Crédito mais caro e endividamento no campo atrasam vendas de defensivos

Falta recente de recursos para a subvenção ao crédito rural gerou suspensão de linhas equalizadas — Foto: Sistema Famasul

O ambiente de juros altos e endividamento crescente em algum segmentos do agro está deixando produtores rurais mais cautelosos na estratégia de aquisição de defensivos agrícolas. Ano a ano, o ritmo de compras se desacelera, obrigando empresas do setor a ajustar estoques e operações logísticas. Segundo dados da consultoria Agrinvest, até 3 de novembro, 81% do volume de defensivos previsto para a safra 2025/26 de soja havia sido adquirido. No último ciclo, o total chegava a 88% e, há três anos, a 92%.

O agricultor está preferindo acompanhar o desenrolar da safra para definir sua estratégia de manejo. Por exemplo, no caso de inseticidas ou fungicidas, ele avalia a necessidade conforme o clima e as condições da lavoura. Além disso, a região do país, a rentabilidade da cultura e o acesso ao crédito do produtor também influenciam nesse comportamento.

“Alguns anos atrás, o agricultor tomava uma posição em um período muito curto. A gente vem observando nessas últimas duas safras, e nessa última um pouquinho mais, o agricultor alongando um pouco mais essa decisão”, diz Rafael Vicentini, diretor de Marketing de Negócios de Soja da Basf no Brasil.

A Basf vendeu até agora 85% dos defensivos para esta safra, 1 ponto percentual a mais que na mesma época do ano passado, mas aquém da média dos anos anteriores, que ficava entre 90% e 93%. Apesar disso, a multinacional alemã espera um aumento de 3% a 5% nas vendas de defensivas no ano-safra no Brasil, puxado por um aumento de 1% a 2% na área de plantio de soja e por um crescimento nas aplicações.

A Bayer, por sua vez, vendeu 83% dos defensivos para esta safra, 3 pontos percentuais a menos que no último ciclo. “Cinco anos atrás estaríamos com um mercado praticamente fechado, em 98%”, disse Tiago Santos, diretor de Marketing da empresa. Segundo ele, a variação por região é muito grande, com cerca de 95% já vendidos no Mato Grosso, enquanto o Rio Grande do Sul adquiriu 53%, afetado pelo crédito e frustrações com as últimas safras.

A velocidade da compra de defensivos também varia em função da cultura. Para o plantio da safra de milho do ano que vem, por exemplo, já foram vendidos no país cerca de 43% dos defensivos necessários. No mesmo período do ano passado eram 41% e, há três anos, 62%, segundo a Agrinvest.

Na visão do CEO global da multinacional indiana UPL, Jai Shroff, o ambiente de juros elevados e os atrasos nas compras dos produtores devem impor novos desafios ao mercado. “Empresas mais fragilizadas do agronegócio tendem a enfrentar dificuldades, enquanto o setor deve passar por um processo natural de estabilização, no qual os participantes menos robustos devem reduzir operações ou deixar o mercado, e os mais sólidos continuarão a expandir”, diz.

O ritmo mais lento das aquisições de insumos não se restringe ao segmento de soja. Outros cultivos, como o algodão, estão ainda mais atrasados, com cerca de 75% dos defensivos comprados, segundo André Pozza, diretor de Marketing da Syngenta.

Pozza afirma que o movimento tem mudado desde a pandemia, quando a rentabilidade dos produtores passou a ser afetada pelo aumento dos custos financeiros e de insumos e, assim, as decisões de compra passaram a ser tomadas mais próximas do momento de uso. Até então, os produtores antecipavam o planejamento para garantir o fornecimento de insumos.

Além disso, no atual cenário, parte dos produtores pode optar por não realizar todas as aplicações previstas de defensivos, diz Bruno Fonseca, analista de insumos do Rabobank. Essa estratégia, porém, pode resultar em queda de produtividade. Ele também aponta o risco de que a postergação das compras leve a uma demanda concentrada por determinados produtos, elevando preços ou até afetando a oferta.

Do lado das empresas, o analista observa um ambiente de competição crescente, impulsionado pela entrada de fabricantes chineses, o que tem levado produtores a se sentirem mais confortáveis em retardar as aquisições. As companhias ainda enfrentam as consequências da crise de estoques, lembra.

Segundo Jai Shroff, o período da pandemia provocou um acúmulo significativo de estoques no setor. A UPL, assim como toda a indústria, precisou realizar um forte processo de desestocagem e assumir provisões elevadas que têm efeitos até hoje. A multinacional indiana adotou uma estratégia considerada por ele “agressiva”, concentrando esses ajustes ao longo deste ano.

O atraso nas compras por produtores significa um desafio adicional na questão dos estoques, acrescenta Vicentini, da Basf. Isso porque “há locais no qual a gente tinha uma um estoque posicionado e o agricultor ou o canal [de venda] daquela região têm passado por algum desafio econômico (…) Então é preciso trazer esse estoque para dentro de casa de novo”, afirma.

De qualquer maneira, a indústria tem de ter um gerenciamento dos estoques e da logística para atender o agricultor em caso de repique de demanda, diz Pozza.

Tiago Santos, da Bayer, afirma que o mercado de defensivos cresceu 60% em volume nos últimos anos, mas a frota de caminhões para as entregas, não. “Esse comportamento do produtor traz um frio na barriga para todos os lados. Para o produtor: ‘na hora que precisar, será que eu vou ter?’ Para a gente: ‘que decisão eu tomo agora?”, indaga.

Fonte: Globo Rural