
Foto: Reprodução Linkedln
Por Renata Bossle (com reportagem de Gabrielle Rumor Koster)
Ao mesmo tempo em que o Brasil vive a perspectiva de se tornar, em breve, o quinto maior produtor de biometano do mundo, conforme estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o setor sucroenergético também encara a missão de representar uma parcela significativa desse potencial.
De acordo com números apresentados em março pela presidente executiva da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás), Renata Isfer, a capacidade produtiva de biometano do Brasil é de 858 mil metros cúbicos por dia. O valor inclui tanto as 11 plantas autorizadas até aquele momento pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) quanto as 23 unidades que atuavam com autoprodução.
Ainda segundo Isfer, um levantamento da Abiogás com suas mais de 160 associadas trouxe a perspectiva de que o segmento pode chegar a 200 plantas em 2032, totalizando uma capacidade de 7,92 milhões de m³/dia.
Em entrevista ao NovaCana, o diretor de estratégias de novos negócios da Copersucar, Daniel Valle, acredita que o potencial das 38 usinas associadas chega a 2 milhões de m³/dia. Para ele, o biometano já deixou de ser uma promessa, passando a integrar os planos de investimentos e as perspectivas de receitas das companhias do setor.
Por conta da relevância desse conjunto de unidades, Valle será um dos palestrantes do painel “Inovações no setor sucroenergético: biocombustíveis do futuro e soluções sustentáveis” durante a oitava edição da Conferência NovaCana. O evento acontece em São Paulo, nos dias 15 e 16 de setembro de 2025.
O executivo será acompanhado pelo diretor da Abiogás, Tiago Santovito; pelo vice-presidente de açúcar, etanol e energia da Adecoagro, Renato Junqueira Santos Pereira; e pelo estrategista global de açúcar do Rabobank, Andy Duff.
Formado em administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e com MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Valle tem mais de 20 anos de experiência, com passagens pela Czarnikow e pela Alvean. Além, disso, integra a equipe da Copersucar desde 2019.
A seguir, leia a entrevista completa com Daniel Valle.
A Copersucar anunciou que tem interesse em atuar na comercialização e na distribuição de biometano, assim como já faz com outros produtos das usinas. Mas ele é bastante versátil – indo de fertilizante a substituto do diesel. Qual é o principal mercado que vocês buscam e por que ele foi o escolhido?
O biometano atua como um produto de substituição do gás natural fóssil na indústria e, também, na substituição do diesel, principalmente em transporte pesado, com ônibus e caminhões. Esses são os dois mercados que estamos priorizando para a Copersucar enquanto comercializadora e distribuidora de biometano.
Quais são os resultados esperados com a operação de biometano?
Vamos falar de volumes. Hoje, a Copersucar compreende 38 usinas e, com elas, temos um potencial de produção de quase 2 milhões de m³/dia de biometano. É um volume relevante já que, em 2024, o Brasil produziu algo da ordem de 1 milhão de m³/ dia. Como temos esse potencial, eu diria que o nosso papel é atuar para que o ecossistema tire esses projetos do papel. Lembrando que, no momento, as usinas produzem biometano a partir dos seus resíduos – vinhaça e torta de filtro. Esses 2 milhões de m³/dia que eu comentei consideram as tecnologias existentes, focados nessas matérias-primas. No futuro, esse número pode chegar a até 4 milhões de m³/dia se formos considerar também a utilização de parte da biomassa, com bagaço e palha de cana.
Você falou em “tirar os projetos do papel”. Atualmente, quanto uma usina precisa investir para ter produção de biometano? A Copersucar oferece algum tipo de incentivo?
Os investimentos para você produzir biometano a partir de vinhaça e parte da torta de filtro oscilam em torno de R$ 100 milhões a R$ 200 milhões por planta. Então, para o ecossistema integral da Copersucar, trata-se de um montante próximo de R$ 4 bilhões, podendo chegar a R$ 6 bilhões. Com relação a apoio, é importante deixar claro os papéis. A decisão de investimento é das nossas usinas e o apoio da Copersucar é a solução logística de distribuição, de comercialização desse produto para as usinas, de forma integral e exclusiva.
As sucroenergéticas têm capital para esses investimentos?
O setor tem tido anos importantes. As usinas estão capitalizadas. As companhias que fazem parte do grupo econômico da Copersucar, em geral, têm uma estrutura de capital forte. Acho que o desafio de implementação, realmente, não passa pela questão de capital. Ele passa, obviamente, pelo desenvolvimento de um mercado, que ainda está sendo criado. Outro ponto importante e que auxilia esses projetos a saírem do papel é o funding. O biometano é um produto que cabe dentro do Fundo Clima, uma das linhas que o BNDES tem ofertado. Um outro aspecto importante é a lógica de mercado, com o desenvolvimento do programa Combustível do Futuro.
