Agilidade na regulamentação do ‘Combustível do Futuro’ é fundamental para avanços e novos investimentos em 2025

Martinho Ono, CEO da SCA Brasil

Um dos momentos mais marcantes de 2024 para o setor sucroenergético brasileiro, a aprovação da Lei do Combustível do Futuro agora precisa de rapidez na regulamentação para realizar todo o seu potencial. Com isso virão previsibilidade e segurança jurídica, essenciais para atrair novos investimentos e fomentar a expansão do setor.

Fazendo um balanço de 2024 e projetando expectativas para 2025, o CEO da SCA Brasil, economista Martinho Seiiti Ono, considera que mesmo enfrentando todas as questões climáticas atípicas da atual safra, o setor tende a se manter em bons patamares de competitividade, mesmo que dificilmente atinja a produção recorde da safra 2023-2024.

Em sua reflexão de fim de ano, Ono examina os desdobramentos dos impactos climáticos no plantio, colheita e produção da próxima safra, a evolução da transição energética e o posicionamento do Brasil como liderança global nos mercados de açúcar e biocombustíveis.

1) Foi um ano difícil, com altos e baixos, dificuldades inesperadas com incêndios, estiagem e impacto nos resultados. Qual é a sua avaliação sobre o ano que se encerra?

Apesar de todas as dificuldades que atravessamos, com um inverno extremamente seco, temperaturas mais altas e depois incêndios atingindo pelo menos 600 mil hectares, a cana mostrou sua resiliência. Estamos trabalhando com uma estimativa de 610 a 615 milhões de toneladas de cana para a safra 2024-2025, lembrando que a melhor safra da história foi de 654 milhões e a segunda melhor de 617. Mesmo em condições atípicas, teremos uma safra relativamente boa, só que com dificuldades na produção de açúcar. A previsão em relação ao açúcar era de 42 milhões de toneladas, mas vamos fechar com aproximadamente 40.

2) A participação do etanol de milho deve continuar crescendo de forma acelerada. É possível imaginar que no futuro o etanol de milho seja protagonista, ou teremos crescimento também na oferta do etanol de cana?

A oferta de etanol de milho apresenta uma complementariedade muito boa para atender os objetivos da transição energética no Brasil e do RenovaBio. A participação do milho na safra 2024-2025 deve alcançar 22% da matriz do ciclo Otto, o protagonismo do milho continua no patamar de investimento e em breve veremos uma oferta de mais de 10 bilhões de litros. Nos últimos 10 anos, vimos uma transformação completa do mercado, com o açúcar muito bem precificado em relação ao etanol. Estamos na terceira safra com um mix maximizado para a produção de açúcar e consequentemente, com menor oferta de etanol de cana. Um dos desafios do setor da cana, além de melhorar a produtividade, é aumentar a receita, agregar valor ao pé de cana, ao ATR que é colhido por meio da produção de produtos que gerem mais receitas para as usinas, tal como a produção de etanol de segunda geração, etanol para a aviação e etanol para exportação, com pegada de carbono menor. As usinas vão buscar melhorar sua remuneração.

3) Com a demanda por etanol crescendo, até que ponto a infraestrutura logística pode apresentar dificuldades?

A questão logística requer mais investimentos, especialmente pensando no etanol de milho, com os centros de produção distantes dos centros de consumo. Mato Grosso do Sul começa a abraçar um protagonismo pela produção de etanol de cana e de milho, e a dependência logística totalmente rodoviária é uma das fraquezas que observamos. O modal ferroviário opera no limite, especialmente no transporte de etanol do Mato Grosso e Goiás para Paulínia (SP). A infraestrutura da Logum, desde Uberaba até o Rio de Janeiro, é outro multimodal de biocombustível que está sendo utilizado em larga escala. Hoje, mais de 50% do volume de etanol anidro e carburante já são feitos na modalidade CIF, ou seja, o produto é entregue no tanque das distribuidoras. Isto reduziu muito a necessidade logística do comprador de etanol, transferindo essa responsabilidade para os modais que existem hoje, nas concessões de rodovias, ferrovias e também dos dutos.

4) Diversas usinas já investem em biogás e fala-se muito na produção dos SAFs, os combustíveis sustentáveis para aviação. Quais são as principais inovações envolvendo o mercado de biocombustíveis que têm potencial para crescer em 2025?

