Açúcar abaixo da paridade, fundos acima do bom senso

Embarque de açúcar para exportação – Foto: Claudio Neves/Portos do Paraná

Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana em território positivo. O vencimento março/26 fechou a 15.10 centavos de dólar por libra peso, 28 pontos de alta em relação à sexta-feira anterior. Todos os meses, de maio/26 até março/28 encerraram com altas entre 28 e 32 pontos, equivalentes pouco mais de 6 dólares por tonelada.

O real encerrou a semana com ligeira apreciação frente ao dólar, cravando R$ 5.4188, contra R$ 5.4391 na semana passada. Os açúcares tanto da 26/27 quando da 27/28 tiveram melhor remuneração, entre 24 e 31 reais por tonelada.

A safra indiana finalmente engrenou após o impasse provocado pelos protestos dos produtores, que pediam um preço mínimo de cana acima do State Advised Price de 34,000 rúpias — algo equivalente a 17 centavos de dólar por libra-peso e já cerca de 200 pontos acima do mercado internacional. Na prática, a maioria das usinas está pagando acima do próprio FRP, o que ajuda a explicar a tensão entre produtores, indústria e governo.

Com a moagem avançando em ritmo forte, a expectativa permanece em torno de 35 milhões de toneladas de açúcar, mesmo com produtividade semelhante à da safra passada. A temporada deve ser mais curta, já que mais usinas voltaram à operação — sobretudo unidades pequenas que estavam paradas e agora foram reativadas — e as usinas existentes aumentaram sua capacidade de moagem para ganhar escala econômica.

Apesar desse quadro de moagem acelerada, o setor indiano segue sob forte pressão financeira. O custo de produção gira ao redor de 39,000 rúpias por tonelada, algo próximo de 19.50 centavos de dólar por libra-peso, enquanto o mercado interno oscila hoje na faixa de 36,200 rúpias (cerca de 18 centavos), insuficiente para cobrir o custo.

Para que as contas fechem, o açúcar doméstico teria que negociar pelo menos a 38,000 rúpias por tonelada ou acima, razão pela qual o lobby das usinas pressiona o governo por um aumento do preço mínimo (MSP) do açúcar. Se isso não acontecer, a tendência é que as usinas comecem a acumular atrasos de pagamento de cana a partir de fevereiro, com prejuízo direto para os produtores e necessidade de algum tipo de intervenção governamental. Não por acaso, o governo de Karnataka já se adiantou e se comprometeu a pagar um subsídio de 50 rúpias por tonelada aos produtores, além do valor pago pelas usinas.

No front externo, as exportações praticamente não andaram: das 1.5 milhão de toneladas liberadas, apenas 40 mil foram embarcadas até agora; o açúcar branco de baixa qualidade está sendo ofertado a US$ 450 FOB (algo como 20 centavos), o que melhora marginalmente a paridade, mas ainda não desencadeou um fluxo agressivo de vendas.

O ponto realmente sensível do mercado, entretanto, não está na Índia, e sim em Nova York. A última posição conhecida dos fundos, publicada pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission) agência americana reguladora dos mercados de commodities) no final da tarde de sexta-feira, relativa a 18 de novembro, mostrava um volume de 207,019 lotes vendidos a descoberto, correspondendo a aproximadamente 22% da posição em aberto.

Historicamente, quando o percentual se aproxima desse patamar, não é incomum observar uma reversão de tendência nos preços. Na semana entre 11 e 18 de novembro, a recompra de 12,850 lotes elevou o mercado em 45 pontos. Numa regra simples, para zerar 207,019 lotes o mercado subiria (?) 725 pontos exatamente como caiu no final de 2023?

Se os fundos liquidarem suas posições, a retomada de vendas, se ocorrer, tende a se concentrar nos vencimentos a partir de julho, onde a curva já apresenta um cash-and-carry mais favorável, ou seja, um ambiente em que os fundos gostam de atuar vendidos.

Já se os preços permanecerem por muito tempo na faixa atual entre 14.50-15.50 centavos de dólar por libra peso, o risco estrutural para a safra 27/28 aumenta consideravelmente. Preços abaixo do custo desestimulam tratos culturais, reduzem o uso de insumos, limitam a expansão de área e podem repetir movimentos históricos como o de 1999, quando a produção recuou 17% após um ciclo de preços deprimidos. Esse risco de deterioração estrutural reforça a atratividade de posições compradas mais longas, especialmente para consumidores industriais, seja via compra direta de futuros, seja por meio de estratégias com venda de puts que, no nível atual de volatilidade, ainda oferecem prêmios interessantes.

