Por Mariana Grilli
Costurar as diferentes tramas do setor de algodão, sem deixar nenhum fio solto, é um desafio que agricultores e indústria tentam tecer em conjunto. Preços pagos ao produtor, demanda da indústria têxtil, concorrência com matéria-prima sintética e fatores climáticos são as peças que compõem o look da cotonicultura.
Ao considerar o ano safra 2023/2024, o Brasil se tornou o maior exportador de algodão do mundo. De acordo com a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), foram 2,7 milhões de toneladas exportadas, volume que faz o país ultrapassar as vendas externas dos Estados Unidos.
Sem se deslumbrar com o lugar que ocupa no pódio, os agricultores brasileiros miram a consolidação do algodão em um momento que a fast fashion (ou moda rápida) dá preferências ao uso do poliéster – derivado do petróleo — e fomenta o descarte rápido de roupas.
Isso significa que a indústria tem optado mais por uma matéria-prima que contribui para a liberação de microplásticos e vai na contramão da emergência climática. Em contrapartida, o Comitê Consultivo Internacional do Algodão afirma que a fibra natural, além de ser biodegradável, tem maior durabilidade e é capaz de sequestrar carbono da atmosfera.
“O lobby das fibras sintéticas é muito grande, eles têm dinheiro para poder investir nisso, então os representantes das fibras naturais estão se unindo. No curto prazo, é uma preocupação com os custos de produção, mas a longo prazo precisamos manter aos nossa sustentabilidade e mostrar a rastreabilidade”, explica Alexandre Schenkel, presidente da Abrapa, durante o 14° Congresso Brasileiro de Algodão, realizado nesta semana em Fortaleza (CE).
Uma das estratégias para se opor aos tecidos sintéticos é estar mais próximo da Ásia, líder mundial da indústria têxtil. Para isso, o Brasil avalia a construção de um armazém para manter as fibras de algodão diretamente no continente e perto dos compradores. China, Bangladesh, Vietnã, Turquia, Paquistão, Indonésia, Índia, Tailândia, Coreia do Sul e Egito são o destino de 95% das exportações brasileiras de algodão e 90% das exportações globais da fibra.
Schenkel conta que, diante do crescimento das exportações, a expectativa é que a infraestrutura no sudeste asiático saia do papel em 2030. O assunto é discuto junto à Apexa-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), pois as duas entidades têm em conjunto o programa Better Cotton, com um orçamento de quase R$ 25 milhões válidos por 24 meses.
Jorge Viana, presidente da Apex, cogita Kuala Lumpur, na Malásia, para ser o centro de distribuição da commodity brasileira na Ásia. “Dos 10 milhões de toneladas que se disputa no mercado internacional, o Brasil estava bem atrás dos Estados Unidos e agora está na frente, deve produzir mais de 3 milhões de toneladas no próximo ano. Uma das nossas intenções é ficar com a presença mais forte lá, então isso está sendo analisado”, avalia Viana.
Durante o Congresso do Algodão, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro chamou este possível espaço no sudeste asiático de “hub logístico”. “Hoje, o Mapa atesta a qualidade do algodão dos produtores que integram o programa Algodão Brasileiro Responsável, da Abrapa. É um documento de fé pública e isso é muito importante para os governantes asiáticos. Junto com isso, um hub logístico contribui para ganharmos competitividade”, diz Fávaro à coluna.
Da Ásia ao Ceará
Enquanto grandes atores do setor de algodão tentam se aproximar da indústria no exterior, a indústria têxtil do Ceará tenta uma retomada — e espera contar com grandes agricultores para isto. Ao discursar para uma plateia de 3.500 pessoas, incluindo os maiores produtores de algodão do Brasil, como Blairo Maggi, da Amaggi, Aurélio Pavinato, da SLC, e Guilherme Scheffer, do Grupo Scheffer, o governador cearense Elmano de Freitas pediu que o setor reconsidere o plantio no estado, expandindo a atuação que hoje está no Cerrado.
Até meados da década de 1980, o Ceará era sinônimo de lavouras de algodão, o que fomentou o desenvolvimento da indústria têxtil regional. Porém, uma praga dizimou as plantações e hoje a realidade é outra — do campo às fábricas. Ao mesmo tempo, as evoluções tecnológicas foram se concentrando no Centro-Oeste.
“Nós temos demanda interna, área teremos uma ferrovia, que é a Transnordestina, que vai ligar toda essa área do Cariri ao Porto de Pecém, o que é uma redução de frete muito grande além de ser o porto mais próximo da Europa e Estados Unidos”, defende o governador.
Apesar do discurso, Freitas diz que é preciso contar com a ajuda da Embrapa e outras agências de fomento para que a tecnologia atual do algodão se adapte novamente ao Ceará, em larga escala. O governador também admite que não há um plano claro de como a recuperação de áreas degradadas no Ceará poderia entrar no programa de recuperação de áreas do governo federal, cujo algodão poderia ser um cultivo alternativo.
Também existe o desafio de não transformar áreas florestais e de reserva em plantações de monocultura, afastando a agroecologia. Sem um trabalho consistente de mapeamento de riscos e oportunidades para retomar a cotonicultura no Ceará, o algodão sem mantém no Cerrado junto à soja e ao milho.
Alexandre Schenkel, da Abrapa, diz que o custo de produção por quilo de pluma de algodão é mais competitivo nesse bioma do que no semiárido, inclusive por causa do custo de irrigação das lavouras. Criado em 1997 no Ceará, hoje, o Congresso Brasileiro de Algodão recebe produtores principalmente de Mato Grosso e Bahia. Encontrar quem queira bordar a nova história do algodão na terra de Iracema é como querer encontrar uma agulha no palheiro.
Fonte: UOL