
Foto: Wilton Junior/Estadão
Por Vitória Miranda
O etanol, também conhecido por “álcool”, obtido a partir da biomassa de cereais ou de cana-de-açúcar, tem sido apontado por especialistas como parte da solução de longo prazo para a descarbonização do setor de transportes gaúcho. Hoje o setor é o mais poluente, representando 57,7% das emissões de carbono do Rio Grande do Sul.
A produção de etanol ainda é incipiente no estado, mas se for desenvolvida, a nova indústria tem potencial para fomentar a economia gaúcha, trazendo mais tecnologia, emprego e renda para o campo. O crescimento dessa produção também seria favorável para a transição energética do Estado, que já possui mais de 80% da matriz elétrica de base renovável e busca atingir metas como signatário do Acordo de Paris.
Ao contrário do que ocorre com o biodiesel, do qual o estado é o principal produtor, — com 27% da capacidade instalada da indústria brasileira — , hoje o Rio Grande do Sul ainda não possui uma produção significativa de etanol, apesar de o Brasil ser o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo. Por esse motivo, o álcool costuma ser a opção menos atrativa nos pontos de abastecimento das cidades gaúchas, uma vez que quase 100% do produto é importado de outros estados, como São Paulo e Paraná.
Oportunidades
Atualmente a maior parte do etanol produzido no RS é consumido na indústria de bebidas. Contudo, diversas fontes, da indústria, do governo e até da pesquisa científica, apontam que o estado já possui condições para ter uma fabricação própria de etanol como combustível. Além disso, a demanda por etanol no Brasil deve crescer após o Ministério de Minas e Energia ter anunciado que vai aumentar a mistura obrigatória de etanol na gasolina de 27% para 30%.
O potencial gaúcho, conforme os especialistas, está no aproveitamento das culturas de cereais abundantes no estado, como arroz, milho, triticale, soja sorgo e trigo, já que a região não possui um clima propício para o melhor aproveitamento da cana-de-açúcar (matéria prima utilizada na produção de etanol em outros estados).
Segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater), o Rio Grande do Sul utiliza apenas 22,1% de sua área agricultável durante o inverno. O excedente de quase 80% das terras poderia ser utilizado para a produção de etanol, até mesmo porque a produção de biocombustível não exige a mesma qualidade do cereal destinado para alimentação.
“Agronomicamente falando, sim, tem condições (de produzir etanol). O estado tem um potencial gigantesco subutilizado. O inverno tem que fazer parte do sistema de produção. Se tu não tens um sistema com ocupação intensiva do solo, vai ter enorme dificuldade com plantas daninhas e não terá fixação do carbono, que também contribui com a matéria orgânica. É uma questão econômica do empresário de decidir”, ressaltou o agrônomo da Emater, Alencar Rugeri.
Indústria começa a se organizar no RS
Ciente da oportunidade, o governo Eduardo Leite tem apostado em iniciativas de fomento ao setor, como o programa Pró-Etanol, criado em 2021, que possibilita crédito presumido de ICMS para o biocombustível produzido em empresas instaladas no Estado.
Nesse contexto, alguns investimentos já entraram em operação, como a nova planta de etanol da Be8 em Passo Fundo, que deve começar a funcionar em 2026 com uma capacidade de produção de 220 milhões de litros de etanol por ano. O novo parque da empresa, que já é líder no Brasil em produção de biodiesel, vai produzir tanto etanol anidro, para mistura na gasolina, como etanol hidratado, combustível usado de forma pura.
De acordo com o engenheiro de energia Rafael Guigou, que atua no Departamento de Energia da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), as iniciativas de fomento ao etanol ainda são embrionárias, mas o tema recebe atenção da pasta e estará presente nas próximas reuniões do Comitê de Planejamento Energético do Estado do Rio Grande do Sul – COPERGS, cujas atribuições foram ampliadas conforme decreto publicado pelo governo estadual em 2024. Segundo o engenheiro, existem atualmente seis projetos nesta área em fase de licenciamento ambiental junto à Sema, três deles em Passo Fundo, Não-Me-Toque e Santiago.
