Por Fernando Caixeta
Cinco anos após a regulamentação dos CBIOs, os créditos de descarbonização adquiridos pelas distribuidoras de combustíveis para comprovar as metas do RenovaBio terão de superar o desafio da “guerrilha judicial” em torno do programa e a harmonização com o Combustível do Futuro e com o recém-aprovado marco legal do mercado de carbono, disse nesta terça (3/12) o secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Pietro Mendes.
Segundo ele, as novas políticas públicas trazem o desafio da coexistência do CBIO com os créditos de carbono e o Certificado de Garantia de Origem do Biometano (CGOB) – uma das novidades do mandato do biometano trazido pelo Combustível do Futuro.
“Como esses três instrumentos vão coexistir? Faz algum sentido o RenovaBio lá na frente se juntar ao crédito de carbono? É esse debate que nós queremos fazer para preparar a nossa agenda de trabalho para os próximos dois anos”, afirmou Pietro Mendes, durante abertura de workshop promovido pelo MME sobre a Política Nacional dos Biocombustíveis.
“O RenovaBio é uma prioridade nossa. Queremos ver a expansão do programa e acreditamos que um RenovaBio forte é fundamental para o sucesso do Combustível do Futuro”, completou. Uma das discussões internas na pasta é como evitar, por exemplo, a dupla contagem dos créditos CBIO e CGOB; e se o produtor de biometano poderá emitir os três certificados.
Judicialização enfraquece RenovaBio
Pietro Mendes também destacou que o RenovaBio convive com uma “guerrilha judicial” – um conjunto de ações na Justiça, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF) – que visa a enfraquecer o programa. As distribuidoras – que são a parte obrigada em adquirir os CBIOs – têm conseguido driblar a obrigatoriedade da compra dos certificados por meio de liminares.
Levantamento da Vibra, com base em dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mostra que o número de distribuidoras que cumprem com 100% da meta de descarbonização por CBIOS vem caindo, ano a ano, desde 2020.
No primeiro ano do programa (2020), 106 empresas atingiram 100% da meta e 31 não aposentaram CBIOs. Em 2023, a quantidade de empresas que não aposentaram os créditos subiu para 54, enquanto as que atingiram a totalidade da meta caiu para 75.
Das 54 que não cumpriram com nenhuma obrigação quanto ao programa, dez têm liminares favoráveis na Justiça, segundo Pietro Mendes. “Estamos trabalhando muito intensivamente para serem derrubadas”, disse.
Cada CBIO representa uma tonelada de CO2 equivalente que deixa de ser emitida na atmosfera pelo uso de biocombustíveis em substituição ao combustível fóssil. A aposentadoria do certificado consiste na retirada definitiva de circulação pelas distribuidoras.
Vibra pede mais punição
Durante o workshop, o vice-presidente jurídico da Vibra, Henry Hadid, defendeu alterações na lei do RenovaBio para coibir a concorrência desleal por parte de empresas que, segundo ele, boicotam o programa e, portanto, não tem o custo associado à obrigação de descarbonizar.
Neste ano, já foram comercializados 41,2 milhões de CBIOs, a uma média de preço de R$ 89,05, o que representa um volume financeiro aproximado de R$ 3,6 bilhões.
A Vibra apoia a aprovação do PL 3149/2020, que altera o RenovaBio e pode, segundo Hadid, ajudar a coibir as práticas anticoncorrenciais, dentre elas a criação reiterada de novas empresas. A matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados e tramita no Senado Federal.
“As metas de CBIO dependem de quanta gasolina ou diesel uma distribuidora vendeu no ano anterior. Quando se cria uma empresa nova, não tem ano anterior e não tem meta de CBIO. Então criou-se o negócio de criar empresas novas que não têm meta de CBIO. A lei nova vai endereçar esse assunto”, comentou Hadid.
Dentre outras medidas para reduzir assimetrias e estimular a concorrência, o projeto prevê o aumento do teto da multa ao inadimplente de R$ 50 milhões para R$ 500 milhões; e a revogação do distribuidor que não cumprir integral ou parcialmente a meta por mais de um exercício.
O PL também veda a importação direta de produtos pela empresa inadimplente enquanto a meta não for cumprida; e obriga que eventuais sucessores do distribuidor revogado sejam obrigados a cumprir a meta anterior não cumprida. Segundo Hadid, a Vibra já gastou R$ 3 bilhões com a aquisição de CBIOs nos últimos anos, para cumprir a meta.
“Quando você tira um meio do mau competidor de atuar com a sonegação, ele encontra outros caminhos, que infelizmente estão ligados à transição energética. Ou ele não mistura o biodiesel, porque tem um preço superior, e muito metanol misturado no etanol, e também na gasolina”, criticou.
Assim como os óleos vegetais, o metanol é uma matéria prima importante para a produção do biodiesel e rotineiramente é usado em fraudes para a adulteração de combustíveis do ciclo otto (etanol e gasolina).
Projeto também é apoiado pelo setor de cana
Distribuidoras, já há algum tempo, argumentam que o programa falhou em elevar a oferta de biocombustíveis e representa um peso nos consumidores de gasolina e diesel.
No final do ano passado, um grupo batizado de Movimento + Bio, formado por Vibra, Ipiranga e Brasilcom (que representa mais de 40 empresas com atuação regional), chegou a levar ao governo uma proposta para transferir a obrigação de compra de CBIOs para as refinarias – pleito não contemplado no PL 3149/2020. O projeto, no entanto, foi bem recebido pela Vibra, segundo Hadid, por buscar reduzir as assimetrias do programa.
E conta com o apoio também da indústria sucroalcooleira. O projeto prevê a divisão dos créditos de descarbonização (CBIOs) do RenovaBio, entre produtores de etanol e fornecedores de matéria-prima.
RenovaBio e Corsia
A coordenadora de gestão do RenovaBio na ANP, Maria Auxiliadora Nobre, destacou, por sua vez, que outro desafio pela frente será alinhar a metodologia do programa com o Corsia, em relação aos requisitos de elegibilidade e de certificação para o SAF, o combustível sustentável de aviação.
O Corsia (do inglês Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), é o programa da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci) para a redução de emissões de CO2 do setor aéreo
Ela explicou que, no caso do SAF, a agência deverá estabelecer os valores das emissões totais equivalentes para contabilizar a descarbonização em relação ao QAV fóssil.
ANP e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) têm um acordo de cooperação técnica para o desenvolvimento de metodologias de cálculo, criação de base de dados e troca de informações técnicas sobre as indústrias de aviação e combustíveis.
Fonte: Eixos