Em quanto tempo o biometano se tornará só “mais um” produto das sucroenergéticas, digamos assim?
O biometano, de certa forma, já é uma realidade. Nós já temos usinas produzindo, inclusive nos grupos econômicos que envolvem a Copersucar: a Cocal, por exemplo, já tem duas unidades, uma em operação e outra em fase de comissionamento, devendo começar a operar em breve. Olhando para um horizonte de curto prazo, o volume produzido pelas sucroenergéticas deve começar a ficar mais claro a partir de 2027 ou 2028. Isso acontece porque nós temos um ciclo de, mais ou menos, dois anos para que as plantas sejam construídas e comecem a fase de comissionamento.
Há planos para a utilização de biometano na frota da Copersucar? Vocês possuem alguma meta nesse sentido?
Eu comentei que temos a substituição do diesel como uma das rotas de comercialização. Por competitividade, essa é, de fato, uma das direções prioritárias, até mesmo porque o biometano passa a ser uma alternativa mais economicamente viável se comparado ao diesel, além de descarbonizar cerca de 90%. Já olhando para o ecossistema, também é uma oportunidade para trazermos o biometano para dentro, com a substituição nas nossas frotas. As transportadoras parceiras da Copersucar têm olhado isso com bons olhos; temos feito desenvolvimentos em torno disso.
Ainda nessa questão do uso de biometano por veículos pesados, a Copersucar deve realizar alguma ação para que o biocombustível esteja presente nos postos? A Evolua, por exemplo, poderia ingressar nesses planos?
Temos um projeto da Copersucar, por conta do escopo. A Evolua vai seguir apenas com etanol; há uma segregação. Eu acho que a melhor mensagem é: o biometano como substituto ao diesel tem não apenas um aspecto econômico, mas também a questão da descarbonização, que acho que é um dos pilares chave para incentivo.
De maneira ampla, como a Copersucar vê a questão logística do biometano no Brasil? O que precisa ser feito para melhorá-la?
A verdade é que a situação logística do Brasil para gás, em geral, é muito pautada na infraestrutura de gás natural fóssil existente. Ele vem ou via gasoduto Brasil-Bolívia – que corta o Mato Grosso do Sul e o estado de São Paulo horizontalmente, chegando até o litoral – ou pelos dutos de transporte litorâneos, que descem a costa desde o Nordeste até o Sul do país. Então, o interior do Brasil, de fato, não tem um acesso relevante a gás. É aí que está a oportunidade e a beleza do biometano, que além de ser um produto limpo, promove a interiorização do gás para o Brasil. Mas precisamos ter um desenvolvimento na questão logística. Tanto o setor de transporte de gás como o setor de distribuição de gás precisam ampliar os dutos. Mas nós vemos também parte dessa solução com distribuição a partir de carretas de gás natural comprimido.
Em junho do ano passado, foi divulgada a construção de uma planta em escala demo-industrial, junto com a Geo, para produzir SAF a partir do biometano. Em que etapa está este projeto?
Nós optamos por não dar continuidade, no momento, a esse projeto específico. A decisão foi tomada por uma questão realmente interna, de evolução dos termos. Mas nós acreditamos na tecnologia –não só nessa, que envolve a conversão de gás para líquidos e esses líquidos entrariam em uma rota de produção de SAF, que é o querosene de aviação sustentável. Nós acreditamos bastante nessa rota, mas não demos prosseguimento.
Vocês teriam algum plano para outra rota? Como o uso direto de etanol para a produção de SAF, por exemplo?
Esse é um dos pontos de estudo. A evolução tecnológica é uma questão que acompanhamos de forma muito próxima. O papel da Copersucar dentro do mercado de SAF é, de novo, ser o maior consolidador, o maior em escala. Com a nossa empresa nos Estados Unidos, a Eco-Energy, temos uma parcela relevante no mercado de etanol por lá, com aproximadamente 15% de marketshare; sendo que já temos 30% de marketshare no Brasil. Então, vamos ter um papel no mercado de SAF. O que decidimos é que não vamos nos posicionar somente como um produtor, com um fornecedor de insumo para produção na rota ATJ (alcohol to jet). Estamos estudando oportunidades de nos integrarmos nessa cadeia. Um outro ponto importante é que, além desse viés de olhar as oportunidades, percebemos que a tecnologia ainda tem etapas a serem cumpridas. Por isso que ainda não temos clareza: as plantas ainda estão em fase de desenvolvimento tecnológico.
