Por Raphaela Ribas
Depois das divergências sobre os dividendos extras da Petrobras, o projeto de lei “Combustível do Futuro”, que define metas verdes para o setor, abre um novo capítulo na crise no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre o presidente da estatal, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira.
Nesta semana, durante a CERAWeek 2024, um dos maiores eventos de energia do mundo, realizado no Texas, nos Estados Unidos, Prates afirmou em entrevista à Agência EPBR que vai pedir alterações no projeto. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados semana passada e que agora tramita no Senado.
Além de criticar as metas do biodiesel, Prates defendeu a inclusão do diesel coprocessado no programa. Chamado de “diesel R”, ele é produzido a partir do coprocessamento de diesel fóssil com óleo vegetal ou gordura animal na refinaria. Prates defendeu que o “R” deve ser considerado biodiesel, pois, embora tenha conteúdo mineral, é renovável.
No dia seguinte, em fala no mesmo evento e à mesma agência, Silveira se posicionou contra a inclusão do diesel R no programa. O ministro de Minas e Energia disse que essa foi uma posição adotada pelo governo em prol da geração de emprego e renda, em apoio à expansão da agroindústria, e em favor da exclusividade do biodiesel.
“É uma nova indústria, uma indústria que nós queremos fortalecer, que gera emprego, gera renda, gera divisas, fortalece a nossa grande vocação de produtores tanto na agricultura familiar, que nós fortalecemos na questão do biodiesel, já na primeira reunião do Conselho Nacional de Política Energética [em 2023]”, defendeu Silveira à EPBR.
Misturas de biodiesel e etanol
O apoio – e nó da questão – a que o ministro se refere está relacionado ao aumento de misturas de biodiesel e etanol nos combustíveis. O assunto vem causando polêmica e já teve várias reviravoltas.
O setor do agronegócio diz que o diesel da Petrobras não pode ser comparado com o biodisel, pois ele ainda contém petróleo.
O projeto de lei do Combustível do Futuro foi aprovado em 13 de março com folga na Câmara dos Deputados e com alterações no texto original, após pressão do agronegócio – que teve apoio de Minas e Energia e Casa Civil. Inicialmente, a proposição previa o aumento gradual da mistura de biodiesel no diesel de 14% para 20% até 2030. A medida, porém, era questionada pelo setor.
Na versão final, os deputados aprovaram essa parte. Entretanto, a adição deve considerar o volume total e caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) avaliar a viabilidade das metas de aumento da mistura, reduzir ou aumentar a mistura de biodiesel em até dois pontos percentuais. A partir de 2031, a mistura deverá ficar entre 13% e 25%.
Já a margem de mistura de etanol à gasolina passará de 22% a 27%, podendo chegar a 35%. Atualmente, a gasolina deve ter, no mínimo, de 18% de etanol, e, no máximo, 27,5%.
De acordo com o Valor, a Petrobras argumentou, durante a tramitação na Câmara, que o aumento de mistura do biodiesel no diesel pode prejudicar a estatal no mercado, especialmente nesse momento de retomada e investimentos como robustos, como o da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cuja previsão de aportes soma entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões.
O projeto de lei agora segue para o Senado, onde Prates aposta que conseguirá as alterações no texto que não vingaram na Câmara. A escolha do relator na casa já é vista como uma vitória.
Segundo o Valor, havia expectativa de que o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, seria o relator do Combustível do Futuro na Casa, e de que ele manteria os pontos aprovados. Prates, entretanto, articulou a indicação de Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), 1º vice-presidente do Senado, considerado mais aberto ao diálogo sobre esses temas.
“Essas coisas têm que ser muito conversadas. Eu acredito que o trabalho do senador Veneziano, apontado como possível relator do PL agora, […] vai tentar fazer, provavelmente, um trabalho realmente de relatoria mais preocupada com essa segunda fase […] Por isso, é bom ter o bicameralismo, você tem que ter aquela calibragem disso aí. O princípio é bom de indução, mas a calibragem desses instrumentos de indução tem que ser discutidas também fora da questão de prender uma rota tecnológica”, disse Prates à EPBR.
Outro questionamento de Prates foi quanto à rota tecnológica que está sendo escolhida para substituir o diesel inteiramente fóssil. Na avaliação dele, as empresas devem estar livres para escolher suas tecnologias, fontes e combustíveis no processo.
“A legislação não pode ser transformar em instrumento de proteção a rotas tecnológicas. Toda a história da transição energética tem um objetivo, que é reduzir emissões. E não tirar pessoas do jogo”, avaliou o presidente da Petrobras.
O presidente Lula não se posicionou oficialmente ainda sobre o tema do biodiesel, nem declarou apoio claro a nenhuma dos lados dessa disputa, que também envolve membros do governo.
Sobre os dividendos, porém, o chefe do Executivo seguiu a opinião de Silveira de reter o pagamento dos dividendos extraordinários.
Fonte: Gazeta do Povo