La Niña deve impactar produção de açúcar no mercado global

Laleska Moda

Laleska Moda*

O mercado de commodities agrícolas está estritamente ligado com os padrões climáticos, como La Niña e El Niño, devido ao impacto destes na oferta dos produtos. A depender do estado de desenvolvimento da safra em questão, esses fenômenos climáticos podem tanto beneficiar quanto prejudicar o rendimento do produto agrícola.

Assim, pretendo me aprofundar um pouco mais nos possíveis cenários e riscos para o setor sucroenergético com essa mudança climática. Primeiramente, é importante destacar que houve uma mudança nas expectativas iniciais, com a transição do El Niño para La Niña devendo ocorrer um pouco mais tarde do que o previsto, entre o final do segundo trimestre e o início do terceiro trimestre.

Com isso, o La Niña deverá ter seu maior efeito no terceiro trimestre, trazendo algumas mudanças nos possíveis impactos nas lavouras de cana e beterraba açucareira.

Antes de discutirmos os possíveis efeitos do La Niña, é importante entender as condições ideias de cultivo da cana-de-açúcar e beterraba, as matérias primas na produção de açúcar e etanol. Ambas as culturas necessitam de chuvas no período de desenvolvimento, porém, enquanto a cana é adequada para climas subtropicais, a beterraba é típica de climas temperados, tolerando menores temperaturas.

Ainda assim, condições extremas (seca, calor e frio) afetam a produtividade dessas culturas. Como exemplo, em 2022/23, tanto a produção do Brasil como da EU foram afetadas por secas no verão e um inverno mais rigoroso. Portanto, entender quais as mudanças climáticas trazidas pelo La Niña e em qual período – uma vez que cada país e região tem seu calendário de safra – pode nos trazer algumas perspectivas para os próximos meses.

Um evento La Niña se caracteriza pela diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental e pela consequente intensificação dos ventos alísios, que empurram ainda mais água quente para a Ásia, reduzindo significativamente a temperatura da costa oeste das Américas.

Mas então, quais seriam os efeitos de um La Niña na produção de açúcar ao redor do globo?

  1. Brasil: No país, um evento moderado tende a trazer um inverno mais seco no Centro-Sul, podendo beneficiar a colheita da safra 2024/25. Entretanto, um La Niña mais intenso poderia trazer geadas e incêndios levando à rendimentos mais baixos e aceleração do ritmo de moagem. Além disso, caso o período de seca se estenda durante a primavera – uma vez que o La Niña deve ser mais intenso no terceiro trimestre – o desenvolvimento da temporada 2025/26 poderia ser prejudicado, assim como em 2020/21, quando o Brasil registrou moagem de apenas 523 milhões de toneladas.
  2. Índia: Um La Niña moderado traz a chance de um período de monções favorável. O governo indiano, inclusive, apontou recentemente que a maior parte do país provavelmente receberá monções acima da média, o que deve auxiliar no desenvolvimento da safra açucareira 2024/25. No entanto, se muito intenso, pode trazer inundações.
  3. Europa: De forma geral, os padrões climáticos têm pouco efeito e correlação com precipitações e temperaturas no bloco, sendo que tanto um La Niña ou um El Niño podem ser responsáveis por um leve aumento na precipitação entre março e agosto, podendo favorecer o estágio de desenvolvimento da beterraba. Entretanto, um evento La Niña pode levar à menores volumes de precipitações durante setembro a novembro, durante o pico de colheita da beterraba, o que pode auxiliar nos trabalhos de campo.
  4. América Central: Um La Niña moderado tende a intensificar as chuvas durante a fase de desenvolvimento da cana (junho a setembro), podendo ser benéficas para a produção, caso não sejam em excesso. Neste último cenário, as precipitações podem atrasar ou atrapalhar o ritmo da safra, além de poderem reduzir o teor de sacarose. Além disso, vale destacar que o evento pode intensificar temporada de furacões na região, potencialmente trazendo danos às lavouras.
  5. Tailândia: O La Niña tem baixa correlação climática com o nível de precipitações e temperatura no país entre setembro e novembro, mas, caso muito intenso, poderia levar à menores níveis de chuvas. A maior correlação do evento, no entanto, ocorre entre março e maio, podendo trazer seca justamente no período de colheita na Tailandia, o que beneficiaria as atividades.

Em resumo, eventos climáticos como o El Niño e La Niña tendem a trazer impactos (positivos ou negativos) na produção commodities agrícolas como o açúcar. Os próximos meses serão justamente marcados pela transição – ainda que mais tarde do que prevista – do primeiro evento para o La Niña.

Os impactos desse evento na produção açucareira variam de região para região e, também, pela intensidade do fenômeno. Um La Niña moderado pode beneficiar a produção de açúcar, trazendo um inverno mais seco no Centro-Sul e uma estação de monções acima da média.

Porém, se muito intenso, ele pode provocar inundações e reduzir a incidência de luz solar no Hemisfério Norte, intensificar temporada de furacões na América Central e ameaçar o desenvolvimento da safra 2025/26 no Centro-Sul.

*Analista de inteligência de mercado da Hedgepoint Global Markets.

Fonte: NovaCana