Agro é o setor da economia mais prejudicado pelas enchentes no RS

Inundação em São Sebastião do Caí (RS): chuvas destruíram plantações de
diferentes culturas no Estado — Foto: Getty Images

Por Rafael Walendorff, Nayara Figueiredo, Gabriella Weiss e Isadora Camargo

As chuvas e enchentes que provocaram 85 mortes e deixaram 134 desaparecidos no Rio Grande do Sul até ontem (6/5) também golpearam a agropecuária do Estado. Um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que esse é o setor da economia mais afetado pela tragédia, com danos financeiros de R$ 506,8 milhões, de acordo com dados apurados até a tarde de ontem.

Nos cálculos da entidade, já são R$ 967,2 milhões em prejuízos no Rio Grande do Sul em geral, considerando também outros segmentos e o setor público. O número, no entanto, pode ser bem maior. Os valores são referentes a apenas 25 municípios, que repassaram informações à confederação. Mais de 330 municípios foram afetados, de acordo com a Defesa Civil gaúcha.

“Os danos serão infinitamente superiores aos já apontados. A maioria dos municípios afetados ainda enfrenta situação extrema e atua no resgate às vítimas (…). Milhares de pessoas ainda estão ilhadas, aguardando resgate (…) e outras milhares desabrigadas”, disse a CNM, em nota.

Ainda não há estimativas oficiais sobre prejuízos às lavouras, mas cálculos da Cogo Consultoria indicam perda potencial de 6,5 milhões de toneladas de soja. A previsão para a safra 2023/24 era de uma colheita de 21 milhões de toneladas no Estado, o equivalente a cerca de 15% da produção brasileira. No caso do arroz, a Datagro estimou prejuízo de R$ 68 milhões, com perda de cerca de 750 mil toneladas. O Estado responde por 70% da produção nacional.

Frigoríficos parados

Com 20% dos abates de suínos do país e de 11% dos de frango, o Estado tem hoje dez indústrias do segmento paradas, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). A expectativa é que demore mais de 30 dias para a produção ser retomada.

De acordo com Ricardo Santin, presidente da ABPA, apesar da paralisação das unidades, a indústria descarta a necessidade de abates sanitários na região e busca alternativas para fazer com que a ração chegue até os animais. “Não tem abate sanitário até o momento. Graças à mobilização da sociedade, estamos conseguindo fazer chegar ração, contando com a solidariedade das pessoas no auxílio para as entregas”, afirmou.

Segundo ele, houve morte de animais, mas somente em função das enchentes, e foi feita uma força-tarefa, em parceria com o governo federal, para conseguir transportar as aves e suínos das regiões atingidas para industrialização em outras unidades que estejam com operação normal. “Mas o maior desafio é a logística”, disse.

A paralisação das indústrias de aves e suínos contribuiu para a queda das ações das empresas do setor na B3 ontem. Os papéis da BRF caíram 3,23%. Mesmo sendo da área de bovinos, a Marfrig recuou 4,92%, e a Minerva, 3,69%. “As ações do setor vão ser impactadas, seja por paralisação das plantas, logística comprometida. Além do problema no processamento delas, a safra de milho no Sul será afetada, encarecendo a ração do gado”, disse Gustavo Cruz, da RB Investimentos.

“Medidas extraordinárias”

Diante do cenário de destruição, representantes de produtores, empresas cerealistas, setor de biodiesel, agroindústrias e revendas de insumos do Rio Grande do Sul pediram ao Ministério da Agricultura medidas “extraordinárias” para reerguer o setor produtivo.

Em reunião virtual com secretário de Política Agrícola, Neri Geller, as entidades pediram o perdão de dívidas rurais, a criação de linhas para novos financiamentos com juros baixos e equalizados e a prorrogação imediata de parcelas de custeio e investimentos aos gaúchos.

Também solicitaram atenção especial para solucionar a questão logística, com a destinação de recursos para consertar estradas vicinais no Estado, viabilizar o escoamento de insumos e da produção e garantir o abastecimento. A avaliação é que a cadeia produtiva pode colapsar nesta semana sem as vias para possibilitar a entrada e a saída dos produtos das propriedades rurais e empresas.

“As medidas convencionais não cabem para o Rio Grande do Sul. Precisamos de algo excepcional”, disse Jerônimo Goergen, presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (Acebra), que coordenou a reunião. As demandas já foram encaminhadas ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

“Não é mais um problema de safra, como se tratava antes. Precisa haver perdão de dívida, reorganização desse passivo e oferta de crédito novo com juro equalizado, talvez com uso de fundo de aval”, defendeu Goergen à reportagem. As medidas precisam incluir empresas e agroindústria, disse ele, já que muitas foram prejudicadas e são financiadoras dos produtores que não têm acesso a bancos.

Os representantes do setor produtivo gaúcho também pediram um encontro com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Logística

Na conversa com o secretário Neri Geller, os gaúchos pediram atenção especial para solucionar a questão logística. Segundo eles, a cadeia produtiva no Estado pode travar até o fim desta semana por conta das dificuldades de locomoção de pessoas e escoamento de produtos. As barreiras nas estradas e pontes destruídas afetam a chegada de insumos e saída de produção, como farelo de soja e milho para as criações de aves e suínos.

O comércio de hortifrútis também está sendo afetado pelas enchentes. Ontem, as atividades da Central de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa/RS), na zona norte da capital gaúcha, foram paralisadas. O local já havia sido evacuado na sexta-feira devido à possibilidade de alagamento.

A Ceasa/RS é responsável pelo abastecimento de 54% dos hortifrutigranjeiros comercializados no Rio Grande do Sul.

Fonte: Globo Rural