Etanol brasileiro vira alvo de Trump e aprofunda guerra comercial contra o Brasil

Visor digital em bomba de abastecimento de gasolina e etanol, na cor azul,
em posto de combustíveis (Foto José Cruz/Agência Brasil)

A disputa comercial entre Brasil e Estados Unidos ganhou novo capítulo nesta semana, com o anúncio de uma investigação aberta pela United States Trade Representative (USTR) contra o governo brasileiro. A medida foi comunicada dias após o presidente Donald Trump divulgar carta impondo tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. A investigação, segundo o governo norte-americano, mira supostas “práticas ilegais” adotadas pelo Brasil.

Entre os temas destacados pela USTR estão o sistema de pagamentos instantâneos Pix, o combate à pirataria e o setor de etanol. Este último, de acordo com autoridades brasileiras, representa um ponto sensível na relação comercial entre os dois países.

O principal motivo do descontentamento dos Estados Unidos com o etanol brasileiro remonta à alíquota de 18% aplicada à importação do produto americano. O combustível fabricado nos EUA, feito a partir do milho, é subsidiado pelo governo local. Já o produto brasileiro é derivado da cana-de-açúcar e segue outro modelo de produção.

A alíquota é considerada estratégica por autoridades brasileiras. Ela tem o objetivo de garantir competição mínima entre os dois mercados e evitar que o combustível norte-americano ganhe espaço no Brasil de forma desproporcional. Caso essa barreira seja retirada, o impacto direto seria a entrada em larga escala do etanol americano no país, com reflexos sobre as margens de lucro das usinas brasileiras, empregos no setor e investimentos futuros.

O setor de etanol brasileiro foi construído ao longo de cinco décadas. Desde o lançamento do Programa Pró-Álcool, em 1975, políticas públicas e inovações tecnológicas consolidaram uma cadeia de biocombustível baseada em cana-de-açúcar. O modelo brasileiro é referenciado por instituições internacionais por sua contribuição para a redução das emissões de gases de efeito estufa e pela mobilidade baseada em combustíveis alternativos.

De 2003 a 2024, o uso combinado de etanol hidratado e a mistura de etanol anidro na gasolina evitou a emissão de aproximadamente 730 milhões de toneladas de CO₂, segundo dados do setor. A produção nacional em 2024 alcançou 36,8 bilhões de litros, o que coloca o Brasil como segundo maior produtor mundial. O setor emprega mais de 2,2 milhões de pessoas em todo o país, com destaque para o estado de São Paulo, onde estão cerca de 844 mil trabalhadores.

Especialistas alertam que a entrada do etanol americano sem a proteção da tarifa pode comprometer a competitividade da cadeia produtiva brasileira. O receio é de que o movimento configure uma pressão comercial com impacto direto sobre um setor consolidado, com relevância econômica, social e ambiental.

Governo Lula descarta mudanças na tarifa do etanol

O governo brasileiro informou que a alíquota de 18% sobre o etanol importado não será tema das atuais negociações com os Estados Unidos. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, sob comando do vice-presidente Geraldo Alckmin, sustenta que o tema foi excluído das tratativas após a imposição das novas tarifas por parte de Washington.

“Não haveria sentido levarmos essa proposta ou qualquer outra de redução de alíquotas que o Brasil aplica na fase atual. Eles (os americanos) reivindicavam essa redução ou atribuição de cota para o etanol, mas esse tema deixou de ser debatido desde o começo das novas tarifas”, afirmou o secretário-executivo da pasta, Márcio Elias Rosa, em entrevista ao site Platô BR.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também defendeu a manutenção da tarifa, alegando que a medida protege a produção nacional, especialmente no Nordeste. “As taxas do etanol têm que ser mantidas. O equilíbrio tarifário deve considerar não só o etanol, mas também o açúcar, que sofre sobretaxas de até 90% nos EUA”, afirmou.

Senado tenta reabrir negociações em Washington

Uma comitiva de senadores brasileiros está em Washington para tentar negociar com parlamentares e representantes da iniciativa privada a suspensão da tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. O grupo da Comissão de Relações Exteriores se reuniu com empresários da Amcham e autoridades diplomáticas na embaixada brasileira. O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que preside a comissão, defende a prorrogação da medida para permitir novas rodadas de negociação técnica.

Petrobras planeja uso de etanol em combustível de aviação

A Petrobras anunciou que estuda a construção de uma planta de produção de combustível sustentável de aviação (SAF) com base no etanol da cana. A planta será instalada na Refinaria de Paulínia (Replan) com previsão de início em 2027, ano em que o uso do SAF passará a ser obrigatório no Brasil.

Outros três projetos com foco em SAF estão em andamento em refinarias da Petrobras, como as unidades de Cubatão, Duque de Caxias e a Refinaria Riograndense, em parceria com empresas como Braskem e Grupo Ultra.

Etanol se consolida como ativo estratégico

Para autoridades brasileiras e representantes do setor, o etanol é mais do que um item de exportação. É considerado um ativo com papel estratégico para a economia nacional, a geração de empregos e os compromissos ambientais firmados internacionalmente.

A avaliação majoritária entre especialistas é de que qualquer negociação com os Estados Unidos deve levar em conta não apenas o comércio bilateral, mas também a importância do setor para a estratégia energética do país. O etanol, ao lado do Pix e de outras tecnologias desenvolvidas no Brasil, tem sido apontado como alvo de pressões externas que envolvem interesses comerciais e geopolíticos.

Fonte: O Cafezinho