nas novas plantas, não vamos cometer os mesmos erros que a gente teve na Bonfim no start da planta”, admitiu Mussa.

Os volumes de produção ainda estão abaixo da capacidade nominal, mas Mussa demonstrou otimismo à frente. “A gente já conseguiu bater na Bonfim diversos recordes de produção, tanto diário como semanal, que dão para a gente a confiança de que após esse ramp up, vamos chegar lá”, afirma.

Outras duas plantas – Univalem, em Valparaíso (SP), e Barra, em Barra Bonita (SP), estão em fase de comissionamento. A ideia da companhia é chegar ao fim da safra 2024/20255 com quatro unidades produzindo E2G, com produção e exportação de mais de 80 milhões de ltiros de etanol celulósico. O projeto da Raízen é ter nove unidades produtoras de E2G até o fim da década, alcançando uma capacidade de produção de 680 mil metros cúbicos na safra 2029/2030.

Fonte: AGFeed