Case IH desenvolve colhedora a etanol com a São Martinho

Esq. p/ dir.: Fabio Venturelli, da São Martinho, e Christian Gonzales, da Case
Foto: Rogerio Vieira/Valor

Por Camila Souza Ramos

A corrida pela descarbonização dos transportes de veículos pesados ganhou uma alternativa competitiva e já conhecida do brasileiro. A Case IH, do grupo CNH, desenvolveu a primeira máquina agrícola de grande porte movida a etanol — no caso, uma colhedora de cana-de-açúcar de duas linhas. O trabalho ocorreu em parceria com a São Martinho, que forneceu lavouras para a realização dos primeiros testes.

Nos dez dias em que a colhedora operou no ano passado, os resultados indicam que o produto alcançou patamares de eficiência suficientes para estar próxima para ir ao mercado. A colhedora voltará a operar neste ano com o recomeço dos trabalhos em campo a partir da primeira semana de abril, quando a São Martinho iniciará a colheita da safra 2025/26 em sua usina em Pradópolis (SP).

“É um sonho, principalmente das usinas”, diz Christian Gonzalez, vice-presidente da Case IH para a América Latina. Nas décadas de 1970 e 1980, com o Proálcool e a introdução do carro a álcool no país, muitos usineiros defendiam que também se pudesse usar o biocombustível em máquinas pesadas, mas os resultados de eficiência e preservação do motor nunca foram satisfatórios — até agora.

Em vez de converter para etanol os motores a diesel usados nas máquinas pesadas, o “pulo do gato” da Case IH foi buscar um motor que já fosse do ciclo Otto (por faísca), e não por compressão, como o motor a diesel. Para isso, a Case IH utilizou os motores da FTP movidos a gás natural que a empresa já usa em suas máquinas na Europa.

Chegar a essa solução não foi automático. Os primeiros testes da Case IH para usar etanol em veículos pesados começaram em 2011, tentando converter os motores do ciclo diesel. Gonzalez conta que a empresa chegou a desenvolver um motor “híbrido” de diesel e etanol, que até teve um desempenho melhor, mas não o suficiente.

Com a adaptação do motor a gás da FTP, o resultado foi mais animador, mas exigiu bastante trabalho, conta o executivo. Foi preciso fazer várias alterações na composição do motor, principalmente no cabeçote e na injeção.

Após as adaptações e os testes em laboratório, o motor a etanol da Case IH, com capacidade para 13 litros, conseguiu mover uma colhedora de 27 toneladas — a máquina mais pesada do portfólio da companhia — e colher cerca de 5 mil toneladas de cana. A ideia, segundo Gonzalez, foi testar a solução já em sua máquina mais pesada para facilitar a adaptação do motor em máquinas mais leves.

A situação das lavouras em que a colhedora trabalhou também foi uma prova de fogo. “Ela operou em uma cana tombada, que é uma condição mais desafiadora”, conta Fábio Venturelli, CEO da São Martinho. Já para facilitar, os testes ocorreram em canaviais que contam com a infraestrutura de 5G da companhia, o que contribuiu na recepção e análise dos dados gerados diretamente da máquina.

Para Venturelli, ainda é cedo para avaliar em que condições de mercado faz sentido trocar uma colhedora que roda com diesel pela movida com o biocombustível. A conta vai depender, também, dos testes que ainda ocorrerão nas lavouras neste ano.

Mas a economia de custos é patente. Segundo ele, a inovação aliviará o gasto com diesel, a principal linha de custo operacional da empresa. Hoje, a frota da São Martinho consome 80 milhões de litros de diesel por ano. “É o maior custo, e isso tem chamado nossa atenção. Antes, era a mão de obra, agora é a parte energética. O diesel tem sido mais [custoso] até do que fertilizante e defensivo”, diz. Com a substituição por etanol, a colhedora de cana deixa de ser abastecida com um combustível que tem o frete em sua composição de custo por um cuja produção está literalmente ao lado do consumo.

Segundo Gonzalez, o primeiro teste com a colhedora a etanol resultou em uma potência de 400 cavalos, um desempenho próximo ao da colhedora original, de 420 cavalos. “Nosso objetivo é chegar à máxima eficiência que o etanol pode produzir”, disse.

O executivo admite que a autonomia será um pouco menor e estima que a colhedora a etanol deverá fazer um abastecimento a mais por dia do que a máquina a diesel. Segundo os executivos, também serão testadas opções para otimizar o abastecimento em campo. Neste ano, a Case IH vai utilizar o motor a etanol também em tratores, que são menos pesados.

Além disso, a substituição do diesel pelo etanol diminui as emissões de gases estufa, o que reduz ainda mais a pegada de carbono do etanol a ser produzido com a cana colhida com a nova máquina.

Para Venturelli, o etanol tem mais potencial do que o biometano para descarbonizar as máquinas mais pesadas. “Essa máquina mostra que haverá um mix de combustíveis” para substituir os derivados fósseis, defende. Para que uma colhedora de duas linhas fosse movida a biometano, complementa Gonzalez, o tanque de combustível teria que ser do mesmo tamanho da máquina.

Fonte: Globo Rural