Brasil sem combustíveis fósseis: um sonho possível

Por Marcello Brito, André Guimarães* e Álvaro Batista***

O Brasil é o único entre os grandes países que pode eliminar de sua economia os combustíveis fósseis no médio prazo. Ainda, fazer isso gerando emprego e renda, atraindo investimentos e ampliando a produção agropecuária, setor em que somos líderes globais.

Utilizando terras degradadas e de baixa produtividade, que somam dezenas de milhões de hectares, podemos eliminar os fósseis sem desmatar. Seria uma escolha estratégica com inúmeros benefícios para os brasileiros e para o planeta, mas que requer coragem e visão de futuro sob um novo paradigma: o mundo livre de combustíveis fósseis e sem desmatamento, elementos centrais para vencermos o desafio imposto pelas mudanças climáticas.

E como caminhar rumo a este novo mundo? Por conta de sua riqueza em recursos naturais, o Brasil é uma referência global na geração de energia renovável, bem como um exemplo na produção de biocombustíveis líquidos (etanol, biometano e outros).

Porém, ao invés de estarmos debatendo como maximizar nossa força na agropecuária, e eliminar fósseis de nossa economia, o país se fecha ao futuro colocando a exploração de petróleo na margem equatorial do rio Amazonas como prioridade. Tal empreendimento demandaria centenas de bilhões de dólares de investimento da Petrobras, de seus acionistas, do mercado e da sociedade, sem falar nos vultosos subsídios recebidos pelo setor.

E se esses mesmos bilhões fossem investidos na produção de soja, dendê e outras oleaginosas que produzem biodiesel e seu primo mais moderno, o HVO (hydrotreated vegetable oil)? Isto sem falar do potencial da lavoura de cana e de mandioca para a produção de etanol, bem como do biometano advindo do campo e da indústria. Será que não poderíamos gerar a mesma quantidade de empregos e divisas para o país, inclusive para Estados e municípios que esperam a chegada de royalties de petróleo?

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o setor de transportes é responsável por 25% da emissão de gases de efeito estufa a nível mundial (transporte e produção de combustíveis). No Brasil, o transporte rodoviário emite cerca de 207 milhões de toneladas de CO2 por ano (9% das emissões totais do país em 2023), volume relativamente pequeno, em comparação com outros países grandes emissores como os Estados Unidos, a China e a Europa.

O fortalecimento da produção nacional de biocombustíveis e a redução da dependência de combustíveis fósseis faz parte da ampla estratégia brasileira para reduzir suas emissões de carbono, como está institucionalizado na Lei do Combustível do Futuro, sancionada em 2024 (Lei 14.993, de 08 de outubro de 2024). Vale lembrar que o Brasil é pioneiro na produção de biocombustíveis, cujo marco pode ser encontrado no Proálcool (Programa Nacional do Álcool), em 1975.

Produzir biocombustíveis de forma integrada ao agronegócio é uma importante oportunidade para a economia brasileira. A produção de matéria-prima renovável deve entrar na equação da geração de energia sustentável e aqui acontece o encontro com o potencial oferecido pelos cerca de 40 milhões de hectares de áreas degradadas no país, cuja recuperação é um dos objetivos para os próximos dez anos no Programa Caminho Verde Brasil, coordenado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

Uma possibilidade é a utilização dessa área para cultivar matéria-prima renovável, e o Brasil tem uma série delas: macaúba, mamona, inajá, babaçu, tucumã, pinhão-manso, cana-de-açúcar, girassol, dendê, soja, milho; também o biometano, as algas, o hidrogênio de baixo carbono e as diversas possibilidades no âmbito dos biocombustíveis de segunda e terceira geração.

O Estado brasileiro precisa de uma definição mais clara e menos ambígua para contribuir com o combate às mudanças climáticas. Não faz sentido fortalecer, acertadamente, o combate ao desmatamento, de um lado, e de outro incentivar a exploração de petróleo na Amazônia.

É imperativo que construamos um projeto de país que esteja alinhado com o bem-estar de sua população e que tenha fundamentos na sustentabilidade, com base numa visão de país que exerce com coerência a sua liderança global nas temáticas agrícola e ambiental.

Temos sol, terras férteis, competência empresarial, tecnologia e atratividade para investimentos na produção de biocombustíveis em escala muito maior do que a atual. Transformemos esta vantagem comparativa em competitiva, livrando o país dos combustíveis fósseis líquidos de uma vez por todas.

Mostremos ao mundo que abaixo da linha do Equador podemos sonhar e implementar soluções que beneficiem a coletividade. Num planeta polarizado e cercado de incertezas geopolíticas, o Brasil pode e deve se apresentar como farol para um futuro mais sustentável e justo.

Convidamos todos a mudar o rumo do debate sobre produção e consumo de fósseis em nosso território. Ao invés de nos indagarmos sobre explorar ou não petróleo, deveríamos nos questionar sobre quais alternativas que temos a ele.

Como podemos viabilizar, com geração de empregos verdes, mais sustentabilidade e ajudando o clima do planeta, um novo modelo de transporte que independa de petróleo? Como construir uma nova política fiscal que alivie nossa extrema dependência dos impostos pagos pelos setores dependentes dos fosseis, numa transição organizada e paulatina?

As respostas às perguntas acima podem, de fato, fazer do Brasil o primeiro grande país a se transformar, de fato, num produtor e exportador de combustíveis renováveis e de soluções para a crise climática.

E pode fazer tudo isso sem mais desmatamento.

*Diretor acadêmico da FDC-Agroambiental e conselheiro do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

**Diretor executivo do IPAM.

***Economista e pesquisador do IPAM.

Fonte: Globo Rural