Itália ajuda Brasil a promover biocombustíveis na Europa

Modelos a Biodiesel da Volkswagen (Foto: Divulgação/Volkswagen)

A colaboração entre diplomatas brasileiros e italianos demonstrou ser crucial na busca por apoio europeu para a agenda de biocombustíveis. Diversas reuniões em fóruns internacionais, realizadas ao longo do ano, culminaram em um avanço significativo nas negociações internas da União Europeia (UE) sobre mudanças climáticas, um tema que tradicionalmente demonstra resistência à produção de combustíveis derivados de matérias-primas orgânicas.

Recentemente, a Itália conseguiu uma importante vitória ao persuadir o Conselho Europeu do Ambiente — que reúne os ministros responsáveis pela área — a conceder um reconhecimento oficial ao papel dos biocombustíveis no transporte rodoviário. Essa decisão é particularmente relevante, uma vez que o bloco europeu está concentrado majoritariamente na eletrificação de veículos para a próxima década como principal estratégia de descarbonização.

O governo brasileiro enxerga a União Europeia como um mercado vital para o crescimento do setor de biocombustíveis. Suas políticas ambientais, que estão entre as mais avançadas do mundo, criam uma demanda potencial considerável. A indústria nacional vislumbra um aumento de oportunidades impulsionado pelas exigências do bloco, que obrigam setores como transporte e indústria química a reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.

O Desafio do ceticismo: Alemanha e a competição com alimentos

Apesar dos avanços diplomáticos, os reguladores europeus demonstram persistente ceticismo em relação à agenda dos biocombustíveis. A posição da Alemanha — que exerce uma das influências mais significativas nas diretrizes ambientais da UE — sustenta que esses combustíveis competem diretamente com a produção de alimentos, elevando, consequentemente, o risco de insegurança alimentar global.

Adicionalmente, há preocupações europeias sobre o impacto da produção de matéria-prima para esses combustíveis no desmatamento e na capacidade de absorção de carbono pela floresta.

Diante deste cenário, as principais estratégias de descarbonização adotadas pelo bloco giram em torno da eletrificação e do desenvolvimento de uma cadeia de hidrogênio verde, gerado a partir da separação das moléculas da água utilizando energia renovável.

No contexto atual da UE, os biocombustíveis são geralmente aceitos somente quando não derivam de culturas alimentares. Essa condição restritiva exclui produtos como milho, soja e cana-de-açúcar, nos quais o Brasil é altamente competitivo e possui vasto know-how.

A visão distinta da Itália e a indústria automobilística

A Itália, que possui uma influência política menor na UE em comparação com a Alemanha, adota uma perspectiva distinta. O governo italiano acredita que os biocombustíveis podem desempenhar um papel fundamental na redução das emissões de carbono sem a necessidade de impor mudanças drásticas na produção industrial, especialmente na sua indústria automobilística.

Sob a liderança da primeira-ministra Giorgia Meloni, o governo italiano tem pressionado para que a UE considere os biocombustíveis como alternativas viáveis à gasolina e ao diesel no transporte rodoviário. A principal preocupação dos italianos é que uma transição forçada e completa para veículos elétricos possa prejudicar sua própria indústria automobilística, que ainda é menos desenvolvida em comparação com a chinesa — cujas montadoras já conquistaram quase 10% do mercado europeu.

Nesta semana, em negociações com representantes alemães, Meloni conseguiu implementar uma sugestão regulatória que enfatiza que o uso do solo tem potencial para contribuir com a transição ecológica da economia europeia e reduzir dependências por meio da substituição de materiais fósseis. O bloco também manifestou disposição em apoiar as montadoras europeias durante este processo.

Cúpula do Clima: Pacto para quádrupla produção de biocombustíveis

A petrolífera estatal italiana, a Eni, está liderando o movimento industrial, transformando algumas de suas refinarias em biorrefinarias — uma ação semelhante à iniciada pela Petrobras no Brasil. A Eni participa ativamente de associações dedicadas à promoção dos biocombustíveis na Europa, como a FuelsEurope, que reúne grandes empresas petrolíferas operantes no continente, incluindo Shell, Total Energies e BP.

A executiva sênior da FuelsEurope, Emanuela Sardellitti, destaca que: “A Europa enfrenta uma grave crise econômica e está cada vez mais exposta a tensões geopolíticas e riscos de desindustrialização. Isso complica tanto a competitividade econômica quanto o sucesso da transição energética. Contudo, a legislação ambiental da UE frequentemente ignora realidades externas e privilegia determinadas tecnologias em detrimento de outras.”

A colaboração entre Brasil e Itália será reestabelecida nesta sexta-feira durante o evento da Cúpula do Clima em Belém, encontro preparatório para a COP30. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá convidar líderes globais presentes a se comprometerem com um acordo que visa quadruplicar a produção sustentável mundial de combustíveis até 2035. Fontes informam que a Holanda também pode se unir a esse objetivo, embora o apoio total da UE seja incerto.

Este compromisso baseia-se em um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), publicado em outubro, que indica que as políticas implementadas pelos países poderiam, de fato, resultar na quadruplicação da produção desses combustíveis. Glaucia Mendes Souza, professora titular da USP e líder da força-tarefa da AIE sobre descarbonização do transporte com biocombustíveis, afirma que: “A adesão europeia a essa agenda é fundamental; no entanto, é necessário considerar que eles frequentemente fazem suposições errôneas sobre os modelos produtivos brasileiros.”

A pressão diplomática e técnica persiste. David Chiaramonti, professor do Politecnico di Torino e presidente da plataforma Clean Energy Ministerial, observou que “embora a Europa esteja promovendo eletricidade e outros vetores sustentáveis para transportes, implementar tal mudança em grande escala no curto prazo é desafiador devido aos enormes investimentos e transformações industriais necessários”. Ele reforçou que inovações recentes no setor têm permitido produções sustentáveis de matérias-primas em diversas regiões do mundo, fortalecendo a pauta dos biocombustíveis.

Fonte: ABC do ABC