Novos projetos
A Lindner Techno System, uma das principais fabricantes de equipamentos industriais do Brasil, tem três projetos em operação para fabricação e instalação de parques industriais voltados ao etanol no Rio Grande do Sul e pelo menos dez em negociação.
Segundo o gestor comercial em bioenergia, Celio Uliana, a cadeia produtiva do etanol a partir do milho apresenta um bom aproveitamento, pois não compete com o mercado existente de ração animal e abre novas opções de produto. Além disso, o farelo excedente da fabricação do etanol tem maior proteína concentrada, o que deve estimular o mercado pecuário.
“A quirela que sobra do processo de fermentação do amido, que é a proteína e a fibra, vira alimento animal, você concentra. O milho tem 8,5% de proteína, quando você faz esse processo, o farelo vai para 35% de proteína, então você vai fazer uma proteína concentrada, isso otimiza custo de logística, o produtor tem uma ração mais barata e isso vai estimular a cadeia da carne”, explica Celio.
Opções de aproveitamento:
— fabricação da ração animal DGSS com a proteína excedente da fermentação;
— venda da fibra do milho para a indústria de alimentos e de beleza;
— venda do gás carbônico excedente para a indústria química ou de alimentos;
— venda de créditos de carbono na bolsa de valores.
Cenário atual ainda tem desafios para a produção de etanol
Segundo o Engenheiro Agrônomo do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFar) Campus Jaguari, Vinícius Soares Sturza, a instabilidade na colheita de cereais do Estado, causada pelas mudanças climáticas, e a decorrente descapitalização do produtor rural constituem a principal barreira para a produção de etanol no Rio Grande do Sul. Isso porque a fabricação do biocombustível demandará altos volumes de biomassa e o produtor rural encontra-se sem recursos para aumentar ou diversificar a produção.
Além disso, a destinação do cereal é uma escolha do produtor rural, que vai depender da melhor oferta de compra. No caso da soja, por exemplo, há opção de exportação do farelo. Já o milho é um cereal demandado no mercado interno de ração animal. As fabricantes de etanol precisam, portanto, trabalhar com ofertas que consigam competir nesse mercado bastante disputado.
“Tem que ter muito cereal para manter comida na mesa a um preço compatível. Se eu tiver um outro elemento, como a produção de etanol, pressionando, isso pode dar um certo descompasso. Mas, se tivermos cereais suficientes, é possível, precisa ter um excedente bastante grande para se produzir etanol”, pontuou o vice-coordenador do Comitê de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) do Sindienergia-RS, Odilon Francisco Pavón Duarte.
Preocupação ambiental
Por outro lado, há a preocupação com a preservação do bioma pampa, tendo em vista que, para atender o novo mercado, em alguns casos é necessário expandir as áreas de plantio. Segundo o agrônomo da Emater, Alencar Rugeri, hoje o Rio Grande do Sul não tem excedentes na produção de milho. Isso deve levar a uma diversificação das culturas agrícolas para atender a produção de etanol, aponta Vinícius Sturza, o que pode ser positivo para a qualidade do solo.
Segundo informações a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), hoje a demanda por etanol no RS é de cerca de 1 milhão de m³ ao ano. Nas condições ideais, uma tonelada de milho rende de 380 a 450 litros de etanol (Dados: Revista Canavieiros). Considerando, por exemplo, a safra 2024/25 de milho no RS, que foi de 5.515 toneladas, teria-se até 2.481,75m³ de etanol, volume baixo em relação à demanda interna.
Medidas necessárias
Para Vinícius Soares Sturza, os investimentos no setor precisam ir “além dos incentivos fiscais para a indústria” para tornar a produção relevante no estado como um todo. Segundo ele, as medidas necessárias incluem investimento em pesquisa e extensão, para o desenvolvimento de modelos sustentáveis de acordo com as culturas e capacidades produtivas de cada região; políticas de educação e incentivo voltadas diretamente ao agricultor e fortalecimento das ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
“Algumas iniciativas de aproximação das cooperativas com os produtores rurais para estimular, com assessoria técnica e medidas que promovam a garantia de produção podem ser interessantes”, afirmou Vinícius Sturza.
Fonte: Correio do Povo