Por Daniel Furlan Amaral*
A imprensa e as mídias especializadas costumam abordar a discussão sobre o processo de eletrificação da frota no Brasil com foco nos veículos leves, que representam boa parte da nossa interação direta com o transporte. Igualmente importantes para a descarbonização, os veículos pesados e utilitários precisam ganhar mais espaço no debate.
Essenciais para o transporte urbano e de mercadorias, esses veículos consomem diesel rodoviário em volumes semelhantes à soma da gasolina comum e do etanol hidratado. No entanto, pouco se comenta a respeito dos seus desafios sob o ponto de vista da segurança na oferta de combustível, da redução das emissões de poluentes e de gases do efeito estufa.
Acredito que começamos a mudar a forma de discutir o tema no seminário promovido pela Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) no auditório da FGV em São Paulo (SP) no dia 18 de julho. Tivemos um dia inteiro de debates com a participação da Petrobras, distribuidoras, fabricantes de veículos e autopeças, governo e, claro, produtores de biocombustíveis para motores ciclo diesel.
O evento deixou claro que o assunto é de interesse amplo. Afinal de contas, os veículos e, portanto, os consumidores, são os mesmos. Faz sentido que as discussões sejam realizadas em alto nível e de maneira respeitosa, porém, isso não as tornam menos desafiadoras.
Achei muito instigadora a apresentação do Superintendente-Adjunto da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Marcelo Cavalcanti, que abriu os debates com números que balizaram todos os painéis seguintes. Chamou a atenção a projeção de que o Brasil consumirá 84 bilhões de litros de diesel B em 10 anos, ou 25% mais em relação aos volumes atuais. Desse aumento, apenas uma parte virá das refinarias e do biodiesel brasileiros, de forma que o País deve manter sua necessidade de importações na ordem de 25%.
Não é pouca coisa precisar de volumes tão expressivos de diesel do exterior sabendo que: i) sem diesel a economia brasileira para; e ii) parte importante dos países produtores possui risco geopolítico considerável. Basta lembrar o que aconteceu recentemente após o conflito na Ucrânia e como ficamos próximos de um desabastecimento para pensarmos profundamente sobre esse cenário.
O lado positivo foi ver que há um espaço relevante para trazer a segurança que o Brasil precisa. Em primeiro lugar, a matriz de transportes rodoviária comporta ganhos consideráveis de eficiência energética com a substituição da frota com idade média elevada por veículos mais novos.
Em segundo, projetos estruturais de novas ferrovias e hidrovias devem suceder os caminhões por trens e barcaças que transportam mais com menor consumo. Finalmente, e não menos importante, o Brasil dispõe de um parque industrial para produção de biocombustíveis que é capaz de ampliar o abastecimento doméstico com produtos limpos, renováveis e sustentáveis.
As limitações técnicas ao biodiesel foram nitidamente superadas. Com a nova especificação de qualidade e a fiscalização da ANP (Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis), a liberdade para que as distribuidoras possam comprar das usinas que apresentam as melhores condições econômicas, logísticas e de qualidade, a participação ativa dos fabricantes de veículos para usos superiores e as ações de adoção de 100% de biodiesel em motores, ficou claro que temos um novo ambiente para a discussão.
Ouvi dos expositores que toda a cadeia produtiva trabalha hoje com a consciência de que não podemos mais voltar para a época em que nossa matriz era exclusivamente de derivados de petróleo. Pelo contrário, os biocombustíveis vieram para ficar. A meu ver, isso vir de expositores de grande respeito e de representantes de diversos segmentos da cadeia produtiva foi extremamente esclarecedor.
É bom rever as projeções da EPE, empresa muito respeitada pela qualidade de suas entregas. Ela trabalha com 15% de biodiesel, o que mostra que o PL Combustível do Futuro acerta ao elevar o teto da mistura para 25% e promove a mistura de 3% de diesel verde em um horizonte de tempo semelhante. Ainda assim, há muito a ser feito para acelerarmos a transição energética garantindo a nossa independência no diesel.
*Colunista do portal The AgriBiz.
Fonte: The AgriBiz