Biocombustíveis precisam ser tratados como agenda estratégica

Fotomontagem: Amanda Borges | AutoPapo


Por Silvio Roman*

O Brasil consolidou seu protagonismo na transição energética nos últimos anos. Um dos fatores preponderantes foi o pioneirismo em investimentos em biocombustíveis. Ao longo dos anos, estruturamos políticas públicas que visam a impulsionar a destinação de recursos governamentais e privados e, assim, fortalecer a economia nacional.

Em 2024, tivemos a lei 14.993 de 2024, conhecida como a Lei do Combustível do Futuro, considerada um importante marco. Entre as medidas, está a determinação do aumento gradual da mistura, que deverá chegar a 20% em 2030. Pela regulamentação, o diesel teria, a partir de março, 15% de biodiesel em sua composição.

O governo federal, entretanto, anunciou a manutenção dos atuais 14% da mistura poucos dias antes da legislação seguir seu rito. Assim, o clima de incerteza passou a pairar sobre um cronograma importante e intensamente discutido por agentes públicos, entidades do setor e o mercado. É mais que chegada a hora de retomar o calendário para garantir a previsibilidade e, consequentemente, novos investimentos. Essa indefinição traz consequências para a indústria do biodiesel.

A paralisação do cronograma congela investimentos e causa insegurança a um setor com grande potencial de expansão. E hoje não há qualquer aceno para que cumpram-se as diretrizes regulatórias do Combustível do Futuro. O mercado reagirá positivamente à decisão de seguir o que foi estabelecido, haja vista as respostas que temos dado frente aos avanços regulatórios do país dos últimos tempos. Para se ter uma ideia, em 2024, atingimos a marca histórica de 9 bilhões de litros produzidos, o que demonstra a importância do biocombustível para o Brasil.

Para este ano, uma projeção da StoneX indicava que o avanço da mistura para 15% e o crescimento da demanda por diesel B garantiriam um consumo adicional de cerca de 1,1 bilhão de litros de biodiesel. Chegaríamos, então, a 10,2 bilhões de litros, alta de 12,2%. Em abril, a projeção foi revista pela consultoria, indicando a produção de 9,6 bilhões de litros em 2025, aumento de 5,6%. Em outras palavras, o adiamento reduzirá o crescimento do setor em mais da metade.

Não se trata só de frustração por não se concretizar aportes expressivos para ampliar a capacidade de processamento do produto. A paralisação da elevação da mistura de biodiesel ao diesel vai na contramão do discurso de uma nação que quer liderar a transição energética. Esse contexto torna-se ainda mais paradoxal quando lembramos que o Brasil sediará, em novembro, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

A COP30 colocará ações em curso pela energia limpa no país sob holofotes internacionais. Os esforços pelos biocombustíveis e o potencial de destaque nacional no segmento tendem a ganhar ampla visibilidade. Como explicar ao mundo que freamos nossos processos definidos por uma sólida base regulatória?

Em uma projeção otimista, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima que a produção brasileira de biodiesel poderá crescer até 20,9 bilhões de litros em 2034. Isso se o mandato da mistura de biodiesel ao diesel aumentar 1% ao ano até atingir 25% e se estabilizar nesse patamar a partir de 2035. Precisamos olhar para este futuro promissor e afastar contextos pessimistas.

Cabe ao Brasil se apropriar e seguir com uma agenda pública que permita, efetivamente, o fortalecimento da indústria dos biocombustíveis, garantindo previsibilidade ao mercado, atraindo novos investimentos e, mais do que isso, contribuindo para uma sólida transição sustentável.

Por isso, a paralisação do aumento do mandato da mistura de biodiesel ao diesel vai na contramão do desenvolvimento socioeconômico do país. O cumprimento de medidas regulatórias é crucial para o avanço da transição energética global, colocando inclusive o Brasil em uma posição estratégica em sintonia com seu imenso potencial.

*Diretor de Biodiesel do Grupo Delta Energia.

Fonte: Poder 360