Então, como o Brasil se posiciona nesse cenário para o mercado de SAF?
O Brasil tem uma posição competitiva muito diferenciada. Dentro da Copersucar, temos atuado cada vez mais para fazer com que o nosso etanol, que é um insumo base para o SAF, tenha a menor pegada de carbono possível. Quando tratamos do mercado de transição energética, o foco é a descarbonização, é o rumo ao net zero. Então, temos que ter combustíveis que emitam zero carbono ou o menor possível na comparação com o fóssil. Esse é um dos principais diferenciais porque, aqui, nós temos uma matriz com volumes relevantes de etanol com baixa pegada de carbono. Então, o Brasil tende a ter uma diferenciação importante. Além disso, a nossa matriz de eletricidade é quase 90% renovável, citando dados do ano passado. Quando você olha para países que estão desenvolvendo plantas – por exemplo, Japão ou nações da Europa –, eles são 80% fósseis; esse valor é a média dos países da OCDE. Então, temos muito a ganhar em competitividade.
Quais é a sua visão de médio e longo prazo para a produção e demanda de biocombustíveis a base de etanol, como o SAF?
São números tão superlativos que ficamos sempre empolgados. Temos que controlar um pouco o entusiasmo. Mas o ponto é: se formos olhar o mercado de SAF, há uma meta internacional para atingimento de net zero em 2050. Isso considera o SAF como um dos principais agentes, com cerca de 63% da entrega. Para isso, teríamos uma demanda de SAF equivalente a 449 bilhões de litros. Claro que não dá para dizer que a rota ATJ vai atender tudo. Mas, assumindo que uma parcela de aproximada de 10% venha por ATJ, isso geraria uma demanda adicional de quase 70 bilhões de litros. E isso é só para 10%. Nós entendemos que o ATJ, pela competitividade e pela escala, pode ser maior. Então, só nesse caso, já temos um número bastante relevante.
Você pode comentar também sobre as perspectivas para soluções na área de transporte marítimo?
Quando falamos de bunker, o combustível de navio, o mercado de hoje está na casa de 300 bilhões de litros, aproximadamente – lembrando que é um mercado que está sempre se expandindo. Desses, 300 bilhões de litros, a clareza que temos é que, para atingir o net zero em 2050, vamos precisar de biocombustível. Se falarmos de 5% a 10% em um horizonte de dez anos, nos volumes de hoje, já são mais de 15 bilhões ou 30 bilhões de litros. Então, mesmo com premissas conservadoras, são demandas que ultrapassam o que é produzido hoje no Brasil, que fabrica em torno de 35 bilhões de litros. Só essa demanda de 5% a 10% de bunker já representaria mais que o dobro do que a gente produz. O SAF, só com 10%, demandaria duas vezes o que produzimos hoje.
Realmente, são números superlativos.
Exato. É uma oportunidade muito grande para o setor. Eu também acho que a demanda não se compreende somente ao SAF na rota ATJ ou à substituição de bunker. Existe, no mundo, um movimento de eletrificação para frotas leves, mas isso não tem se provado como a bala de prata, principalmente em países que têm tecnologia de produção de veículos à combustão, como o Japão. O que a gente tem visto é uma evolução de mandatos de mistura de etanol na gasolina, que podem gerar demandas adicionais grandes. Por exemplo, o próprio Brasil fez o anúncio do E30 – com 30% de etanol na gasolina, o Brasil mostra para o mundo que dá para fazer. O Japão tem discussões para, em 2030, ter E10, podendo chegar a E20; sendo que o mercado japonês de combustível é grande. A Índia quer E20 e já está discutindo E30. Também há outros países começando a olhar para isso, como Coreia, Austrália, Filipinas, Indonésia – que já está com mandato oficial de 5% –, França e Alemanha. Então, há um potencial também nas frotas existentes. E não estou falando de mudar a tecnologia de motor para flex, mas simplesmente de misturas na gasolina. É um momento positivo.
Considerando que há todas essas opções, como a Copersucar está decidindo para onde direcionar esforços e recursos, especialmente em um curto e médio prazo?
A transição energética é a nossa principal agenda. Temos olhado, de fato, para as principais rotas de transição que tocam nos produtos derivados da nossa cadeia, que é a da cana-de-açúcar. Como eu já falei aqui, o biometano é uma prioridade, o SAF é uma prioridade, o bunker é uma prioridade. Temos olhado, obviamente, os outros mercados que estão se desenvolvendo – até para estarmos cientes – mas os principais são esses três. A Copersucar, pela nossa posição de liderança e escala, também tem que olhar para os mercados de biomassa e de créditos de carbono, onde há oportunidades para atuarmos.
Fonte: NovaCana