Do lado energético, as projeções da agência americana de energia para o ano que vem colocam o WTI na casa dos US$ 51 e o Brent em torno de US$ 54, níveis bem abaixo dos atuais. Se confirmados, pressionam o RBOB e afetam a paridade do etanol, com impacto direto na decisão de mix das usinas brasileiras. Ao mesmo tempo, o câmbio segue inflado por ruídos políticos e fluxos típicos de fim de ano, mas há espaço para correção. Cada movimento do dólar altera de forma relevante o custo FOB Santos: com dólar a 5.2500, o custo de produção no Centro-Sul sobe para cerca de 17.75 centavos de dólar por libra peso; com dólar a 5.0000, ultrapassa 18 centavos.

O mercado interno de açúcar dá sinais de firmeza. O índice Esalq subiu mais de 6% em poucos dias, refletindo estoques reduzidos de empacotadores e indústrias e a expectativa de menor oferta externa, com a Tailândia enfrentando problemas fitossanitários e a União Europeia projetando uma quebra relevante e necessidade de importação. Caso a Índia exporte pouco e a Tailândia confirme um recuo mais acentuado, a demanda pelo açúcar brasileiro tende a crescer já no primeiro trimestre, reforçando a percepção de que o pior da correção de preços talvez já tenha passado para o mercado interno, ainda que Nova York continue testando a paciência de quem está comprado ou precisando fixar preços.

Outra variável importante é a fixação das usinas brasileiras para a safra 26/27. O modelo da Archer estima que 41% já estejam fixados a um preço médio de 16.55 centavos (aproximadamente R$ 2.345,62 por tonelada FOB Santos), algo como 160 pontos acima da média atual dos vencimentos julho e outubro. Esse volume cria um teto técnico para altas mais agressivas no curto prazo: por volta de 15 centavos nos vencimentos próximos e 16 centavos nos mais longos, porque a cada esticada de preço o produtor tende a acelerar novas fixações. A disciplina de algumas usinas no fechamento antecipado de câmbio também tem contribuído para suavizar movimentos mais agudos em Nova York; muitas aproveitaram picos de dólar acima de 5.4500 para estruturar NDF (contrato a termo de dólar com liquidação financeira) que tornam a conversão dos preços futuros mais confortável em reais.

Em linhas gerais, o mercado segue preso entre um lado técnico pressionado pela posição exagerada dos fundos e, do outro, uma percepção crescente de que os preços atuais não são sustentáveis no médio prazo. Essa combinação mantém o cenário complexo, mas cheio de gatilhos potenciais de alta, seja na Índia, no câmbio, na curva de energia ou na qualidade da cana do Centro-Sul, qualquer um deles capaz de virar o jogo mais rápido do que o mercado hoje parece disposto a admitir.

O mercado de etanol segue firme, negociando entre 150 e 250 pontos acima de Nova York. Trata-se de um etanol estruturalmente forte ou de um açúcar excessivamente pressionado? Na nossa avaliação, o movimento atual reflete muito mais um açúcar negociando abaixo da paridade do que um etanol excepcionalmente caro, o que sugere espaço para alguma recuperação dos preços do açúcar.

No campo dos combustíveis, embora exista hoje uma defasagem próxima de 11% entre o preço da gasolina praticado pela Petrobras, os valores de refinaria e o mercado internacional — o que abriria margem para um eventual reajuste negativo — é importante lembrar que, em janeiro, há um aumento já contratado do ICMS. Esse ajuste tributário tende a compensar uma eventual redução no preço da gasolina, tornando o efeito líquido praticamente neutro para a competitividade do etanol.

Além disso, vale destacar que o setor caminha para a virada da safra com estoques de passagem de etanol historicamente baixos. Esse quadro deve exigir uma entrada de safra extremamente alcooleira, especialmente porque, neste momento, o etanol remunera melhor do que o açúcar. Essa escolha de mix pode, por sua vez, reduzir a disponibilidade de açúcar no início da próxima safra, com reflexos diretos nas bases e nos preços dos vencimentos de março e abril.

Em síntese, o etanol mostra força relativa, sustentada por fundamentos de oferta e estoque, enquanto o açúcar parece artificialmente pressionado. O equilíbrio entre esses dois mercados — combinado com a dinâmica dos combustíveis — será determinante para a formação de preços nos próximos meses.

Na parte técnica, nosso colaborador Marcelo Moreira destaca que o março-26 encerrou acima da média-móvel dos 50 dias – algo que não ocorria desde o dia 8 de outubro-25. Próximos suportes a 15.03 / 14.91 / 14.88 e 14.04 centavos de dólar por libra-peso. Resistências nos 15.75 / 15.88 / 16.39 e finalmente nos 16.96 centavos de dólar por libra-peso.

Fonte: Archer Consulting