Por Alexandre Menezio*
O Brasil é um país que dá certo, apesar dos desafios. Conquistamos a posição de um dos países mais importantes na produção mundial de alimentos e de energia renovável, e ainda há potencial para mais. Nós, que somos do agronegócio, nos postamos orgulhosos.
Por outro lado, mantemos em segredo a impressão de que as coisas dão certo “quase sem querer”, pois não há um planejamento integrado de longo prazo, envolvendo governo e iniciativa privada, com investimentos definidos para ambos e metas claras a serem perseguidas. Há pouco, reinauguramos o Plano Nacional de Fertilizantes – então, temos um plano? – que foi resgatado principalmente para fazer frente ao iminente desafio apresentado pela guerra na Ucrânia. Políticos, pensadores e empreendedores concluíram rapidamente que, se faltarem os fertilizantes (e o diesel…), não haverá supersafras, nem tampouco super PIB.
A guerra na Ucrânia representou risco forte de produzir caos na economia brasileira. Mas, o risco passou e, agora, temos um plano para executar, sem o estímulo que a guerra traria sobre os preços altos dos fertilizantes e que acabariam por justificar mais facilmente os investimentos necessários para desenvolvermos a produção doméstica.
Haverá esforço governamental e privado sem estímulo sobre os preços? A resposta deve ser positiva quanto aos nitrogenados. Retomaremos os investimentos de maneira robusta, pelo mesmo fator que abandonamos nossas fábricas no passado: o suprimento de gás natural, antes importado e caro, agora parece abundante, com o início da exploração do pré-sal. Ureia e nitrato de amônio resolvem boa parte do desafio de nutrir nossos solos e culturas, e a cana-de-açúcar agradece – a cana, que representa menos de 15% do mercado doméstico de fertilizantes.
Agora, não deveremos ser bons em tudo. Não há reservas conhecidas de fósforo e potássio no país que consigam prover independência, considerando soja, milho, cana e as demais culturas. E, por outro lado, há abundantes reservas de fosfatados no norte da África e de potássio no leste europeu e no Canadá que nos atenderiam por gerações – mais tempo que um plano de longo prazo costuma durar no Brasil.
Entretanto, especificamente para a cana-de-açúcar, o cenário não é ruim. Já há indústrias de biometano em operação – anexadas às indústrias de açúcar e etanol, contribuindo para arrefecer os custos com combustíveis, em substituição ao uso do diesel e para dar robustez à receita, na forma de energia térmica e elétrica.
Além disso, o processo de biodigestão gera resíduos ricos em fósforo e potássio, que podem ser incorporados ao solo, resolvendo boa parte da demanda desses nutrientes. Não resolve o problema do país, mas ajudará a reduzir a demanda brasileira por fertilizantes, colaborando indiretamente numa esperada, mas não certa, redução de preços. Para reforçar o otimismo, nossa indústria já reduziu a demanda por potássio, nas últimas décadas, com o reaproveitamento eficiente da vinhaça na operação de fertirrigação. E quanto aos agroquímicos?
Eis outro campo vasto em esperança e soluções eficientes, mas também em burocracia, atraso e riscos. Enquanto, por um lado, nos fertilizantes somos clientes preferenciais de um portfólio “interessante” de países, o que, pela diversidade, ajuda a diluir o risco geopolítico – os principais são Rússia, Bielorrússia, China, Marrocos, países do Oriente Médio, Canadá, Bolívia e outros. Nos agroquímicos, dependemos de forma muito sensível da China, que concentra boa parte dos recursos minerais e matérias-primas necessárias à produção e síntese da maioria dos ativos genéricos (ou pós-patente) consumidos pelo Brasil, EUA, Austrália, União Europeia, Índia e outros clientes relevantes. A Índia está entrando rapidamente no jogo, do lado fornecedor, mas o risco geopolítico ainda é relevante.
De forma geral, as empresas que fornecem agroquímicos, sejam domésticas ou multinacionais, fabricam apenas uma parte do portfólio de produtos que oferecem. Uma parte relevante – cerca de 50% em valor, no caso da cana-de-açúcar – é comprada de fabricantes chineses e indianos e entregue às cadeias locais de distribuição dos países clientes.
Aqui, diferentemente dos fertilizantes nitrogenados, não há plano brasileiro, nem estímulo governamental ou privado. Investir na produção doméstica de ativos genéricos, mas continuar dependente de matérias-primas chinesas não é viável. A relação piora quando se considera as barreiras locais relacionadas à competição desleal de produtos contrabandeados e falsificados, à exigente legislação ambiental e, obviamente, ao custo dos recursos financeiros necessários para a construção de novas fábricas ou modernização das já existentes.
De certa forma, China e Índia já correram os riscos relacionados à exposição ambiental e à segurança do trabalhador que não suportaríamos correr por aqui. Nossa legislação ambiental e trabalhista é mais exigente e desenvolvida há mais tempo. Assim, esses países conquistaram um nível de competitividade difícil de ser alcançado.
No caso dos ativos patenteados – os outros 50% da história – se repete boa parte dos riscos mencionados, que desestimulam os fabricantes a investirem no aumento da capacidade de fabricação local, mas se somam outros, como a baixa velocidade e a falta de vontade política na aprovação de novas moléculas, mais eficientes e seguras em relação ao meio ambiente, à segurança alimentar e à segurança do usuário.
O cenário, entretanto, carrega alguns vieses otimistas. Há menos de cinco safras, fabricantes renomados de defensivos químicos nos presentearam com uma linha de produtos com externalidades muito positivas, desde o rendimento agrícola proposto até a interação natural com o meio ambiente, a segurança do trabalhador e a segurança alimentar: os defensivos biológicos.
Recebidos com ceticismo no início, atualmente os “bioinsumos” vêm conquistando o portfólio dos consumidores, com entrega real de resultados e custo equivalente competitivo – o básico necessário para integrar a estratégia de manejo agrícola dos compradores mais exigentes.
Ainda há desafios a serem superados: os fabricantes se multiplicaram, há incertezas quanto à robustez dos processos de fabricação e a qualidade do produto final e das matérias-primas utilizadas, e há a crença de que é possível produzir bioinsumos “em casa”, com eficiência e sem riscos biológicos inesperados. Ainda assim, é um segmento que cresce muito rapidamente e já representa cerca de 7% do mercado da cana-de-açúcar, com chances reais de contribuir para a redução de nossa dependência em relação a outros países.
Em conclusão, para continuarmos no importante time de países supridores alimentares e energéticos globais, teremos que enfrentar essa série de riscos de forma prudente, planejada, organizada e colaborativa. Não faremos sem participação governamental honesta. Não faremos sem participação privada responsável. Poderemos acabar dando certo, apesar dos desafios, quase sem querer.
*Fundador e diretor Operacional de Compras da SCA Brasil Aliança e SCA Brasil Agriforce
Fonte: Artigo publicado originalmente na Revista Opiniões, edição nº 79 (Fevereiro-Abril de 2024)