A grande novidade em 2024 foi a aprovação da Lei do Combustível do Futuro, que traz segurança jurídica para todo o setor de biocombustíveis para atrair investimentos, na direção de produzir o biogás, o biometano, o SAF, com previsibilidade de volume para cada um desses itens, o que é muito positivo. Toda a regulamentação, que cabe ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) precisa ter continuidade. Temos metas bastante ousadas e precisamos da regulamentação para que tudo aconteça e traga mais investimentos para o setor. Em relação ao SAF por exemplo, sabemos que a Ásia, Estados Unidos e Europa já estão desenvolvendo fábricas. Precisamos ter essa commodity internacional em competitividade parecida ou melhor do que eles. Temos tudo para ter o protagonismo disso, até porque nós somos os produtores de matéria-prima do futuro produto SAF. Temos uma produção com meta prevista para 2027, mas além da regulamentação, precisamos também de linhas de financiamento e de um regime tributário competitivo. É muito importante colocar o SAF produzido no Brasil em patamar de igualdade com os players internacionais.

5) A Petrobras, que já atuou em fertilizantes e biocombustíveis no passado sem conseguir bons resultados, agora anuncia que vai voltar a esses dois segmentos. Que impacto isso pode trazer para o mercado?

O orçamento da Petrobras para os próximos cinco anos prevê R$ 2,2 bilhões para investimento no segmento de biocombustíveis. As empresas petrolíferas não podem fugir do compromisso da transição energética e a Petrobras está seguindo exatamente esse caminho, especialmente no Brasil, que é o maior país em termos de produção de biocombustíveis. Ela provavelmente deve escolher grandes parceiros no Brasil para uma joint venture. Não imagino a Petrobras cuidando de uma usina isoladamente, ou da parte agrícola. A saída deve ser manter a parte agrícola com quem tem essa vocação e a Petrobras fazendo a gestão da outra parte, especialmente a logística que eles têm na Transpetro. O investimento logístico deve favorecer a distribuição de etanol para a demanda no mercado nacional, ou até para exportações.

6) A transição energética no Brasil está bem encaminhada em termos de segurança jurídica para atrair investimentos?

A Lei do Combustível do Futuro nos dá a visão e a mensuração do tamanho desse mercado. Saímos de um patamar de 33 bilhões de litros nesta safra, podendo chegar a 46, 47 bilhões até 2034. O biodiesel também tem uma escala definida de volume e de mistura. Além disso, temos o SAF, que pode atender não só a aviação brasileira, mas dar protagonismo brasileiro em exportações de SAF para outros continentes. Quanto ao biometano e o biogás, temos na matriz energética do Brasil, especialmente para o segmento diesel e para o mercado B2B, uma oportunidade de agregar valor e oferecer um produto mais limpo. Esse é o grande diferencial a ser destacado para o consumidor de óleo diesel. Há estudos de bunker, estudos adicionais de diesel verde, que são programas que estão no radar do Combustível do Futuro. Em suma, a mensuração de volumes prevista na lei e uma regulamentação correta vão propiciar uma segurança jurídica para atrair os investimentos que são necessários para viabilizar todo esse projeto sob o Combustível do Futuro.

7) Hoje, qual é a sua percepção para a safra 2025-2026 e a oferta de etanol?

Para 2025 vejo uma produtividade dos canaviais menor do que a deste ano. As questões climáticas de calor intenso não permitiram uma renovação da cana de ano e meio, a cana de inverno, o que também coloca para 2026 um canavial mais velho, afetando diretamente a produtividade. Esperamos que a qualidade da cana propicie uma oportunidade de produção de açúcar dentro do padrão que cada usina tem de capacidade de cristalização, mesmo com um canavial menor. Para a safra 2025-2026, acredito que poderemos produzir o açúcar com um mix de 51, 52%, talvez chegando a 40 milhões de toneladas. Em um cenário um pouco menor, estamos também aguardando ansiosamente até o início da próxima safra a aprovação da mistura de 30% de etanol anidro na gasolina, o que aumentaria a demanda em cerca de 1,2 bilhão de litros, o que seria muito positivo. Pelo lado da oferta, mais uma vez, vemos o etanol de milho crescer, saindo da projeção de 8 bilhões de litros para esta safra, para o ano que vem alcançar, talvez, 9,5 bilhões de litros. Se esse cenário se confirmar, teremos uma oferta de etanol de cana e de milho equivalentes à presente, com mais ou menos 33 bilhões de litros. É isso que estamos estimando para a região Centro-Sul.