Crescimento do mercado de biodiesel: Desafio para os produtores em 2025

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REVISTA PETRUS – O segmento de biodiesel teve avanços importantes em relação à produção e consumo do biocombustível no mercado nacional em 2024. O ponto central foi a aprovação da Lei do Combustível do Futuro sancionada em outubro (08/10), o que consolidou duas bases estratégicas fundamentais para a indústria de combustíveis renováveis: previsibilidade e segurança jurídica para investidores e produtores.

Entre as medidas previstas para 2025, o Head de Biodiesel da SCA BrasilFilipe Cunha, destaca o aumento do percentual de mistura do biodiesel no diesel, dos atuais 14% para 15% em março de 2025 e 20% até 2030. A partir de 2031, dependendo de estudos de viabilidade técnica, o Brasil poderá adicionar até 25% de biodiesel no similar fóssil.

Apesar de avanços na regulamentação do Combustível do Futuro, o aumento dos casos de fraudes ligadas ao teor de biodiesel na mistura do diesel comercializado tem preocupado executivos das distribuidoras. As fraudes na mistura de 14% (B14) atingiram níveis preocupantes, exigindo ações combativas por parte da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e entidades ligadas à questão, como o Instituto Combustível Legal. A volatilidade dos preços do óleo de soja, matéria-prima mais usada na produção de biodiesel, também teve consequências para a indústria brasileira.

Estes e outros aspectos são analisados por Filipe Cunha, em um balanço do ano que termina e avaliação das perspectivas para 2025.

1) Qual é a sua visão sobre o desempenho do segmento de biodiesel no Brasil em 2024?

O desempenho do setor foi muito positivo em 2024. Na frente regulatória, a aprovação da Lei do Combustível do Futuro foi uma grande vitória, dando segurança jurídica e previsibilidade para atrair investimentos para os próximos anos. Em março tivemos o aumento do teor de biodiesel, de 12% para 14% na mistura do diesel. E houve um forte crescimento nas vendas de diesel no ano, impulsionado pelo crescimento da atividade econômica, principalmente no setor agropecuário. Segundo a ANP, no acumulado até outubro, o mercado brasileiro de diesel cresceu 3,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Para suprir tanto o aumento da mistura quanto o aumento do consumo de diesel, segundo a ANP, em 2024 a produção de biodiesel cresceu 23% em relação ao ano anterior, sem problemas de abastecimento do mercado. Para dar suporte a este robusto crescimento da produção em curto espaço de tempo, o setor se utilizou da capacidade ociosa na indústria, mas vimos também algumas ampliações de capacidade e inauguração de novas usinas, abrindo oportunidades de investimento.

2) Como se comportaram os preços do óleo de soja, principal matéria-prima para a produção de biodiesel?

O óleo de soja é referência para precificação dos contratos do biodiesel no Brasil. Por ser uma commodity global, os preços estão sujeitos ao balanço de oferta e demanda dos óleos vegetais nos principais países produtores, além da variação cambial. Em 2024, os preços negociados na Bolsa de Chicago (CBOT) tiveram alta volatilidade, com forte queda nas cotações até início de setembro, uma forte recuperação até meados de novembro, com o mercado devolvendo parte dessa alta nas últimas semanas. Diversas razões provocaram essa volatilidade, tais como a quebra das safras americana e argentina influenciando os preços até setembro, e um balanço mais apertado na oferta dos óleos vegetais a partir de setembro, especialmente no óleo de palma.

No Brasil, existia a expectativa de safra recorde da soja, mas em função de problemas climáticos a safra foi menor, sendo que a maior parte da quebra ocorreu no Mato Grosso (MT), principal produtor de soja e estado com maior capacidade de esmagamento do país. Aliado a isso, mais o aumento da mistura do biodiesel, o saldo exportável de óleo de soja teve que ser reduzido para que o mercado interno ficasse abastecido. Dessa forma, vimos o basis em Paranaguá subindo praticamente o ano todo, com produtores de biodiesel pagando um prêmio para garantir que a matéria-prima ficasse no Brasil e não fosse exportada.

Outro ponto que impactou fortemente o preço do biodiesel em 2024 foi a variação cambial. Com todos esses fatores, internos e externos, vimos os preços do biodiesel saltarem em 2024. Segundo a ANP, na última semana de novembro o preço médio Brasil de biodiesel, com PIS/Cofins e sem ICMS, ficou em R$ 6.464/m³, aumento acumulado de 44,5% no ano.

3) A adoção dos 14% de mistura afetou a não conformidade na mistura de biodiesel ao diesel comum?

Talvez tenha sido esse o destaque negativo do ano. O Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) da ANP tem como objetivo monitorar e fiscalizar a qualidade dos combustíveis no país. No caso do diesel, uma das principais não conformidades é o teor de biodiesel na mistura. Como o biodiesel costuma ser mais caro que o diesel A, a mistura de biodiesel abaixo do que regulamenta a ANP traz uma vantagem de preço para o distribuidor que não mistura corretamente.

