EUA pressionam Brasil e miram programa de etanol para aviação

Donald Trump – Official White House Photo by Daniel Torok

A Agência de Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR) realizará, na próxima quarta-feira, audiência pública em Washington para avaliar se atos, políticas e práticas do Brasil são considerados injustificados ou discriminatórios em relação ao comércio americano. A informação foi publicada pelo jornal Valor Econômico, em reportagem assinada pelo correspondente Assis Moreira. O processo tramita sob a chamada Seção 301, instrumento legal que permite a imposição de sanções comerciais contra parceiros e cuja conclusão pode levar de seis meses a um ano, coincidindo com o calendário eleitoral brasileiro.

A percepção em Brasília é de que a crise com os Estados Unidos deve se prolongar até o ano que vem e pode ganhar intensidade. Parte do setor privado norte-americano está aproveitando a investigação para reforçar pressões sobre o Brasil. Entre os exemplos, o Instituto Americano do Ferro e do Aço (AISI) pede ao governo de Donald Trump que intervenha no acordo de venda dos ativos de níquel da Anglo American no Brasil para a mineradora chinesa MMG, sob o argumento de que Pequim passaria a controlar ainda mais reservas de minerais estratégicos.

O alvo americano: o ProBioQAV

No entanto, o foco mais direto recai sobre o setor agrícola e energético. A Associação Nacional de Produtores de Milho (NCGA) defende que os Estados Unidos não apenas exijam do Brasil compensações por supostos prejuízos na exportação de etanol, mas também ataquem o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), lançado em 2024 para estimular o uso do SAF (combustível sustentável de aviação) no país.

Segundo a entidade, o Brasil representa uma “séria ameaça” à competitividade de longo prazo dos Estados Unidos no mercado emergente do SAF, considerado peça-chave para que o setor aéreo global atinja a meta de emissão zero até 2050. As companhias aéreas brasileiras estão obrigadas a aumentar em 1% ao ano o uso do combustível renovável, até alcançar 10% em 2036, o que coloca o país em posição de destaque internacional.

Trump e o peso político do etanol

O etanol tem grande importância política para Donald Trump e os republicanos. Logo no início de seu governo, quando anunciou tarifas de retaliação, o primeiro produto citado foi justamente o etanol brasileiro. A pressão de produtores americanos é constante: eles alegam que o Brasil expandiu rapidamente sua produção agrícola, beneficiando-se de vantagens consideradas “protecionistas” e do uso de áreas degradadas da Amazônia e do Cerrado.

Agora, além da disputa comercial, há o temor de que o Brasil lidere a definição de padrões internacionais em biocombustíveis. O modelo brasileiro, que valoriza o cultivo múltiplo (safra e safrinha) em áreas recuperadas, já foi aprovado no Comitê de Proteção Ambiental da Aviação da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO). Essa decisão provocou objeção formal do Departamento de Estado dos EUA, que alega uma “penalização injusta” aos agricultores americanos.

Estratégia de pressão em fóruns internacionais

A NCGA afirma que “o mais preocupante” é o protagonismo do Brasil em fóruns como a ICAO e a Organização Marítima Internacional (IMO). Para os produtores norte-americanos, caso União Europeia, Japão e outros mercados aceitem os critérios de sustentabilidade brasileiros, a competitividade do milho dos EUA será gravemente prejudicada, gerando perda de exportações, queda de lucros e aumento de riscos financeiros para os agricultores.

Diante disso, a associação propõe a criação de um grupo de trabalho bilateral para tratar da modelagem de emissões e pede que o USTR considere até mesmo a proibição do uso de etanol brasileiro no Programa de Padrão de Combustível Renovável dos EUA. Essa medida seria mantida até que os produtores americanos tivessem acesso recíproco ao programa brasileiro RenovaBio.

Donald Trump já havia limitado incentivos fiscais para fontes renováveis, beneficiando apenas matérias-primas produzidas na América do Norte, baseadas essencialmente no milho. O movimento atual mostra que a pressão contra o Brasil tende a crescer à medida que o país consolida sua posição como potência no mercado de biocombustíveis.

Fonte: Brasil 247