Por André Catto
Quem tem acompanhado o noticiário percebeu que o principal destaque é a disparada do dólar. E nesta terça-feira (2) não foi diferente. A moeda norte-americana teve uma nova alta, de 0,22%, e fechou cotada a R$ 5,66 — o maior valor em dois anos e meio.
Só em 2024, o avanço do dólar em relação à moeda brasileira já é de 16,75%. Com esse desempenho, o real já se tornou uma das moedas que mais se desvalorizaram no ano até aqui: entre 118 moedas, o real era a quinta com a maior desvalorização até meados de junho, segundo levantamento da Austin Rating.
O avanço mais recente do dólar tem sido atribuído por especialistas, principalmente, às repetidas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo tom tem desagradado agentes do mercado financeiro. Hoje, o presidente chegou a afirmar que “há um jogo de interesse contra o real”.
Grande parte das falas de Lula tem sido de fortes críticas sobre a atuação do Banco Central do Brasil (BC) e, em especial, do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.
Mas outros fatores importantes também têm entrado na conta do dólar, como a queda na expectativa de cortes nos juros dos Estados Unidos e o cenário fiscal brasileiro, em meio ao desafio do governo de buscar o déficit zero em 2024 (ou seja, ter gastos ao menos iguais à arrecadação).
Ainda no cenário externo, a corrida pela Casa Branca também está no radar. Investidores estão avaliando os possíveis resultados nas eleições norte-americanas, em que Joe Biden tenta a reeleição contra Donald Trump, que busca voltar ao cargo quatro anos após o fim de seu governo.
Para especialistas, um eventual retorno de Trump à presidência dos EUA pode representar queda de impostos e um avanço do protecionismo na maior economia do planeta. Os resultados tendem a ser uma taxa de juros mais alta no país, fortalecendo, assim, o dólar.
Fatores como os juros dos EUA e as eleições são temas que afetam não só a moeda brasileira, mas todas as nações emergentes — que sentem o avanço do dólar a nível mundial. A questão, no entanto, é que a arrancada está mais veloz no Brasil por questões internas.
E com a forte desvalorização do real e disparada do dólar, há temores de que a economia brasileira possa sofrer, a começar pela inflação, que já é de 2,27% em 2024, já que muitos dos nossos produtos são importados.
Veja abaixo a cronologia da disparada do dólar, com os principais fatos que a causaram:
7 de junho: dólar vai a R$ 5,32
Naquela sexta-feira, o dólar subiu 1,42% e fechou a R$ 5,3242, o maior patamar em mais de um ano e meio. Na ocasião, o foco foi externo: investidores seguiram de olho nos sinais sobre o futuro dos juros dos Estados Unidos.
As incertezas sobre a postura do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) na condução dos juros do país ocorreram porque, naquele dia, dados do mercado de trabalho no país vieram mais fortes do que o esperado.
Mais vagas de empregos e salários mais altos significam uma economia mais aquecida, o que pode resultar em uma inflação mais elevada. Essa é a lógica considerada pelo Fed para manter os juros do país mais altos e, assim, tentar conter a inflação.
Mas como isso impacta o dólar? Juros mais altos nos Estados Unidos jogam a favor do dólar, já que tornam os rendimentos norte-americanos mais atraentes para investidores estrangeiros. Ou seja, se investidores tiram dólar do Brasil e levam aos EUA, o real perde força.
12 de junho: dólar chega a R$ 5,40
Quarta-feira, Dia dos Namorados no Brasil e dia de decisão sobre os juros nos Estados Unidos. Mas o clima não foi tão amável para a moeda brasileira: o dólar engatou a 4ª alta seguida e fechou cotado a R$ 5,4066, sob impactos externos e internos.
Lá fora, o Fed decidiu manter os juros dos EUA inalterados em uma faixa de 5,25% a 5,50% ao ano. A leitura mais importante, no entanto, ficou com a sinalização da autoridade monetária sobre o futuro dos juros norte-americanos.
