Por Rafael Walendorff
Após o Banco Central apertar o cerco contra a concessão de crédito bancário a produtores com inconsistências no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e com áreas embargadas, mais de 30 mil operações no valor de R$ 6,2 bilhões deixaram de ser efetivadas apenas no primeiro semestre de 2024. Foram casos de áreas do empreendimento fora do registro ou com o certificado sem relação com a localização do imóvel.
Outras 1,2 mil operações foram vetadas pelo BC de janeiro a junho deste ano devido ao não atendimento de outros critérios socioambientais vinculados ao financiamento. Esses itens são verificados e cruzados com diversas bases de dados, inclusive as do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no chamado Bureau de Crédito Rural do BC. Os financiamentos impedidos somavam R$ 726,2 milhões.
Desde 2020, o sistema de verificação do Banco Central já vetou mais de 2,2 mil operações devido ao não atendimento aos critérios sociais e ambientais exigidos para concessão de crédito rural. O valor dos financiamentos ultrapassaria R$ 1 bilhão. Nesse período, produtores rurais de todo o país acessaram mais de R$ 1,4 trilhão em empréstimos bancários.
Os dados estão no Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos. Segundo o BC, 64 entidades foram supervisionadas no período, dez delas com atuação concentrada na Amazônia. O monitoramento do Bureau de Crédito Rural resultou em 68 sinalizações, na emissão de dez súmulas de apontamentos e na desclassificação de 342 operações.
“Desse modo, após o tratamento e a análise de dados pelo BC, as entidades supervisionadas passaram a ser confrontadas com indícios de operações com maiores riscos frente às próprias políticas e limites internos, colaborando para o aperfeiçoamento da supervisão prudencial dos riscos sociais, ambientais e climáticos no Sistema Financeiro Nacional”, diz o relatório.
O Bureau do BC cruza as informações de georreferenciamento de cada operação de crédito rural registrada nas instituições financeiras com uma série de bancos de dados do governo nas áreas sociais (para checar se a empresa ou produto não tem registro ou acusação de trabalho análogo ao de escravo) e ambientais (para verificar possíveis embargos ou sobreposições) e se estão fora de terras indígenas.
Controle rígido
O controle ficou mais rígido com a publicação da resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) 5.081/2023, que veda a concessão de financiamentos bancários, com e sem subvenção federal, a propriedades que não estejam inscritas ou cuja inscrição no CAR esteja cancelada ou suspensa.
A resolução também amplia impedimentos sociais, ambientais e climáticos para o acesso ao crédito rural, como a extensão a todos os biomas da vedação ao financiamento da área total de imóveis rurais com embargos por desmatamento ilegal, mesmo que esses sejam parciais. Antes, essa restrição era aplicada apenas na Amazônia. A medida é alvo de críticas e de pedidos de alteração por parte do setor produtivo, principalmente em relação aos embargos. Propostas de revisão têm sido discutidas em âmbito ministerial.
Uma ala defende a rigidez no tratamento das áreas embargadas, para coibir ilegalidades e passar uma mensagem dura a quem tenta transgredir as regras. Essa parcela do governo lembra que há regras para a suspensão das restrições com a regularização da obra ou atividade que as motivou, por decisão da autoridade ambiental. Segundo o Ibama, entre 2019 e 2023 foram lavrados mais de 16 mil termos de embargo e emitidas 2,5 mil decisões de desembargo.
Entidades de produtores dizem que a resolução expandiu o conceito de embargo, que se limitaria à área afetada e não à propriedade inteira. A justificativa é que algumas ocorrências que levam ao embargo podem não ter relação com intenção ou culpa do produtor. A intenção é que o veto ao crédito seja direcionado aos limites do local embargado e não a todo o imóvel rural.
“A decisão de bloquear o crédito para a totalidade das áreas embargadas fere a legislação, ignora conceitos legais e afronta as garantias constitucionais dos produtores rurais. O embargo é um ato administrativo notoriamente ineficiente, e, não raramente, erros em sua aplicação se arrastam por anos sem solução”, disse Thiago Rocha, presidente da Câmara de Modernização do Crédito do Ministério da Agricultura.
Para Rocha, ampliar o conceito de embargo para vedar crédito ao empreendimento em sua integralidade pode incentivar alterações no Código Florestal. “Precisamos de uma solução mais eficiente para coibir condutas lesivas ao meio ambiente, sem infringir os direitos fundamentais daqueles que se esforçam para cumprir todo o nosso arcabouço legal”, completou.
Paulo Pichetti, diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central, disse que é possível, em tempo real, olhar os pedidos de concessão de crédito rural atualmente. “De agora em diante, esse é um instrumento poderosíssimo que usamos de forma contínua para fazer o papel de direcionar os recursos de crédito do Sistema Financeiro Nacional para atividades que sejam sustentáveis”, disse, em evento online nessta segunda-feira (2/9).
Mariana Stussi, analista do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) disse que ainda é preciso avançar no monitoramento do desmatamento nas propriedades tomadoras de crédito rural, exigir a comprovação de autorização para supressão da mata e suspender a concessão do financiamento a quem não conseguir comprovar sua regularidade. Segundo ela, a incorporação de dados de uso da terra, como do Prodes e do MapBiomas, aos dados do BC pode permitir a emissão de alertas às instituições financeiras caso seja detectado algum desmatamento.
“A evolução contínua dessas normas, assim como sua implementação e verificação, é importante para promover a sustentabilidade no crédito rural”, completou Priscila Souza, gerente sênior de Avaliação de Política Pública do CPI/PUC-Rio.
Fonte: Globo Rural