Historicamente nos meses em que ocorre uma mudança no percentual de biodiesel misturado, o índice de não conformidade aumenta, pois existe um prazo para que os postos da revenda façam a adequação do produto que estava armazenado nos tanques. Na quarta edição da série de Lives “Conexão SCA Brasil”, realizada em junho (19/06), e que teve participações de representantes da ANP e do Instituto Combustível Legal, abordou-se o assunto com profundidade. Dados mostraram que, além da não conformidade ter sido alta no histórico mais recente, isso ocorreu em um período de grande chegada de diesel importado no Porto de São Luiz, no Maranhão. Durante a Live, a ANP relatou que foram realizadas fiscalizações específicas em algumas distribuidoras com histórico de irregularidades no setor, onde foram identificados os maiores desvios.

Após um período de redução da não conformidade na mistura, tenho a sensação de que o problema voltou com força a partir de novembro, ouvindo muitos relatos de nossos clientes distribuidores. Como informado pela ANP ao mercado, devido a restrições orçamentárias e de pessoal, o PMQC foi suspenso para os últimos dois meses do ano e a falta temporária de fiscalização coincide com o aumento das reclamações no mercado. Isso confirma a eficácia do trabalho da ANP e a necessidade de estarmos sempre atentos às irregularidades que atormentam o mercado de combustíveis.

4) Quais são os desafios para enfrentar este problema em 2025?

Entre os desafios para 2025 está a implementação do novo PMQC, com intensificação da fiscalização da cadeia de abastecimento, incluindo o elo da distribuição juntamente com o da revenda. Outro passo importante seria modernizar a fiscalização, utilizando em larga escala o equipamento portátil que foi testado pela ANP para detecção do teor de biodiesel, possibilitando, assim, punições mais eficazes para os infratores. De modo geral seria necessário reforçar o papel da ANP na fiscalização, no acompanhamento do mercado e na punição às irregularidades com maior agilidade.

5) Como o Combustível do Futuro pode contribuir para a expansão do mercado de biodiesel no país?

A agora Lei do Combustível do Futuro, lançada pelo governo brasileiro no segundo semestre, é fundamental para a expansão da capacidade de produção do biodiesel por garantir segurança jurídica e dar previsibilidade para os investidores. Está previsto um incremento de 1% de biodiesel na mistura do diesel a cada ano a partir de 2025, até atingir 20% em 2030, a depender de estudos de viabilidade técnica, o que envolverá todos os agentes desta indústria, de montadoras de veículos aos distribuidores de combustíveis. Foram estabelecidos também limites mínimos entre 13% e 25% de mistura, medida a ser definida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que também foi extremamente positivo para os produtores, visto que, anteriormente, o limite inferior era de 6%.

O CNPE aprovou também no dia 10 de dezembro a fixação de metas mínimas de uso de óleos e gorduras residuais na produção de biodiesel, no combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) e no diesel verde. Ao incentivar a utilização dessas matérias-primas, o Combustível do Futuro estimula a agricultura familiar e a economia circular, ampliando a oferta de insumos e tornando a cadeia produtiva mais sustentável.

6) Em linhas gerais, o que se pode esperar do mercado de biodiesel em 2025?

A partir de março será instituído o incremento da mistura para 15%, conforme o cronograma estabelecido pelo CNPE, e o abastecimento do mercado deverá ser garantido por uma nova safra recorde de soja. Segundo a última atualização do balanço de oferta e demanda da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) para a safra 2025, espera-se que a produção de soja atinja 167,7 milhões de toneladas, com um esmagamento de 57 milhões de toneladas. A estimativa de produção de óleo de soja é de 11,4 milhões de toneladas.

Podemos estar entrando em um ciclo bastante virtuoso de investimentos no setor. Alguns aportes já anunciados deverão se concretizar ao longo de 2025 e 2026, resultando em novas plantas industriais destinadas ao esmagamento de soja de tradicionais produtores de biodiesel como as empresas Potencial, Be8 e Fuga Couros.

7) A consolidação no mercado pode ser um fator importante em 2025?

É um movimento em fase inicial, típico de mercados em expansão. No final de 2023, a Cargill incorporou as três usinas de biodiesel da Granol. Recentemente foi anunciada a aquisição de três plantas de biodiesel da Biopar pela Be8 nos municípios de Nova Marilândia (MT), Santo Antônio do Tauá (PA) e Floriano (PI). Considerando também que a Oleoplan adquiriu a usina de biodiesel da Green Ventures em Lucas do Rio Verde (MT), espera-se que o setor de biodiesel acompanhe de perto a evolução da regulamentação dos dispositivos contidos na Lei do Combustível do Futuro, em especial os testes de viabilidade técnica para aprovar a continuidade da evolução do teor de biodiesel no diesel.

Fonte: Revista Petrus