Por Antonio Cesar Salibe*
Protagonista hoje como uma das soluções mais sustentáveis e de fácil acesso para o processo de descarbonização mundial, decorrente das metas cada vez mais audaciosas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEEs), em substituição aos combustíveis fósseis, o futuro do etanol, pelo menos da forma como o conhecemos hoje, vai do otimismo às preocupações decorrentes, ou não, de sua sobrevivência. Explico…
Que o etanol é, de longe, a melhor solução para a mitigação das emissões de GEE em várias partes do globo não temos mais dúvidas, prova disso é sua ampla produção em vários países do globo, como os Estados Unidos, que passaram há anos a maiores produtores mundiais de etanol, passando pela Índia e outros tantos países da América do Sul e Europa.
No Brasil, país que detém o título de “inventor” do etanol, ou, pelo menos, do uso carburante em boa parte de sua frota de veículos, o etanol já evitou a emissão de nada menos que 600 milhões de toneladas de CO² nos últimos 20 anos, desde o lançamento dos veículos flex, em 2003. Hoje, a participação dos biocombustíveis, majoritariamente do etanol, na matriz energética brasileira é de cerca de 38%.
Porém, nem mesmo todos estes predicados nos capacitam a afirmar, com certeza, como será o futuro de nosso setor. Isso porque, para se tornar o combustível do futuro, faz-se necessário, sobreviver ao presente.
Na safra 2023/24, o etanol representou, no mix total da cadeia sucroenergética, mesmo considerando seu custo de produção hoje acima do preço de venda, pouco mais de 51% da produção de cana-de-açúcar, com potencial para chegar muito além. Mas isso dependerá de uma série de fatores.
Dentre os mais relevantes, se não o mais, é até que ponto a sociedade brasileira está disposta a contribuir para o processo de descarboização via etanol de nossa matriz energética. Falo isso pois temos que valorar o nosso esforço, que não é pouco, em proporcionar um futuro mais sustentável para nosso planeta.
As externalidades do etanol ainda não são reconhecidas sequer em nosso País, como dito acima, berço de sua experiência exitosa. Hoje, o consumidor ainda está disciplinado, apenas, na conta cabalística dos 70%, ou seja, se o etanol custar, na bomba, até 70% do preço da gasolina, está vantajoso. Mas e as outras externalidades?
Cito aqui apenas algumas: a fixação do homem no campo, uma vez que as mais de 3 centenas de usinas estão localizadas nas zonas rurais gerando empregos e divisas para milhares de municípios; a diminuição da importação de combustíveis fósseis, ajudando a balança comercial do País; a captura de CO² pelo processo da fotossíntese dessa planta mágica chamada cana-de-açúcar (o etanol emite até 90% menos GEE do que a gasolina); dentre tantos outros.
Estima-se que a busca mundial pela transição energética via etanol possa, ao menos, triplicar nossa produção anual de etanol. E para tanto, temos que ver estas externalidades reconhecidas, não apenas pelos consumidores como, também, e não menos importante, pelos poderes constituídos, através de políticas públicas que fortaleçam nosso setor.
A grande pergunta é: o uso do etanol no futuro será carburante e/ou para usos mais nobres como aviação e navegação? Ou tudo isso e mais um pouco?
Só para atender a demanda de SAF, combustível sustentável de aviação, para citar um exemplo, teríamos que saltar de 300 milhões de litros que foram produzidos em 2023 para 5 bilhões de litros anuais em 2025. Segundo especialistas no setor de aviação, o SAF é a única solução para a descarbonização dessa área.
O CEO do Grupo Atvos, Bruno Serapião, anunciou, no início de março, que uma equipe técnica sua está elaborando um projeto que determinará investimentos da Atvos, uma das maiores produtoras de biocombustíveis do Brasil, numa fábrica dedicada à produção de SAF, uma das primeiras com escala industrial do produto no mundo.
Como fonte de produção de hidrogênio, para a transição energética veicular, seriam demandados outros bilhões de litros por ano, o que pode despontar o etanol como um insumo mais vantajoso para o Brasil.
Investimentos vultuosos estão sendo realizados pela indústria de etanol, principalmente, os gigantes do setor, para atender essas demandas crescentes. A Raízen, por exemplo, soma mais de R$ 10 bilhões em investimentos para a construção, até 2027, de mais 8 usinas de etanol de 2ª geração, fabricado a partir de celulose encontrada na palha da cana ou outras plantas. Cada unidade demanda investimentos de R$ 1,2 bilhão e tem suas produções quase que totalmente comercializadas para atender a regulações europeia, japonesa e americana.
Outro leque que se abre no futuro do etanol seria sua utilização no processo de descarbonização da navegação em todo o mundo. Potencial ainda sequer estimado, em termos de quantidade, mas que poderia, por vezes, multiplicar, e muito, a demanda mundial pelo biocombustível.
O potencial do etanol como combustível para a navegação, especialmente em embarcações que buscam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e depender de fontes de energia mais sustentáveis requer, no entanto, algumas observações pertinentes, e já em estudo, como:
· Sua fonte renovável;
· Redução significativa de emissões de GEE;
· Tecnologia para motores compatíveis;
· Menor impacto ambiental em caso de derramamentos;
· Desenvolvimento de infraestrutura necessária para o armazenamento de etanol e sua distribuição em portos e marinas;
· Diversificação da matriz energética na navegação;
· Estímulo a inovações tecnológicas.
Durante nosso 6º Seminário UDOP de Inovações, em novembro passado, discutimos o tema do etanol na navegação, onde, na oportunidade, inclusive, tivemos uma palestra de Mário Barbosa, Gerente Geral de Vendas para a América Latina da Wärtisila Marine, anunciando para este início de 2024 os testes com motores a etanol na navegação de grande porte.
Vale destacar, também, outros esforços contumazes para garantir um futuro mais promissor ao nosso etanol, como do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira; Pietro Mendes, Secretário Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; Marlon Arraes, Coordenador Geral de Etanol; e demais técnicos do MME que não medem esforços em apresentar as externalidades de nosso etanol no Brasil e no mundo. Além do incansável esforço do Deputado Federal Arnaldo Jardim, um dos maiores defensores de nosso etanol na atualidade, à frente da relatoria do Projeto de Lei do Combustível do Futuro, que representará um grande divisor de águas para nosso setor.
Por isso, ao imaginarmos o futuro de nosso etanol, volto a refletir qual, ou quais, serão as rotas desse desenvolvimento. Se todos os caminhos levam a Roma, como no ditado popular, todas as rotas nos levarão ao futuro? Sem nos esquecermos do presente?
*CEO da União Nacional da Bioenergia (UDOP).
Fonte: Artigo publicado originalmente na Revista Opiniões, edição nº 79 (Fevereiro-Abril de 2024)