Por Jose Carlos Grubisich*
Diante do objetivo global de zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050, os países desenvolvidos apostaram no projeto de eletrificação dos veículos como sua principal alternativa sustentável, destinando altos investimentos à sua fabricação e subsídios para a sua compra. Hoje, esse entusiasmo vem diminuindo a olhos vistos, e o Brasil, que jogou suas fichas no modelo híbrido, desponta como potencial líder do processo de descarbonização em todo o planeta. A falta de infraestrutura de recarga, ao lado do recuo dos governos na concessão de incentivos, vem ocasionando a desaceleração das vendas de elétricos puros nos países desenvolvidos. Já se percebeu que a mudança disruptiva pode não ser o melhor caminho. Afinal, descartar toda a infraestrutura (rede de abastecimento, oficinas, concessionárias etc.) instalada há 1 século e partir do zero resultaria em custos altíssimos. Não há como transformar o mundo num passe de mágica.
Ademais, especialistas já mostraram que a neutralidade total de carbono não depende só da tecnologia. Carros elétricos não liberam gás carbônico via escapamento, como ocorre com os movidos a combustão, mas, a depender da matriz energética do país onde são produzidos, saem da fábrica com saldo negativo no balanço das emissões. A produção de etanol, por sua vez, requer o plantio de mais cana-de-açúcar, e a planta retira CO2 da atmosfera via fotossíntese, fechando um ciclo renovável. Mais de um terço da energia elétrica mundial é produzida em termelétricas pela queima de carvão mineral e de gás natural. É esse o caso da China e de países da Europa, por exemplo, que, nesse importante quesito, estão na contramão da sustentabilidade.
Já o Brasil, nesse ponto, está em posição vantajosa em relação ao resto do mundo, uma vez que sua matriz energética é composta de fontes renováveis: enquanto as usinas hidrelétricas respondem por 55% da eletricidade gerada no nosso território, a energia eólica e a solar respondem por outros 35%. Além desse diferencial, o país é pioneiro no uso de biocombustíveis: o etanol abastece a frota brasileira desde meados da década de 1970, quando foi criado o Proálcool. Na época, em face da crise do petróleo de 1973, incentivos fiscais e outras medidas estimularam a produção de cana-de-açúcar e o desenvolvimento de uma alternativa à gasolina. Na década de 1990, mais da metade dos carros brasileiros era movida a etanol, mas, ao mesmo tempo, caía o preço do barril de petróleo no mercado internacional e o novo combustível deixava de ser competitivo internamente.
No início do novo milênio, outra crise internacional do petróleo deu impulso à volta do etanol, mas, dessa vez, a indústria desenvolveu os motores flexfuel, que funcionam tanto a gasolina como a etanol. O uso de um ou outro combustível tornou-se, assim, uma opção do consumidor, que passou a considerar diferenças de desempenho e, sobretudo, de preço. Hoje, porém, o fator verde também pesa na escolha. O Brasil tem a matriz energética mais limpa do planeta, tecnologia na produção de etanol e parques industriais automotivos instalados. Não por outro motivo, o mercado já entendeu que o modelo ideal no país é o híbrido. Os chamados veículos bioelétricos ou híbridos (elétricos alimentados por biocombustíveis), que oferecem uma resposta ao desafio da duração da carga de bateria dos elétricos puros, também emitem menos CO2 do que os elétricos quando consideradas todas as emissões acumuladas. A adoção do modelo híbrido, combinando a tecnologia do elétrico com o uso de biocombustíveis, em conjunto com políticas de aumento do uso do etanol, pode aumentar o faturamento das empresas da cadeia, impulsionar o PIB e criar empregos qualificados.
A opção pelo modelo elétrico puro descartaria, de uma só vez, toda a cadeia de produção necessária para a fabricação dos motores a combustão, além de reduzir o uso de componentes e de mão de obra; por outro lado, as baterias teriam de ser importadas, sem trazer faturamento às empresas instaladas no país. A fabricação de híbridos do tipo elétrico/biomassa, diferentemente disso, permite manter todo o investimento já realizado na produção dos veículos no Brasil. O Brasil, que é o 2º maior produtor mundial de etanol derivado da cana-de-açúcar , já avança na produção de etanol de milho, que, nos últimos 5 anos, teve aumento de 800%.
De acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria, houve um salto dos 520 milhões de litros produzidos na safra 2017/2018 para 4,5 bilhões na safra 2022/2023 –e a safra 2023/2024 deve fechar com um total de 6 bilhões de litros. Em pouco tempo, essa alternativa também se tornará competitiva. A necessidade de reduzir as emissões de carbono para enfrentar a crise climática é consenso; o diferencial está no modo de fazer isso. O Brasil hoje está diante de uma oportunidade de ouro: o incentivo à produção e à exportação de biocombustíveis, de tecnologia e de equipamentos e o consequente aumento de empregos qualificados estão na base de um modelo de gestão sustentável da crise climática que pode pôr o país na vanguarda da transição para a energia verde.
Além do potencial crescente para o mercado automotivo, a produção de biocombustíveis pode ser expandida para a aviação, a indústria química e outros setores. Como potência agrícola, o Brasil tem vocação para liderar um processo racional de transição para a economia de baixo carbono com impacto global. Com expertise no uso do etanol em larga escala e matriz energética limpa, o país pode tornar-se exportador também de um modelo de negócio vitorioso.
*Empresário e managing director da Olímpia Investimentos e Participações. Foi presidente da Rhodia, CEO da Braskem e da Eldorado Brasil Celulose.
Fonte: Poder 360