A indicação foi que os responsáveis pela política monetária do país pretendem cortar a taxa de juros apenas uma vez até o final 2024. Com isso, ficou a estimativa de apenas um corte de 0,25 p.p (ponto percentual) este ano. E juros mais altos favorecem a força do dólar.
O destaque interno ficou com Lula. O mercado inverteu o sinal positivo após o presidente discursar em um evento, defendendo que a economia não pode deixar de lado o social.
“Todos os debates que se fazem se tratando de economia, a gente fala de um monte de coisa, mas me parece que os problemas sociais não existem. Eles existem. Estão nos nossos calcanhares, estão nas nossas portas, estão nas ruas”, disse Lula.
Foi a primeira declaração do presidente sobre as pressões que o governo já vinha sofrendo para que reduzisse gastos. Na visão do mercado financeiro, não há uma predisposição da gestão Lula para o controle fiscal. E a resposta veio em mais uma alta da moeda norte-americana.
18 de junho: dólar a R$ 5,43
Naquela terça-feira, o dólar fechou em alta de 0,22%, cotada a R$ 5,4335, após uma entrevista de Lula à Rádio CBN, em que ele critica o BC e seu presidente, Roberto Campos Neto.
Na ocasião, Lula disse que o BC é a “única coisa desajustada” no Brasil e que o presidente da instituição “trabalha para prejudicar o país”.
“Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está”, afirmou Lula.
Lula disse que Campos Neto tem pretensões políticas, e sugeriu que ele pode assumir um cargo no Governo do Estado de São Paulo quando seu mandato no BC acabar.
“A quem esse rapaz é submetido? Como vai a festa em SP quase assumindo candidatura a cargo no governo de SP? Cadê a economia dele?”, questionou o presidente, fazendo menção a um encontro de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
O mandato de Campos Neto acaba em 2024, e Lula afirmou que vai indicar para seu lugar alguém com “compromisso com o crescimento do país”.
Em 19 de junho, a moeda brasileira ultrapassou a da Argentina e a do Japão e saltou da 7ª para a 5ª colocação entre as que mais se desvalorizaram frente ao dólar.
20 de junho: dólar a R$ 5,46
A alta de 0,38% naquela quinta-feira levou o dólar a R$ 5,46, marcando, então, o maior nível da moeda norte-americana já registrado no governo Lula.
O movimento acompanhou o avanço da moeda no exterior, em dia de alta dos rendimentos dos Treasuries (títulos do Tesouro norte-americano). Investidores também repercutiram as falas de Lula após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que havia acontecido um dia antes, sobre os juros no país.
O colegiado tinha decidido manter a Selic, taxa básica de juros, inalterada em 10,50% ao ano. O presidente lamentou a decisão dos diretores e afirmou que o povo brasileiro é quem mais perde.
“A decisão do Banco Central foi investir no mercado financeiro e nos especuladores. Nós queremos investir na produção”, afirmou Lula durante entrevista à Rádio Verdinha, em Fortaleza.
26 de junho: dólar a R$ 5,51
Na última quarta-feira (26), o dólar fechou em alta e chegou a R$ 5,5188, maior nível desde janeiro de 2022. Era dia de novos dados da prévia da inflação brasileira, que veio abaixo das expectativas, mas com aumento preocupante em preços de alimentos e núcleo de serviços.
Também foi mais um dia marcado por fala de Lula, que voltou a criticar a decisão de juros, tomada pelo Copom uma semana antes. O presidente disse ainda que o governo está analisando os cortes de gastos.
“O gasto está sendo bem feito? O dinheiro está sendo utilizado para alguma coisa que vai melhorar o futuro deste país? Eu acho que está”, disse o presidente.
“Nós estamos agora fazendo uma análise aonde é que tem gasto exagerado, aonde é que tem gasto que não deveria ter, aonde é que tem pessoas que não deveriam receber e que estão recebendo. Isso com muita tranquilidade, sem levar em conta o nervosismo do mercado. Levando em conta a necessidade de manter política de investimento.”
Segundo Lula, a questão não é cortar, mas ter um panorama claro do que fazer. “O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se a gente precisa aumentar a arrecadação”, continuou.
