Por Evandro Gussi*
A relação do brasileiro com o etanol como um combustível é antiga. Desde 1937 já adicionamos o biocombustível à gasolina e a partir de 1975, com o advento do Proálcool, criamos a melhor e mais viável alternativa ao combustível fóssil. Mesmo que ainda não soubéssemos disso.
À época, o objetivo para a criação de uma política pública dedicada ao etanol era pura e simplesmente desenvolver uma alternativa à gasolina. Na década de 70, o Brasil importava 80% da sua necessidade de combustível, o que representava 50% de toda importação nacional. Um peso enorme para a balança comercial do país.
A motivação foi claramente econômica. Aliás, as preocupações com o meio ambiente praticamente inexistiam e o aquecimento global estava longe de ser uma ameaça. Porém, sem nos darmos conta, miramos no que estávamos vendo e acertamos onde ainda não víamos.
Aqueles primeiros passos permitiram que o Brasil chegasse onde está hoje. Somos a primeira economia sustentável com base em biocombustíveis do mundo. Nossa indústria é um modelo a ser – e tem sido – copiado por outros países.
Em qualquer fórum sobre transição energética, biocombustíveis, energia renovável, de âmbito regional ou global, o etanol brasileiro é apontado como o combustível alternativo mais bem-sucedido já criado até o momento.
Me arriscaria a dizer que o etanol brasileiro pode ser considerado um cisne negro, dentro da teoria de Nassim Nicholas Taleb. Na tese do estatístico e matemático libanês, três características determinam um acontecimento como um cisne negro.
Particularmente, identifico de forma clara no etanol duas dessas características e acredito estarmos vivendo o momento da terceira. A primeira, diz respeito a sua origem. A criação do etanol foi um acontecimento raro, difícil de se acreditar e muito além das expectativas históricas e científicas da época.
Ainda que as primeiras regulações do etanol no Brasil tenham ocorrido na década de 30, as primeiras experiências como combustível datam da década de 20. Ou seja, um século atrás já se ensaiava o uso do biocombustível não apenas em carros, mas em locomotivas e aviões.
A segunda, está relacionada ao seu impacto. Ainda que possamos calcular com precisão a competitividade econômica em relação à gasolina, as emissões de CO2, ciclo de vida entre outros indicadores do etanol, estamos longe de conseguir mensurar as consequências do seu impacto para a sociedade.
Em outras palavras, a revolução que o etanol já provocou é ainda uma fração do que ainda pode ser. O que ainda estamos por descobrir é o legado histórico do etanol do ponto de vista social, econômico e ambiental.
Social, porque só agora muitos países iniciam um movimento que o Brasil começou há 100 anos. E os países que se enquadram nesse grupo são essencialmente de baixo desenvolvimento econômico e social.
Econômico, porque o etanol tem o potencial de atrair e alavancar investimentos nesses países, capazes de alterar para sempre a trajetória do PIB em muitas nações.
E, ambiental, porque é a alternativa mais viável aos combustíveis derivados do petróleo. Já está claro e decidido que o mundo precisa reduzir paulatinamente seu consumo desses derivados. O etanol está aí pronto para ser a alternativa.
Por fim, a terceira característica do cisne negro tem um viés psicológico e comportamental de um indivíduo ou de um coletivo. Ainda que reconhecido em diferentes fóruns de discussão, muita gente, ainda no Brasil, não vê ou não quer ver a importância decisiva do etanol para o desenrolar da História.
Para nós, no Brasil, o etanol está tão presente no dia-a-dia que mal percebemos o seu tamanho. Se nos parece ridiculamente comum parar em um posto e pedir para encher o tanque com etanol, para muitos estrangeiros essa rotina ainda é impensada.
Foi para lembrar a nós mesmos sobre a importância econômica, ambiental e social do nosso biocombustível, que criamos a campanha “Vá de etanol”. Entendemos que esclarecimentos e informações adicionais nunca são demais.
Da mesma forma que podemos fazer essa campanha no Brasil, acreditamos que veremos em breve ações semelhantes em outros países. Estamos mudando a forma como o mundo consome combustível com o nosso cisne negro.
*Presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
Fonte: Diário do Poder