Na visão do mercado financeiro, essa relativização da necessidade de cortar gastos significa uma relutância do governo, o que poderia comprometer o controle fiscal.
Naquela quarta-feira, também entrou na conta do dólar uma declaração de Michelle Bowman, diretora do Federal Reserve. Ela reiterou sua opinião de que manter a taxa de juros dos Estados Unidos estável “por algum tempo” provavelmente será suficiente para deixar a inflação sob controle.
Recapitulando: a tendência de juros norte-americanos elevados por mais tempo também pesa contra o real.
28 de junho: dólar a R$ 5,58
Na sexta-feira, o câmbio teve mais um dia ruim após Lula voltar a criticar o Banco Central. Em entrevista à rádio O Tempo, o presidente disse que o patamar de juros no Brasil “vai melhorar” quando ele indicar o próximo presidente do BC.
A declaração traz receio ao mercado, que entende a fala como uma sinalização de que o novo presidente vai promover quedas forçadas na taxa básica de juros, a Selic.
Um dia antes, outras falas do presidente já tinham repercutido mal — com reflexos negativos no real. Lula criticou as perspectivas de investidores e do mercado financeiro sobre uma aposta no enfraquecimento da moeda brasileira e em uma piora da economia brasileira. “Quem estiver apostando em derivativo vai perder dinheiro nesse país. As pessoas não podem ficar apostando no fortalecimento do dólar e no enfraquecimento do real”, declarou.
A sucessão de falas do presidente resultou em uma alta de 2,71% do dólar na última semana, quando fechou cotado a R$ 5,5884.
1º de julho: dólar a R$ 5,65
O início de julho não foi diferente. Com mais uma alta de 1,15% na segunda-feira (1º), a moeda norte-americana fechou cotada a R$ 5,65, atingindo seu maior valor em dois anos e meio.
Novas declarações de Lula foram, mais uma vez, o destaque da alta da moeda. Dessa vez, o presidente afirmou que o próximo presidente do Banco Central olhará para o Brasil “do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala”. “Estou há dois anos com o presidente do Banco Central do [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Não é correto isso”, afirmou, ponderando que a autonomia do BC foi aprovada pelo Congresso Nacional e será respeitada.
“Eu tenho que, com muita paciência, esperar a hora de indicar o outro candidato, e ver se a gente consegue ter um presidente do Banco Central que olhe o país do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala”, acrescentou, destacando que “quem quer BC autônomo é o mercado”.
Mais uma vez, a fala do presidente é vista pelo mercado financeiro como uma tendência de interferência na autoridade monetária, receio que fortalece o dólar frente ao real.
2 de julho: dólar a R$ 5,66
Em entrevista à Rádio Sociedade, em Salvador (BA), Lula disse nesta terça-feira (2) que há um “jogo de interesse especulativo” contra o real e que a alta do dólar após as críticas feitas por ele ao BC e a Campos Neto “não têm explicação”.
A moeda norte-americana fechou em alta de 0,22%, cotada a R$ 5,6652. Na máxima do dia, chegou a R$ 5,7007.
“É um absurdo. Obviamente me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país”, afirmou Lula. “Eu tenho conversado com as pessoas o que a gente vai fazer. Estou voltando quarta-feira, vou ter uma reunião. Não é normal o que está acontecendo”, continuou.
O presidente também voltou a defender que o BC seja autônomo e reafirmou que Campos Neto tem viés político. “A gente precisa manter o Banco Central funcionando de forma correta, com autonomia, para que o presidente do Banco Central não fiquei vulnerável às pressões políticas”, disse. “Quando você é autoritário você resolve fazer com que o mercado se apodere de uma instituição que deveria ser do Estado. Ele não pode estar à serviço do sistema financeiro, ele não pode estar à serviço do mercado.”
Além das falas de Lula, o mercado também ficou mais de olho na corrida eleitoral dos Estados Unidos. Nesta terça, o dólar avançou em relação às principais moedas de países emergentes em meio às preocupações de um fortalecimento de Donald Trump rumo à Casa Branca.
Fonte: G1